Dunas de Concreto

Dunas de Concreto

Andou lentamente pelo corredor escuro, passando pela porta, do quarto do pai, cerrada. O silêncio e o escuro traziam um êxtase diferente naquele andar na ponta dos pés. Tocou a maçaneta redonda e fria da porta amarela, que brilhava pálida na penumbra do ambiente. Fechada. Sempre continuaria fechada, sempre. Era naqueles instantes, em que estava no colégio, que a porta amarela ficava aberta. Uma vez surpreendera chegando mais cedo, mas lá de baixo à entrada, os cabelos sempre nos olhos, era Dalva que mexia lá. Vinha três vezes por semana fazer a limpeza pesada da casa, botar na máquina a roupa acumulada da semana, passar algumas roupas do dotô, como chamava seu pai. Tinha um rosto bom e gordo esta Dalva. Ela sabia. Sim sabia, mas como todos, mentia-lhe.

De volta ao seu quarto, deitado de costas, os olhos abertos no escuro para o teto, Max pensava, pensava sem pensamento que fosse, apenas deixava-se filtrar aos poucos aquela vaga lembrança como aquela diáfana bruma plúmbea que era a penumbra que envolvia o quarto com as luzes apagadas. Seu respirar tornava-se mais audível, como um som que entra em ritmo cadente, alternante embora. Fechou as mãos cruzadas sobre o peito chato, e fechou os olhos. Aos poucos a luz diurna invadia, aos poucos, vindo pelo chilrear distante dos pássaros que eram abafados pelos roncos cada vez mais próximos do subúrbio acordando quente e pesado.

Pela janela, que abria as seis da manhã, oferecia seu rosto comprido e jovem de belos olhos negros, os cabelos longos em cachos embolados pelo rosto. Bocejava. Sentia o perfume do diesel e da gasolina vindo na fumaça matinal, enxergando a estrada principal dali vista pelo som dos ruídos contínuos e costumeiros.

O pai o olhava da cabeceira da mesa, mastigando, um sorriso permanente e debochado naquele rosto quadrado e escanhoado. Usava gravata, sempre combinando com a blusa, o penteado perfeito mostrando as entradas da calva, e os óculos de aros finos transparente. Por isso ele é “dotô” para Dalva, pensou abaixando os olhos, mordendo um grande naco de pão engordurado de manteiga.

_Se não cortar este cabelo um pouco, vai acabar comendo ele com o pão ou com a sopa – saiu com esta o homem, desviando os olhos.

Sentiu o afago das mãos quentes de Danuza sobre seus cabelos, demoradamente, atrás de si, antes que pudesse responder ao pai. Podia sentir também a quentura do hálito dela, o calor daqueles seios tão próximos à sua nuca.

_Ah, pare de implicar com os cachos compridos dele, Artur – defendeu-o Danuza, ainda lhe esfregando os cabelos com terna sofreguidão – é lindo, muito lindo.

Será que o pai pensava, imaginava, a caminho da escola, pela sombra da calçada, a mochila dependurada de um lado só do ombro, “ ah, se parece tanto com Suzana, se parece tanto...” e mordia lentamente os lábios. Não se via esguio e desengonçado, a roupa sempre um pouco frouxa para seu corpo, mas não se via bonito, como lhe encabulou a confissão desembestada de um outro garoto, que sempre dava um jeito de sentar-se ao seu lado. Mauro sendo assim gordinho e de olhos tão miúdos no rosto largo, sempre arfante, falava nervoso e vermelho, as vezes cuspindo na gente. Ficava na sua. A aproximação do outro que não lhe convinha assustava, o enchia de alerta como uma fera posta em sinal de tensão.

Mais tarde, como merendava na escola, demorava-se pela praça. Conhecia aos poucos aquele Luís Lucas, que tinha um skate rabiscado e velho. Falava rápido, cheio de ansiedade e risos, e compartilhava com ele voltas no skate naquela pista feita de dunas de concreto.

_Pode me chamar de Luca, dizia enquanto se equilibrava sobre o skate pelas dunas de concreto. É que chamavam ele de “Lulu”, alguns que até Max já fazia amizade. Chamavam de pilha, porque o pretinho se pilhava.

Outro dia pensou que pudesse dizer “... mas eu sou mais velho que tu...”, mas é que o pretinho já tinha dezoito anos, mesmo tinha que estar nas ruas à noite com a identidade. E quando rolava pelas dunas de concreto, Max não pensava em absolutamente nada. Era difícil explicar, já que observá-lo de longe era como se ver um boneco elétrico posto em ação.

Pensou no Mauro, quando chegou em casa, suado, despiu a camisa e correu para o banheiro, e a porta não havia jeito de fechar. O gordinho lambia os beiços assim sorrindo, esperando que Max correspondesse aquele olhar e lhe dirigisse a palavra; suava, revirava o caderno de um lado ao outro. A atmosfera pesava como aço. O trinco do banheiro enguiçado. Sentia o vulto, pois fingia não ver a silhueta, além do box envidraçado e molhado e deixava-se sob o chuveiro morno. Sentia aquelas cócegas, e nem bem sabia no que pensar, e no que fosse que pensasse o efeito era o mesmo, e o sabonete perfumado com a agua morna. A silhueta continuava lá. E se ela se aproximasse? Qualquer hora se aproximaria. Sentia o coração disparar no peito achatado. Abriu o vidro do box, a mão tateou em busca da toalha, sentiu o braço quente, a mão que o apertou com unhas grandes e cravejantes. Abaixou a cabeça, deixando a toalha resvalar por entre as pernas cobrindo-se o que podia.

_A senhora não pode... entrar... Danuza... eu não sou mais criança...

_Tô vendo – dizia e ele só escutava a voz, rouca, lasciva e quente, não, conseguia ver também as entradas dos seios no decote da blusa – já é um homem – puxou a toalha das mãos dele, e ele queria encontrar um buraco no chão para enfiar a cabeça ou entrar nele.

Demorou para se recuperar, não querendo sair do quarto, com certa mágoa. De que? Não sabia bem, mas era uma mágoa, e roía-lhe como no estômago uma úlcera. Sentado na cama, passava a mão pelos cabelos úmidos, respirava fundo, abaixava os olhos, sentia os impulsos naquele movimento involuntário no short. Sentia culpa, embora dentro de si algo tentava consolar “mas não foi nada... ela só olhou e tocou...” . Deitou de costas, fechou os olhos. Vinha um cheiro quente de café lá de baixo. Se pudesse se esconder no quarto da mãe. Sempre fechado, talvez a existência dela se mantivesse lá guardada como seu vulto na sua lembrança. Usava brincos de argolas enormes, mas aos poucos o rosto dela era uma enorme argola de um brinco e não havia nem um semblante. Abriu os olhos e imaginou que talvez o semblante da mãe estivesse lá dentro daquele quarto cerrado, a porta de uma amarelo pálido descascado na tinta.

Não convinha mais lembrar, mas veio-lhe à tona como se lhe ardesse aquela provocação que lhe mexia todo quente e vivo por dentro, que ah, sim, aquela mão já lhe tinha pego ali em outras vezes, mas nunca como desta vez, ou o efeito é que fora diferente em si, contudo lhe perturbara como das outras vezes. Tinha vergonha. Luca falava-lhe de garotas. Coisas que ele não sabia, mas como de coisa de comer. Sentia nojo, embora disfarçasse compreensão e conivência. O olhar de Mauro para si, pois sim, lembrava os papos tortos de Luca.

_Você já tem quinze anos, rapaz, tá na hora de arrumar uma namorada – dizia-lhe o pai já com certa frequência. Ele sempre chegava as nove. E as seis, quando escurecia, a luz da sala estava apagada, foi direto a cozinha, para geladeira. Lambuzava-se com o pudim, deixando escorrer calda no chão limpinho. Correu para buscar um pano e limpar. Danuza não se importava, mas o pai não gostava que ele desse trabalho para mulher, não custava nada mostrar que era um bom garoto.

Abaixado no chão, sentiu a sombra do vulto da mulher, não soube por que, levantando os olhos, sobre os cabelos, sentiu um arrepio de medo daquele sorriso.

_Deixa isso aí, Max, uma sujeirinha à toa eu mesma limpo, disse.

Levantou-se, afastando os cabelos dos olhos, e fincando o queixo quase no peito disse com tremor quente na voz:

_Não gosto de dar trabalho...

Riu largamente, e naquele riso ele percebeu o quanto ela era velha e ele novo. O pegou pelo queixo, forçando-o a encará-la, mas não erguia os olhos, sentindo o coração acelerado, o peito sufocado.

Ficava enrubescido, tonto, tremulo. Ela o tocara novamente, de forma libidinosa, sarcástica, enquanto lhe dizia coisas que ele não entendia e mostrando que percebia a sua perturbação.

Que coisa, pensou enquanto cogitava ir para a rua, mas o pai já estava chegando. E sim, tudo ficou calmo lá na sala com a voz do pai, rindo, rindo. Mas estava envergonhado. Não dava para esquecer. E ela ia começar a fazer todo dia? E então...

Jantou calado, o pai é que falava muito. Animado com seu trabalho de dentista? Incutia medo, e medo é respeito? Cogitava se distraindo, enrolando o macarrão no garfo, como lhe ensinara a sua mãe, levando o garfo à boca, e um fio de macarrão escorreu pelo seu queixo, gargalhada oca do pai estrondou, Max abaixou os olhos, Danuza levou a mão ao queixo do garoto limpando-o, e ele abaixou os olhos sentindo-se ultrajado.

Mas de que falavam? Pensou enquanto acudiu num suco, sendo que seu pensamento tinha desvios e atalhos estranhos. Mulher macarrão à bolonhesa, como Luca falava, aqueles olhos miúdos de Mauro, o rosto suando brilhoso, nos lábios curtos entreabertos buscando sôfrego um ar, sentiu o estomago revolto e saiu da mesa esbaforido, quase deixando o prato cair, mas os talheres que tilintaram loucos pelo chão.

Não, não veio vômito como imaginara. Mas fora como alguém que come um ovo de gema mole e quente pela primeira vez. Talvez fosse possível e era, que daqui a pouco tempo nem se lembrasse mais desta sensação. Ficou ofegante, escovou os dentes e voltou para seu quarto. Tinha pensamentos. Nunca tinha pensado no sexo oposto dessa ótica do amigo. Riu. Há algum tempo lia quadrinhos, mas vinha os trocando fáceis por filmes e cada vez mais atraído por musicas. Desde Hip Hop a Rock pesado. Pediria um skate ao pai, mas ao pai. Há pouco tinha cogitado um som novo, mas pensando... um skate. Mas ao pai, ao pai. Danuza não lhe devia nada. Ela era só a mulher do pai. Tinha que respeitá-la e só. Não podia pedir a ela presentes, não era sua mãe. Aqueles pensamentos sobrevoavam suas ideias numa bruma que as envolvia quente com outras conotações de pensamentos que chegavam como quem invade.

Mas nem seu aniversário mais era. A data tinha se passado no mês anterior quando tinha completado quinze anos e vinha, definitivamente, deixando de ser criança, principalmente aos olhos de Danuza.

Se Luca não falasse, às vezes, daquelas coisas sobre as mulheres...

Mauro lhe estendeu o saco engordurado que continha outro salgado. Recusou com um meneio abrupto da cabeça, e fingiu-se muito atento ao que a professora passava na lousa, embora não tivesse a menor ideia do que se tratava.

Fitou os olhos na janela, a noite caindo lentamente, com estrelas acendendo-se aos poucos como as lâmpadas dos postes na calçada. Fazia um ameno calor de abril. Max tinha pensamentos. Indistinguíveis. Novamente aquela mão o bolinara, dessa vez no sofá da sala, no que ele jogava usando a TV da sala, ela veio recendendo a um perfume quente de folhas, encostando-se ao seu lado, como quem quisesse entender daquilo, interagir com ele, e a mão o buscara ali, onde ele não queria, tinha medo, onde ela implicava desde que era meninote. Aquilo o enchia de um suor, medo e vergonha.

Deitou-se de bruços, o rosto afundado no travesseiro. Se tivesse algum dinheiro sairia no sábado com Luca.

_Quem precisa de grana, mané, tinha lhe dito Luca. Mas pensava em pedir ao pai. Pois o pai não vinha com aquela conversa que já tinha quinze anos e...

Não soube por que, mas depois entendera, porque Danuza havia se oposto. Então nessas horas ele ainda era criança. Ficaria preocupada.

De fato, era apenas uma festa com bebida gratuita, um monte de gente que ele não conhecia, que ria à toa e fazia muitas caretas arreganhadas, um som muito alto e distorcido, o tapete de grama sujando, vultos escondidos no muro urinando, e apenas conseguiu ficar escorregando pelos cantos não querendo mesmo ser notado, já que Luca sumia por certos instantes, reaparecendo com o rosto brilhando suado ou molhado, sorrindo afoito e tornava a sumir, depois de dizer que ele se soltasse, tratasse de se arranjar. Pois bem, Max olhava o fundo copo, a bebida intacta em espuma já quase fervente, e passando o dedo pela borda alisando, suspirava e acreditava que Luca então matava a fome por ali pelos cantos, talvez de onde vinha vultos trôpegos. Escorregou entre os que tumultuavam dançando de copo na mão, pegou um atalho por um beco iluminado e viu como fácil, fácil uns se grudavam aos outros e nem se podiam definir os gêneros encostados ao muro áspero. Além do muro a atmosfera pesava como ali, carros estacionados frios na calçada e certo movimento mais sonso, mas Max notou na sombra da luz, encostada a uma palmeira de talhe seco, um vulto do que parecia ser uma menina. A silhueta se movia grácil e lentamente, as mãozinhas indo a boca, e os cabelos douravam a luz que parecia se refletir, vindo do poste, somente ali. Aproximou-se como quem distrai-se apenas chutando pedrinhas, ou como se procurasse um canto para esconder aquele copo cheio de bebida quente e que não suportava mais. Aqueles olhos lhe fitaram de chofre, ele fitou-os de volta. Tinha um rosto comprido, longos cabelos dourados e o olhar sorriu abaixando-os em guarda, fingindo distrair a mão na estampa vermelha da blusa preta que vestia. Max acenou sem se aproximar e sentiu um fogo na face quando o aceno lhe foi devolvido. Atirou o copo incômodo no canto escuro do muro e voltou-se, o peito palpitando de medo. Estavam frente a frente, e aquele rosto enrubescia. Um rosto lindo, esguio como o corpo. Os gestos delicados não condiziam com certo movimento que irrompeu a aproximação enfim.

_Também tá perdido aqui? – disse.

Era um garoto. Assustou-se veemente, ficou paralisado, olhos arregalados fixos no rosto que agora era belo e de esfinge. A voz era mole e frágil, mas era um garoto, tinha certeza. Os gestos eram delicados, meigos e o olhar tão manhoso e sensual, mas um garoto. Teve a certeza quando chegou bem mais perto, mas seu coração continuava disparando no peito, disparado de emoção. Não porque usasse calças e botinas masculinas era a confirmação. Era aquele jeito de sorrir talvez, só em chegar perto. Mas tão gracioso. Sentia a mesma volúpia, sem arrefecer.

_A festinha não é pra moleques como nós, disse numa confirmação do que Max já sabia.

_Pois é, respondeu aturdido, disfarçando com as mãos nos bolsos do jeans surrado que gostava de usar.

Aquele menino moça, foi pensando, sim analisava-o, assim, o jeito de se vestir. Sorria-lhe amigavelmente. Tão loirinho, como uma menina aqueles olhos languidos e claros, olhando-o, sorrindo bobo.

_ Meu nome é Tazio, apresentou-se estendendo a mão de dedos finos e longos, de um branco marmóreo como o rosto. E apertando aquela mão, quente, macia... Por que não era uma menina? Mas sorria sonso, Max, e deu-se por rir.

_ Já te conheço um tempão, revelou Tazio desviando o rosto que enrubescia. Max engoliu em seco perturbado. Onde? Mas apenas soluçou rindo.

_ Da janela do meu quarto vejo você rolando de skate lá...

Max abaixou os olhos num sorriso cumplice. As mãos continuavam nos bolsos. Sentia-se patético assim. É que pensava ainda em beijar aqueles lábios. Tinha pensado, em certa tontura pelo efeito da espuma da bebida quente que bebera.

Talvez Tazio quisesse falar mais coisas, suspirava voltando a baixa guarda dos olhos, sorrindo, ficando vermelho no rosto muito branco. Talvez quisesse que Max ousasse, tomasse ele como pretendia com uma menina que o vira. Mas comentou evasivamente, apenas, que conhecia as donas da festa.

_Minhas amigas patricinhas do Sagrado Coração de Jesus...

Então ele era aluno daquela escola que usavam calça vinho e blusa bege, e os meninos e as meninas estudavam em salas diferentes mesmo sendo do mesmo ano letivo. As freiras faziam cordão separando, soube mais tarde por Luca, porque comentaria, os dois sempre se encontrando naquela praça, disputando o skate nas dunas de concreto, sabendo e agora podendo ver que Tazio o admirava da janela.

Ficou imaginando como seria estudar naquele colégio, pois passou em frente ao prédio, dando uma volta pelo quarteirão. O portão vermelho de ferro fechado hermeticamente, os muros pálidos altos, concertinas e rede eletrificada, copas de arvores altas sendo visível dali.

Mas chegou em casa, mas cedo aquela segunda-feira, porque passara o domingo modorrando tranquilo jogando na TV da sala, e Danuza se ocupava com o pai, ou o pai se ocupava com ela. Aquele olhar dela, como que o esperando ali da porta, lambia-se numa ansiedade, fê-lo olhar em si mesmo de cima abaixo como se a acompanhasse naquele olhar.

_Você tá com muita fome? Quis saber.

_Nem muita – respondeu tirando a mochila dos ombros, segurando-a por uma alça na mão.

_Hoje quero acabar com isso, Max, quero acabar com isso definitivamente – foi dizendo, e ele abaixou os olhos. Não entendia perfeitamente, mas tinha medo.

_Que eu fiz? Indagou fazendo-se de inocente.

_Eu que vou fazer... Max... eu que vou fazer...

Da janela do quarto de Tazio, observou a praça, as dunas de concreto, o sol tinindo sobre o cimento plúmbeo. Atrás de si, ouvia a voz de Tazio, uma voz macia, quente, calma. Preocupava-se se causava comoção ao amigo seu bonito quarto decorado de pôsteres, com estante de livros, som estéreo e TV tela grande. Max sentia exalar de Tazio um perfume doce de flores, e todo quarto dele cheirava assim. Aquele quarto de atmosfera de paredes em tom de ameixa.

_Uma vez... – foi lhe contando que era gótico, quando tinha doze anos, sabe, bobagem, e sentou-se no chão sobre as pernas dobradas, gesticulava as mãos de dedos compridos, os olhos languidos de uma felicidade febricitante, e bem, pintava os olhos de roxo, os lábios, esmalte preto nas unhas.

_Faço quinze anos em setembro – revelou com grande ânsia, no que Max lhe virava os olhos. Ah, tinha algo de safado nele, ia imaginando, mas seria possível que fosse preciso revelar. Queria saber com Sheine como que era... hem, beijar um menino.

Max sentou-se na cama, testou a maciez do colchão rindo. Trocavam olhares cumplices quase. Max imaginava, ria dissimulado. Tinha perdido aquele sorriso fugidio típico da inocência. A mulher montara em cima dele como se monta num cavalo e esfregara seu corpo quente no corpo dele, engalfinhando-se com ele, bruta, em unhas e puxões de cabelo, tapas para que agisse como ela ensinava. Tinha sido cansativo. Ficara doendo junto aos rins na virilha e não conseguia mais olhar para cara do pai.

_Sabe que meu pai tem casa em Búzios, este verão te levo pra lá. Eu peço ele nem nega – continuava falando, vindo se arrastando a se aproximar, e tocou a mão de dedos compridos assim levemente no joelho nu de Max. Max sentiu como se uma borboleta pousasse com doçura e estremeceu de arrepio.

Os dois riram como em entendimentos.

_Você tem cocegas assim à toa? Inquiriu Tazio numa voz ainda mais delicada, lenta, quase arrastada. Aquilo seduzia como de menina, Max tinha os olhos dissimulados da inocência perdida fitos nos dele ainda languidos de pureza.

Levantou-se abruptamente, Max ao sentir o rosto de Tazio acariciando entre suas pernas. Riu-se assim atônito. Ainda sentado no chão, Tazio o fitava assim vermelho, encabulado um pouco, voltou os olhos para baixo, as mãos apoiadas entre os joelhos um pouco ossudos. Voltou-se ao estrépito da porta se batendo, e havia tempo para correr até a janela. Max sumia entre as dunas de concreto.

Inquietante violoncelo desconcertado, pensou lembrando-se de que? Chutou uma tampinha ao longe, atravessava a rua, e quando em casa, ela estava lá na sala, sentada no braço da poltrona, as pernas cruzadas, a boca aberta e sedenta vendo-o entrar. Sentiu-se diferente, de repente, rindo cínico, a esconder os olhos, os cabelos revoltos assim na testa ajudavam bastante.

_Aonde você andou, meu menino? A angustia na fala dela era dilacerante. O cheiro do tempero da comida que ela preparava impregnava a atmosfera, e antes que ela viesse com as carícias, ele perguntou por que ela não usava brincos como da sua mãe. Os grandes brincos de argolas de Suzana.

Com os braços enlaçados ao pescoço dele, o rosto tão próximo, ela sorriu de olhos fechados e terna. Max assustou-se com o rosto dela tão próximo ao seu. Os olhos dela pareciam maiores e devoradores como a boca rasgada e pintada de vermelho, e aqueles círculos negros de maquiagem em torno dos olhos eram como uma boca arreganhada de dentes, mas ele nem se impressionava, apenas queria saber antes de ceder a vontade dela mais uma vez se podia ver o quarto que fora dela.

_Claro, meu querido, por que não, vamos, seu pai não gosta, acha que vai te trazer lembranças...

E que lembranças lhe traria aquela luz irradiando sobre a cama antiga de dossel preservada na colcha branca de cetim com um laço enorme como embrulho, o velho armário embutido cerrado, as flores no jarro da cabeceira, vermelhas, já fenecendo as pétalas lentamente, pois era Dalva que as trocava, e o pai que as comprava toda semana. Aproximou-se na ponta dos pés, deixando Danuza encostada a porta a roer as unhas, e junto ao vaso, bem debaixo dos brincos enormes de argolas azuis encontrava-se um velho cartão de envelope amarelado. Hesitou em tocá-lo, sentindo comoção leve...

... Tazio continuou a janela, percebendo que àquela hora ardida da tarde a praça ficava assim deserta, mas vinha um vento com poeira seca, em redemoinho lento, acelerando-se, achando folhas e arrastando no pequeno turbilhão entre as dunas de concretos. Virou o olhar, afastando os cabelos dos olhos, e de súbito vindo do queixo nasceu-lhe um sorriso mais arrogante e corajoso e fitava aquele homem grande de uniforme alaranjado e encardido, que arrastava aquelas botas enxovalhadas e pesadas, e que levantou os olhos sob a aba do boné que lhe protegia do sol. Era um rosto negro, bonito e forte. Tazio corou primeiro levemente, depois tanto que lhe incendiou as orelhas como em febre...

...No cartão entre seus dedos, a velha poeira encrustada e abrindo o envelope, Max chupou os lábios com ardor de curiosidade ainda infantil.