O AMANTE

Seria cômico, não fosse trágico. A confusão estava armada.

O marido traído berrava.

- Eu vou matar vocês. Acabaram com meu casamento. Quero meu dinheiro de volta.

Isso aconteceu depois que o casal comprara a casa dos sonhos.

Casados há 10 anos, tinham uma filha de 10 também. Conheceram-se quando ela tinha 15. Ele foi o primeiro namorado dela. Quatro anos depois, se descobriram grávidos. Casaram. E até o dia da descoberta, ele se achava confortável num casamento fiel.

Ela não estava feliz. Casou sem ter vivido a juventude. Ele fora seu único homem. No mesmo ano, com 19 de idade, engravidou e casou. E assim, seu casamento foi feliz por oito anos. Os últimos dois, foram arrastados. Ele já não era mais carinhoso. Sexo, muito pouco lhe dava. E nem ela queria. Não admirava mais o marido.

O homem com quem se casara era firme, líder, provedor, e muito carinhoso. Hoje ele estava muito longe de qualquer dessas qualidades. Foi se acomodando. Saiu do emprego fixo e começou a trabalhar por conta. Cada dia trabalhava menos. Ganhava menos. Colaborava menos. Sua agressividade foi despontando. Um dia uma palavra atravessada, noutro um silêncio ensurdecedor. O clima foi ficando insustentável.

Ela, ao contrário, foi crescendo na empresa, galgando cargos de maior responsabilidade, com salário cada vez mais polpudo.

Mas só ela via que seu casamento não era mais o mesmo. Ele achava que estava tudo bem. Sentia o próprio “rei da cocada preta”. Sua (pseudo) segurança era cada vez maior. Suas exigências aumentavam. Sua ambição também.

Não queria mais aquela casa. Queria uma maior. Queria uma que comportasse o seu sonho. Precisava de espaço para expandir.

Procuraram e acharam a casa perfeita.

Fizeram o financiamento de uma parte e pagaram a outra a vista.

A vendedora tinha três filhos. Um deles, separado, de dois casamentos frustrados. Ele era muito bonito, inteligente, agradável, cavalheiro, sofrido, sozinho e carente de uma mulher para cuidar dele.

Ela viu nele o homem perfeito para projetar suas fantasias. Apaixonou-se no mesmo dia que o conheceu.

Passou a lhe enviar e-mails. Sorria sozinha. Dava pulinhos ao invés de andar. Flutuava. Pensava nele 24 horas por dia.

Ele respondia respeitosamente às suas investidas. Sabia que ela era casada. Tentava não magoá-la, pois não tinha o mesmo interesse por ela. Não fazia nem um mês que se conheceram. Viram-se por duas vezes, e muito rápido. No dia da assinatura do contrato e no cartório.

Mas ela tinha certeza que ele era o homem da sua vida e as mensagens tornaram-se mais picantes.

Bom dia homem! (chamar o homem de homem é infalível. Ele logo se vê o próprio “Macho Alpha”). Continuou... Acordei pensando em você. Mas é impróprio para menores. Agora vou tomar meu banho.

Deixou que ele imaginasse-a nua, ensaboada, debaixo d’água. Depois continuou sua história sensual. - Acabei meu banho. Estou vestida de perfume e salto. Tirou uma foto dos pés, unhas vermelhas, sandália de fivela no tornozelo. A foto mostrava até a panturrilha. Queria apenas instigar sua libido. Deixar que sua imaginação completasse a foto.

Saiu para trabalhar animadíssima pela ousadia. Virara adolescente. Estava vivendo uma aventura como nunca tinha vivido.

Durante o dia, enviou mais mensagens quentes. - Adoraria saber como é seu corpo! À noite, mais um pouco de sedução. - Comprei um vinho, e queria que ele escorresse pelo teu peito, só para lamber e me embriagar de você. E assim, todo dia uma nova investida.

Ele estava orgulhoso em ser o objeto do desejo dela, mas um medo começou a tomar conta dele. O financiamento da casa não tinha saído ainda. Se a magoasse, poderia estragar os negócios da mãe. Se levasse adiante, poderia estragar o casamento dela. Se mantivesse algo com ela, poderia arriscar a própria vida. Nunca se sabe do que é capaz um marido traído.

Fosse qual fosse sua atitude, estragaria alguma coisa.

Levou as investidas dela na brincadeira, como se não tivesse entendido sua intenção.

Mas um dia o marido pegou seu celular para uma consulta. Achou as mensagens que eles trocaram.

Ficou cego de ódio. Ela precisava dar-lhe uma explicação muito convincente para o que acabara de ler.

Ela só chorava. Não desmentiu. Disse estar apaixonada por outro homem.

Mas como? Ele não conseguia acreditar que em tão pouco tempo, nem dois meses, ela se apaixonara.

Lembrou que no primeiro encontro que teve com a família dos vendedores, viu a irmã dele, elogiar e falar mil maravilhas do irmão. Foi ela quem fez a “cabeça” da minha mulher.

Tirou suas conclusões. E partiu, enfurecido, para a casa da filha da vendedora. Ia desfazer o negócio.

Entrou já vociferando. - Quero falar com vocês. Quero meu dinheiro de volta, senão mato os dois. Vocês são os culpados. Ficaram jogando ele pra cima da minha mulher.

O genro da vendedora tentava entender o que estava acontecendo, para acalmar o marido da outra.

- Foi ela, gritava ele. Foi sua mulher que jogou o irmão dela pra cima da minha esposa. Não quero mais fazer negócios com vocês.

O genro da vendedora pediu que o homem se acalmasse e o convidou para saírem. Queria proteger os filhos e a esposa. Não sabia se ele estava armado. Só sabia que estava alterado. E muito.

Foram para uma padaria. Pediram uma cerveja. Fez o papel de ouvinte. O marido, motivado pelo álcool, contou como se sentia inferior a ela. Que ela sempre foi a forte financeiramente. Não podia deixar que ela se engrandecesse disso. Usava a voz grossa, o tom alto e a falsa agressividade, para manter-se o homem da casa. Mas quanto mais ela se destacava na empresa, mais agressivo ele se tornava.

E agora ela estava lhe traindo. Por isso queria desfazer o negócio. Queria ficar longe dali. Longe do amante.

O genro da vendedora disse que a sogra já tinha comprado outro imóvel com o dinheiro.

Se não podiam se mudar, nem vender a casa, então ela não moraria mais lá. Ela não era exemplo para a filha. E colocou-a para fora.

Pronto. Sua alma estava suja, mas sua honra estava lavada.

Só depois percebeu que mais suja que sua alma, estava suas louças, suas roupas, quintal, cama, sala...

E mais vazio que seu coração, estava seus armários, sua geladeira, fogão, conta bancária...

Pensou melhor...

Afinal, o que ela fez de tão grave? Viveu uma fantasia. Usou como inspiração, um amante que nunca a tocou. Um figurante.

Deixou-se levar por uma fantasia. A culpa fora dele. Ele, como marido, nunca a tratou como uma dama de dia, nem como uma dama da noite na cama.

Percebeu que perdera sua vida de “Bon Vivant”.

Pior que um homem traído, é um homem sozinho e sem dinheiro.

- Amanhã mesmo, ela volta para essa casa.

Vou dar-lhe o perdão. Dar a ela a alegria de ter sua vida de volta, ao meu lado.

Ela a merece outra chance!