Paradoxo do perdão

Aquela era a conversa mais difícil que ele teria na vida. Tudo começou há uns quinze dias. Ele estava num bar com os amigos acompanhando o jogo do seu time e tomando aquela cerveja esperta, quando um dos amigos chegou com cara de assustado e pediu para ter um dedo de prosa em particular com ele.

Em qualquer condição normal ele não iria, afinal de contas o jogo estava empatado em 1 a 1 e nos 35 minutos do segundo tempo, esse é o espaço de tempo onde uma partida de futebol fica mais tensa, mas olhando para a aflição do amigo ele decidiu sair.

Eles foram pro lado de fora do bar. Caia uma garoa fina daquelas de verão, que os mais antigos diziam “que era chuva de molhar bobo”, ele até pensou no dito popular e imaginou “isso é muito correto, afinal onde já se viu deixar meu time aos 35 do segundo tempo para vir dar trela para esse sujeito”. O amigo não disse nada, apenas pegou o celular, mexeu para lá e para cá e o entregou.

Ele demorou para se dar conta do que estava na sua frente. Era um vídeo de sua mulher sendo gravada por um outro sujeito fazendo coisas que ele nem podia imaginar que ela seria capaz. Ele fuzilou o amigo com os olhos, que só abaixou a cabeça e disse com uma voz quase chorosa:

- Está rodando no celular de todo mundo!

- Sabe quem é o cara? – Por incrível que pareça ao mesmo tempo que seu coração por dentro batia a mil por minuto, ele por fora seguia impassível e calmo. – Sabe quem é o desgraçado?

- Não sei.

O amigo até falou alguma coisa sobre sentir muito, mas ele já não ouviu nada. Suas vistas se escureceram e ele caiu no chão. Acordou algumas horas depois numa cama de hospital. A sua mulher, a companheira que dividiu a vida com ele nos últimos 20 anos, estava sentada no lado da cama. Ele teve vontade confrontá-la ali e agora, mas se conteve.

Alguns dias depois voltou para casa, e todos os dias ele acordava pensando que era hora de confrontá-la, mas não o fez. Todas as noites enquanto ele olhava ela dormir ficava pensando que poderia matá-la, mas evidentemente nunca permitiu realidade aos seus pensamentos. Por muitas vezes ele chorou enquanto tomava banho, mas na frente dela, ele se mantinha altivo e forte, tão altivo e forte quanto alguém que está se recuperando de um ameaço de enfarto pode parecer.

Os dias que se passavam escureceram seus pensamentos. Toda a vez que ela saia para ir ao mercado ou a qualquer lugar ele pensava que ela estava com o outro se divertindo e gravando vídeos pornográficos enquanto ele definhava em cima do sofá, assistindo futebol reprisado na tevê. Quinze dias depois ele não agüentou e tomou coragem e decidiu confrontá-la.

Ela chegou do mercado. Vestia uma mini saia do estilo Wanderléia, e ele não pôde deixar de reparar que apesar da idade ela ainda tinha belas pernas. Ela sorriu para ele. Ele pegou o celular, achou o vídeo e sem dizer uma única palavra entregou a ela. Ela começou a tremer e não assistiu até o final. Com os olhos marejados pelas lágrimas levantou a cabeça e perguntou:

- Quem te mandou isso?

- Isso faz diferença? – Ele respondeu. Ela não disse nada, começou a soluçar baixinho e passou a olhar para o chão. Ele percebeu nela a vergonha. Era visível. Era real. Era palpável. – Você o ama?

- Não. Eu amo você! – Ela estava sendo sincera, afinal em 20 anos de convivência ele sabia reconhecer quando ela falava a verdade. – Eu amo você. Ele não significada nada para mim!

- Então por quê?

- Eu não sei. A gente não estava bem e eu cai em tentação. Durou pouco tempo, logo já pus um ponto final. Eu amo você.

- Você vai tornar a vê-lo?

- Não, jamais. Me perdoa. Me perdoa. Me perdoa. – Ela se jogou de joelho aos seus pés. Ela chorava como uma criança. Ele estava impassível, totalmente frio. – Me perdoa, por favor, me perdoa? – Implorava ela.

- Eu perdôo você. Se você me ama, eu perdôo você. – Ele disse olhando para ela.

- Eu te amo! – Ela gritou e levantou rapidamente. Tentou beijá-lo, mas ele a afastou.

- Eu vou me embora. – Ele disse enquanto apontava para as malas arrumadas na porta do quarto, algo que ela nem tinha percebido ainda.

- Você não disse que ia me perdoar?

- Você já está perdoada querida.

- Então por que você vai embora?

- Porque tem uma coisa que nos dois temos em comum: Você me ama, eu acredito em você e por isso te perdôo, mas você precisa saber que eu também me amo.

Ele virou as costas e saiu, enquanto ela caiu de joelho no chão e com as duas mãos sobre o rosto ficou a chorar a copiosamente.

Jonas Martins
Enviado por Jonas Martins em 08/06/2017
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