As migalhas de sentimentos

Quando Rosa deu as mãos para Vieira, não podia sequer imaginar que um ato aparentemente normal fosse lhe causar tanto barulho. Os fins de semana iam ficando cada vez mais promissores e entre um agrado e outro, o cético e o fervoroso tentando unificar em um só. Fogo e água é o que mais poderia explicar o romance entre Vieira e Rosa. De um lado um mundo totalmente ingênuo, transbordando carinho e afeição exagerada. Do outro a passividade dos bons agrados, a falta de crença, afinal, quem bate esquece, mas quem apanha lembra. Não se pôde fazer planos durante todo o ano em que se poderia conceituar de fogo ardente. E tudo começou quando Rosa teve que fazer uma viagem, a da tragédia anunciada.

O prenúncio de algo bom e sem máculas era evidente. A ilusão foi sufocada pela certeza de que sol e lua todos os dias apareceriam. A mensagem que Rosa enviou foi a que decidiu sua vida. Foi de fato a que mais lhe ensinou a ser gente.

"Oi, tudo bem? Como faço para conhecer uma pessoa tão linda como a que vejo?" E do outro lado, a resposta mais esperada: "amanhã, talvez, vamos nos ver sim."

Rosa nem imaginava a quantidade de informações que haviam naquele "talvez". Seu coração transbordou de tanta felicidade, o papo já vinha se arrastando há dias e mais dias, sem muito calor. Viu então que aquele era o momento de realmente juntar o fogo e a água. Quanto sofrimento na vida de Rosa! Mas como tinha coração de cera, resolveu entregar, de mão beijada. Os dias foram virando momentos de glória e nada da água se juntar com o fogo. Rosa, mais que depressa, resolveu então começar a pontuar tudo que estava acontecendo. Houve uma grande confusão entre Vieira e Rosa, lágrimas começavam a descer e quase todas sem explicação exata.

Os pontos de encontro entre os dois eram quase sempre os mesmos: Lagoa Paulina, Lagoa Boa Vista, Pizzaria no Centro e o Quiosque na frente da faculdade Fazenda Modelo. A cidade de Chico Xavier ficou pequena, sua estátua com as pernas cruzadas na praça da prefeitura também estava sem suntuosidade. Os churros perderam o sabor, os cachorros-quentes esfriaram e os piqueniques foram tomados pelas formigas corredeiras. Rosa e Viera lutaram com todas as armas que tinham para salvar aquele amor anunciado.

Vieira ajoelhou-se em praça pública pedindo a mão de Rosa em namoro depois de um dia inteiro de passeios pela cidade de Sete Lagoas e as trocas de confidências. Rosa derreteu-se, afinal, era o sonho de sua vida. Tudo em Vieira chamava a atenção de Rosa: as mãos, os olhos, os toques, o cabelo e as preocupações, mas Rosa sentia que havia alguma coisa de estranho em Vieira, não sabia o que era, mas sentia que havia. A sensibilidade de Rosa foi posta em xeque mais uma vez. O problema maior é que não cria em tais assuntos. Via, sentia, filtrava e descartava. Mas para a vida de Rosa, quando o assunto era amor, não poderia existir filtros. Acreditava que o fogo e a água fossem se juntar.

O 'pega pra capar' crescia a cada dia e Rosa, com a cabeça mais confusa, se definhava por não ter respostas para as perguntas que seu coração fazia, tanto no seu dia a dia quanto no seu atordoado sono. Dois bicudos não se bicam, escancarava o coração de Rosa, mas como não acreditava em premonições, via a cada dia seu coração de cera se derreter perante a água de beleza estonteante.

Certo tempo as mãos, os olhos, os toques, o cabelo e as preocupações já não faziam os mesmos sentidos para Rosa. Queria então postura, atitudes, palavras claras. Sexualmente nada ainda havia acontecido entre Vieira e Rosa, pois, todas as idas ao motel foram desperdiçadas. Prejuízo financeiro era o de menos para os dois, os que mais estraçalhavam eram os sentimentais. Ninguém desistia, mesmo tudo indo contra e nada dando certo. No dia do aniversário de Rosa, uma camiseta, um dvd e uma poesia feita sem nenhuma técnica, foi o que mais intrigou a vida do ser.

Quantas palavras de amor que não haviam naquela poesia de linhas tortas?

_ Deseja mesmo me entregar estes presentes? Indagou o fogo!

_ Sim, respondeu a água, com olhos marejados!

Mas o fogo sabia que não tinha mais condições de sustentar tantas dúvidas e falta de respostas. A sensitividade de Rosa era demasiada, os sonhos e visões eram constantes. Não aceitava, mas era. Não cria, mas via. E depois dos presentes entregues quase que por intimação para Rosa, uma semana de ligações e nada! Rosa entristeceu profundamente pela decisão mais difícil de sua vida, de encarar algo que não entendia, não cria, nem aceitava muito bem. A água destruiu o fogo, mas não apagou suas brasas. O fogo triste consome por dentro, fumega, mas não incendeia mais. A água escorreu pelas estradas da vida, desaguando em seus segredos. Quando dois não quer, um não deve brigar.

O preço que Rosa pagou foi muito caro: 11 dias sem pregar os olhos olhando para o teto; emagreceu quase 10 quilos, perdeu seu emprego e a motivação por tudo; perdeu o tesão em outras pessoas, algumas mais lindas que Vieira, mas quando se fere o coração, nada agrada.

E de resto sobrou apenas um buraco na vida de Rosa, o coração de cera derreteu até a última gota. Mas manteve-se firme nos seus sentimentos, não negando a si. Outros sorrisos e outros braços não fazem mais sentido na vida de Rosa. Os lábios perderam a saliva doce que mexiam no íntimo de quem não nega o que sente, pois, a natureza é sábia e é assim que natureza ordena: amar, amar, amar. Rejeitar e nunca desamar. As boas-novas é que aprender a sorrir é preciso, mesmo para quem não tem sequer um motivo para isto.

Quem mexe com amor quase sempre mexe com dor, mas o sofrimento, por mais que seja doloroso, ensina, instrui e coloca de pé quem nasceu para não aceitar os restolhos que a vida oferece!

Daniel Cezário
Enviado por Daniel Cezário em 12/06/2017
Reeditado em 13/06/2017
Código do texto: T6024923
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