A maior declaração de amor

Ainda muito jovem ele decidira-se pelo celibato. Não seria padre, mas também não queria ter qualquer envolvimento sexual, porque entendia que isso atrapalharia o desenvolvimento de sua mente e o seu crescimento pessoal.

Se isso foi verdade ou não é difícil julgar, mas o fato é que o menino que se decidiu pelo celibato graduou-se como Engenheiro civil, fez o curso de Ciências Naturais na Escola Central, e formou-se doutor em medicina e especializou-se em homeopatia e foi também professor catedrático da Escola Politécnica e depois se elegeu senador, chegando ao cargo de vice-presidente do senado.

Homem respeitado, considerado de extremo bom senso e muito hábil em negociações, ele começou a ser chamado para compor governos. Um presidente o chamou e o colocou em uma secretaria sem muita importância e lá ele fez um trabalho tão bom que tornou esse cargo em algo importante na estrutura pública do país.

Tudo ia tão bem até que um de seus melhores amigos, um jornalista, boêmio, como são os mais notáveis dessa profissão, conhecidíssimo nas noites da capital, o convenceu a ir em uma daquelas tabernas mal iluminadas, com cheiro de cigarro e uísque barato.

Lá, o jovem celibato conheceu uma mulher da vida. Ela tinha meia-idade, era bela e uma daquelas conhecidas pelo seu oficio. O seu amigo, o jornalista, pediu carona e o pobre celibato serviu de chofer para o casal de amantes sem saber que aquele comum favor se tornaria sua perdição. Na casa da mulher da vida ele conheceu a sobrinha dessa e ela seria o seu fim.

A jovem com pele de seda, sorriso de diamante e olhar de diaba, roubou seu coração. Ele brigou contra o desejo que lhe consumiam e os sonhos que lhe atormentavam, mas não teve jeito, cruzou mais duas vezes com a jovem e quando viu o seu celibato tinha morrido e ele estava vivendo uma tórrida história de amor.

O ápice do seu caso ocorreu quando a jovem foi visita-lo em seu novo gabinete de homem importante. Ele agora era o Ministro da Fazenda do país. Ela passou pela secretária sem ao menos marcar hora e entrou no gabinete. Ele levou um susto.

Eles se amaram em cima da mesa do gabinete. Aquilo ficaria pelo resto de sua vida gravado em sua mente.

Mesmo ela sendo muito jovem e mais bela do que ele poderia querer, ele nunca propôs nada mais sério, pois, ela era sobrinha de uma mulher da vida e como da vida também era descrita e então ele decidiu que seria mais segura tê-la apenas como amante.

Ela então decidiu por um ponto final na relação e garantiu que só voltaria para seus braços e sua cama quando ele lhe desse a maior prova de amor de todas. Ele usou toda a sua criatividade, recorreu aos seus amigos mais próximos em busca de algo que a deixasse sem palavras. Nada se apresentou viável, até que o presidente lhe chamou no palácio do governo.

O pedido do presidente foi para que ele redesenhasse as cédulas de dinheiro do país. Ele não teve dúvidas, viajou para a Europa com sua amada e mandou que um famoso gravurista de cédulas, japonês, radicado em Paris, pintasse um retrato de sua amada para ser usado em uma das novas notas.

A gravura ficou tão boa que outros países chegaram a usa-la em suas próprias notas, já que quem confeccionava as cédulas era uma empresa estrangeira que fazia para várias nações e a usou em vários designers diferentes.

Quando a nota de dois mil réis surgiu no país, foi um escanda-lo. Sessões no senado foram suspensas pelo excesso do uso de palavras de baixo calão e homens graduados, como um tal conhecido como Águia de Haia, usaram a tribuna para criticar o ministro da fazenda. Ele sofria politicamente e se afastar de sua amada para se salvar.

Não imediatamente, mas conta-se que o pobre menino do celibato caiu no ostracismo e até em seus últimos dias praguejava, em seu leito de morte, o fato de não ter se mantido dessa forma. O que mais lhe atormentava eram as lembranças do amor feito naquela tarde, na mesa do gabinete. Por mais que ele desejasse esquecer, sempre assaltava a sua mente para lhe roubar o sossego e lembra-lo que ele foi o autor da maior declaração de amor possível e por isso fracassou.

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Guardada a minha liberdade literária, essa crônica se encaixa perfeitamente com a história do Ministro da Fazenda do Brasil no governo de Campo Sales, quando supostamente colocou a imagem de uma amente na cédula de 2 mil réis. A história foi um verdadeiro escândalo e há quem diga que Murtinho só não foi presidente pela triste escolha que fez.

Jonas Martins
Enviado por Jonas Martins em 08/09/2017
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