Conto_Libertar

Os passos eram sincopados e na rua fria da cidade, ela soltava pequenas nuvens da boca enquanto falava. Quem a via, pensava que falava sozinha, mas Anne sabia que Alice a escutava.

Eram quase duas da madrugada quando Alice a acordou. Lembrou que sonhava andando por um caminho de pedras onde não podia se avistar um fim. O cansaço lhe tomava o corpo e sentia que havia caminhando bastante. Faltava-lhe forças nas pernas e o suor se misturava a garoa que fazia naquele lugar. Eis que em cima de um morro viu uma árvore que, pela escuridão do lugar, só podia-se ver como uma sombra.

Eis que uma gaiola presa a um galho lhe chamou a atenção e ela viu que dentro dela havia um pássaro de asas cortadas e aparência triste. O pássaro lhe olhou nos olhos, encarando-a. Cantou uma melodia triste e num ímpeto, Anne sentiu seu corpo movimentar-se, e dançou. Abriu a gaiola e pegou o pássaro com a mão direita e tocou o bico do pássaro em seu ouvido. A ave não podia falar mas Anne ouviu: “Liberte-se, liberte-me”!

Anne segurou o pássaro com as duas mãos e impulsionou a ave pro alto, soltando-a. Grandes asas surgiram e o pássaro tão frágil ficou grande e das asas surgiram braços, e do pássaro surgiu Alice, que lhe dando um beijo na face, agradeceu-lhe e lhe disse “agora sabes o que fazer”.

Anne colocou se cardigan azul escuro e foi. Andou por ruas molhadas e ,soltando pequenas nuvens da boca, disse :”sim, eu sei bem o que fazer Alice. Eu sei que tanto eu quanto você não aguentávamos mais viver aprisionadas. Eu sei que a sua melodia nunca se silenciará em mim e eu dançarei livre.

Anne parou frente ao túmulo de Alice e ajoelhou-se. Lembrou-se do dia do acidente quando elas discutiam dentro do carro em movimento até que o mesmo chocou-se com outro veículo. Lembrou-se do gosto de sangue na boca e de Alice desfalecida, jogada do asfalto. Lembrou-se também que por muito tempo carregou a culpa e que foram dois anos e cinco meses de prisão. Dois anos e cinco meses sem que seu corpo pudesse ter qualquer movimento involuntário que parecesse liberdade. Dois anos e cinco meses em que ela também morava ali, naquele túmulo.

Tirou do pescoço o cordão onde o pingente era seu anel de compromisso e colocou sobre o túmulo. Chorou um choro sorridente e uma melodia, a mesma que o pássaro entoou, começou a tocar. Anne dançou como a muito tempo não fazia. E dos seus braços surgiram asas, e de Anne surgiu um pássaro que naquela noite fria, dançava livre doce cantiga “libertar”.

Elmo Férrer
Enviado por Elmo Férrer em 17/09/2017
Código do texto: T6116937
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