"A Carta"

Canetas, papéis amassados e uma escrivaninha. A escuridão tomava conta da grande sala, exceto pela luz da pequena lamparina quase a apagar, que clareavam suas mãos de unhas compridas e curvas. Roupas amassadas, fétidas e rasgadas. Podia ver traças a roer suas pontas. O cômodo tinha um cheiro forte de quem estava ali há uns quinze dias.

Fecha os olhos e lembra se daquela bela moça que lhe desmontava, tirava as suas ações e lhe fazia sonhar. Ela lhe pedirá seu endereço, que ele deu com muito apreço. Não perguntou o porque, apenas deu.

Passará então a cuidar se mais, fazer a barba todos as manhãs e arrumar a cama que mal o fazia, o lençol ainda era o mesmo costurado por sua mãe que partira a dois anos para os santos, tirou os jornais do quintal e aparou a grama, deu bom dia a vizinha pela primeira vez, e nunca perceberá quão bela era aquela moça, mas se ocupava a pensar somente em sua amada. Passaram se alguns dias ela não respondia mais em suas redes sociais, há exatas 49 horas e 46 minutos, e sim, ele contava cada segundo... Já impaciente no sofá levantou e foi até a porta, o correio entregara mais uma carta. Essa era diferente tinha bordas prateadas, um laço vermelho envolvia o papel que refletia seu rosto ansioso, lembrara então da sua amada, que havia comentado que quando ele fosse visita lá que usasse um laço vermelho de presente, ela amava laços vermelhos apesar de sua paixão ser o azul. Abriu com muito cuidado o envelope delicado, na frente havia um papel de caderno com letras manchadas, parecia ter sido molhado por pequenas gotas que diziam:

"Meu amor era pra ser você! Mas suas palavras escuras, suas indiretas e suas poucas afirmações não me bastaram, sempre fui tão clara quanto ao meu amor por você!  E você com seus mistérios nunca admitirá o que sentia por mim. Não pude esperar... Mas você sempre será meu eterno amor. Quando estiver com cabelos brancos lembrarei de ti em minha cadeira de balanço. Te amo!"

Atrás um papel que era bordado a mão, tinha flores boleadas e letras douradas:

"Enlace Matrimonial. Você é nosso convidado especial..."

Não pode terminar a leitura, seus olhos estavam cheios de água, suas mãos tremiam, sua carne doía como uma surra... Entrou para sua casa, fechou as janelas, trancou as portas, pegou um pouco de querosene, alguns papéis e uma velha lamparina. Lá estava ele mais uma vez. Perdido então, em uma solitária escuridão. Tentava escrever naqueles papéis o que nunca conseguiu expressar para sua amada. Nunca tivera coragem de falar as palavras que sua mente planejava, não saia nada. Mas ele sentia, precisava dizer que seu peito explodia de alegria ao ouvir sua voz, ao imaginar seu corpo, que passava horas admirando suas fotos e sonhando com coisas que ele nem teria coragem de dizer quem dirá fazer. Mas ele precisava, não podia perder sua amada... Não, porque faltava apenas duas semanas para o casamento. Pensou em pegar um avião e dizer pessoalmente ou mesmo que não dissesse nada que estivesse lá que mostrasse a ela que realmente ela era especial. Mas seu monstrinho interior, criado pelos mal tratos de sua infância, as palavras de ignorância ouvidas e as surras sem motivo algum o diminuiram mais uma vez, e não conseguiu se quer soltar o lápis....

Era aquele dia... O dia dela... Ela devia estar linda... Devia estar muito mais bela e angelical do que já era... Aquele vestido branco devia realçar sua cor bronzeada...

Um barulho...

A queda do lápis...

Constantes... Tumtum... tumtum.. tumtum...

De repente o silêncio.

Último som na sala.

Sua cabeça pende a frente, aparece um sorriso em seus lábios secos e descascados.

O choque de sua cabeça na mesa derruba a lamparina e o restinho de querosene que ali havia...

Ele não sentiu nada...

Só o calor intenso naquela manhã fria, e só via o rosto de sua amada que em seu pensamento ficou...

Pensamento Azul
Enviado por Pensamento Azul em 09/10/2017
Reeditado em 10/06/2018
Código do texto: T6137454
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