A Enseada Perdida

A natureza é sempre mais diligente no sentir, apesar do quanto eu pense na simetria das palavras, tudo é pó e nada comparado a cada poesia contida nos silêncios do tempo.

Em uma de minhas viagens pelo país depois de um dia cruzando a rodovia, acordei por volta das nove dentro de um longo túnel escuro no ônibus. Sonolento, abri a mochila ao lado e procurei algo pra comer, mas só haviam papéis rabiscados e pacotes de biscoitos vazios.. Pensei em fazer alguma amizade por ali pra ver se matava a fome mas, o ônibus já não parava ha um bom tempo, e certamente, a próxima estação deveria estar próxima; resolvi esperar..

Vários feixes de luz abriam caminho pelo túnel onde pudia-se ver o dia correndo em flash, era um lindo dia aparentemente.. Pensei oque Alina estaria fazendo aquela hora, se me irmãzinha estava no colégio, se meu cachorro já tinha comido algo ou se estava tentando ser arqueólogo outra vez no quintal.. Era um bom dia pra brincar de ser arqueólogo não é mesmo? Era um bom dia..

Escorei a cabeça no banco como quem aceitasse aquela fome toda, estava refém da expectativa do cenário. A claridade revelava-se no fim do túnel pouco a pouco engolindo os flashes, e então finalmente sai:

Nas encostas de uma montanha o dia cruzava a enseada azul, que escondidinha, enamorava o silêncio com as entranhas de minha mente! Poucas coisas vistas deviam ser tão lindas, e pra minha sorte, logo ali entre as árvores havia um posto com uma cafeteria, onde o ônibus parou pra abastecer.

- 20 minutos! Daremos uma pausa, façam oque quiser mas voltem para o ônibus!

Disse feliz o motorista que parecia gostar de estar ali, e bem.. Não era pra menos. Um bom olhar e era visível o encantamento nos olhos de cada um. A natureza era mesmo mágica.

Entrado na cafeteria, notei logo de cara a linda atendente e a garçonete que pareciam irmãs, e combinavam muito bem com aquele cenário rústico. O chão de madeira e as cadeiras duras, lado à vidraça que dava pra enseada, me faziam sentir como estivesse numa casa de praia.

Abri o menu e pedi um café com um sanduíche. O ônibus não iria se demorar, devia pedir coisas rápidas. Enquanto lanchava, notei os olhos de cada um que acompanhava nessa jornada: A menininha ruiva estava feliz e eufórica, pediu um lanche que acompanhava um brinquedo. Seu pai então, parecia tão feliz que poderia dar até as estrelas se a filha pedisse! Ri discretamente e pensei o quanto ela era ingênua, poderia ter oque quisesse aquele momento.. Havia um casal de idosos confortável em seus cafés, a moça que parecia estar viajando à negócios, o motorista.. Apesar das vidas diferentes, todos tinham algo em comum. Todos tinham o brilho nos olhos do momento de estar ali, sentindo a vida, àquele momento; realmente aquele lugar era mágico.

Pouco após terminar o lanche não pude tirar os olhos da garçonete. Alta com a pele macia, branca de cabelos loiros e olhos castanhos profundos, ela fazia parte daquela montanha.. Depois de servir os clientes, ela acomodou-se com a balconista e começaram a cochichar. Tentei ouvir oque diziam, e pelo visto, era o fim de seu expediente.

'Mas era cedo, ainda eram 9:13, porque ela terminara seu trabalho tão cedo? - pensei.'

Curioso, continuei a stalkeando até onde pude, e após ir pra dentro no restaurante e tirar o avental, ela voltou com uma roupa leve e um livro, dobrou um corredor e foi se sentar nos fundos.. Cheguei com a balconista e perguntei aonde era o banheiro, e pra minha sorte, o banheiro ficava na direção que ela foi. Sem tempo, fui confiante rápido de que conseguiria seu número planejando ser o mais breve possível, pois já estava quase em cima da hora. Quando viro ao corredor e me deparo com uma imensa coluna de livros!

Havia uma extensão pra dentro das montanhas tão grande assim? Porque não havia uma placa ou algum aviso que tinha isso? Era imensa! Precisava de escadas para pegar os livros mais altos e um pouco de andas para os mais distantes. Na frente da coluna, haviam cadeiras e mesas de madeiras rústicas como a frente da cafeteria, e em uma delas ela estava lá, sozinha.. Lendo as poesias de Lorde Byron pela capa..

Sem palavras pra descrever esse inesperado, cheguei com ela e perguntei oque um lugar tão lindo como esse fazia ali isolado sem aviso, sem que ninguém percebesse.. Ela sorriu.. E disse:

- Gosto de ver a reação das pessoas quando vêem essa parte da cafeteria quando vão ao banheiro; é um de meus passa-tempos favoritos.

(...)

- Era de meu pai. Ele era um fanático por literatura e gostava muito de artes em geral.. Ele morava na cidade com minha mãe mas o sonho deles era querer ter uma vida calma e tranquila. Em um dia de viagem ele passou por aqui e decidiu que esse era o lugar mais bonito do mundo, e decidiu morar aqui.

Sim, essa é minha casa.. Faz muito tempo.. Moro aqui desde então.

(...) Num inverno que teve ele pegou uma febre muito forte e minha mãe também, eu era muito pequena.. Soube que o tratamento era caro, e como ele não tinha para tratar nós três, ele pagou só pra mim.. Depois de tratada, todos os dias ia visita-los com minha avó em um hospital. Num dos últimos dias notando o quão mal ele estava após não poder ver mais minha mãe, perguntei à ele porque eu, porque ele havia me escolhido.. Ele me disse que a enseada era linda, e me ter foi depois das montanhas, a coisa mais linda que já lhe acontecera, a vida dele podia acabar ali.

Sem reação com a sua história, lembrei-me do ônibus e saí correndo para ver mas, já tinha partido.. Minhas coisas estavam nele! Fiquei sem saber oque fazer.

- Parece que alguém se deu mal! Disse ela com um sorriso irônico atrás de mim.

- Sim, tudo meu estava naquele ônibus.. Minhas roupas, meus livros, um livro que eu estava escrevendo, mas acho que no fim da estação alguem vai achar e guardar por uns dias..

- Você escreve?

- Sim..

- Amo literatura! Sobre oque você escrevia?

Sua beleza era tanta que era difícil encontrar as palavras..

- Bom.. Poesias, contos de romance.. O básico.

- Hum.. Se quiser ficar, pode ficar o tempo que quiser por hoje! A gente fecha aos meio-dia e Annie volta à casa dela mas eu fico aqui! Você pode ver a biblioteca de meu pai!

Fascinado com seu entusiasmo, aceitei de imediato e fui até a imensa coluna escolher um livro. Decidi ir na sessão de seu pai saber mais sobre as montanhas, e ao abrir um de seus livros, encontro uma poesia sobre ela:

'Busquei a ambição mais linda para um homem

E além das montanhas e a enseada azul

Descobri teu amor e o teu amor à que vim à esta vida:

Hoje, sou o mais abençoado dos homens..

Mariana.'

- Mariana!

- Oi, como sabe meu nome?

- Bom, então era você.. Está escrito em um dos livros de seu pai

- Haha, sim.. Ele me amava muito..

Corada, não sabia o quão linda ficava envergonhada; e após uma tarde inteira desbravando a sua beleza, senti que queria continuar ali.

Chegando a noite a fome apertou um pouco.. Mariana vem com um café e uns pães de queijo como se soubesse oque eu queria, e antes de por sobre a mesa escuta os resmungos de minha barriga!

- Sabia que você estava com fome!

Fiquei um pouco envergonhado..

- Ei, seu pai escrevia muito bem.. É uma pena que já tenha ido, queria ouvir os contos de Eruit pessoalmente..

- Sim..

(...)

- Ei, anoite tá caindo, você não gostaria de ver o pôr-do-sol da montanha? É muito lindo..

- Sim!

Me sentia um idiota, não conseguia recusar nada de uma garota tão bela, se ela me pedisse pra morrer aquele dia acho que me atiraria da montanha!

Segurou minha mão e levou-me as pressas às alvas árvores sobre a cafeteria. Em vez de ir pela parte de fora, ela me levou pelos fundos. Por trás do balcão onde ficava a recepcionista, e mais ao fundo, havia um longo quintal que levava à montanha.

Os ventos fortes vindos do mar faziam as árvores dançarem com os frutos, e mais que elas, minha alma por dentro sentindo o seu cheiro me levando com aquilo tudo.

Pouco mais adiante, havia uma árvore maior que as outras que ficava no topo da montanha; nela havia uma casinha de madeira velha no topo, com uma escada no tronco. Confesso que fiquei receoso de cair mas, ela estava tão feliz e eu queria tanto estar ali, que se caísse não me importava..

Entradando na pequena casinha, na frente, ela atravessa o interior da casa, pula a janela e senta numa pequena varanda:

- Vem! Não tenha medo!

O cenário era lindo mas, a queda na encosta tirava toda a atenção..

- Vem..

Ela agarrou minha mão e me puxou até lá. Com medo de que ela caísse, fui sem fazer esforço e me sentei, e com um pouco de atenção pude vislumbrar um cenário único:

O sol cruzava o dia e beijava a oceano, e as margens cantavam nas rochas aquele momento dos dois. As árvores invejosas, pareciam cochichar querendo estar ali, e as nuvens por mais belas que fossem, ofuscavam-se embasbacadas por tudo aquilo. Mas mais que o sol e o oceano, o semblante de mariana àquele momento era algo pra além de tudo..

(...)

- Sabe?

- Tenho morado só aqui desde então..

- Meu pai e minha mãe se foram, meus avós moram longe e tem a sua vida no lugar deles, então.. Eu não podia deixar assim a vida com meus pais..

- Esse lugar é a minha infância, é a minha história.. Eu não queria vender ou abandonar! Então abri essa cafeteria..

- Chamei minha amiga Annie pra me ajudar a trabalhar e até hoje ela esta aqui mas..

- Sabe? (...) As manhãs são muito boas..

- Fico conversando com ela, mas quando ela vai embora me sinto tão só..

Mariana começou a chorar.. As águas cantavam às rochas, a noite inclinana-se cada vez mais, o sol e tudo parecia esperar minha resposta.

Sem pensar, segurei sua mão e abracei-a, limpei suas lágrimas e ali tudo aconteceu, como o sol e o mar se encontrando.. Dormi naquela casinha aquela noite, e sem perceber naquela montanha por todas as outras. Depois que acordei no meio da noite e vi a lua e ela.. Entendi pra que vivi a vida. Nem me importava mais a viagem, meu passado ou o futuro ou.. Que fim levou minhas bagagens, o livro que eu estava escrevendo.. Eu estava vivendo a poesia mais bela.