Meu primeiro juramento para ti

Gostaria de falar o quanto a conhecer me fez bem, contudo, seria parcialmente uma mentira. Eu vivia mais no chão, era séria, determinada, tinha sonhos dos mais egoístas e fazia o que eu tinha vontade. Depois, comecei a me sentir vazia e sem propósitos quando ela está longe, mas quando a gente está junta, eu sou um ser humano totalmente mudado.

Foi naquele dia que tudo tinha que mudar.

Cidade um caos por culpa de intermináveis enchentes. Ninguém conseguiu chegar em casa com facilidade naquela sexta. Tinha ficado sentada uma eternidade dentro de um ônibus lotado quase me metarmorformizando em uma sardinha em conserva junto com os outros passageiros que praguejavam os céus pela perda de seus preciosos tempos. A bateria do meu celular já havia se esgotado. Aquele ambiente aos poucos me dava náuseas.

Quando percebi que fumei todo os pacotes de cigarro que havia a mãos e minha paciência para os outros não iria durar mais de 5 minutos, resolvi saltar e ir andando para casa em um dos poucos momentos em que a chuva parou.

Só caia gotículas finas do céu que serviam como alívio para as pessoas durante as tempestades daquela semana. O ar livre fez com que me sentisse melhor.

Segui pela calçada na parte onde as prostitutas ficavam para não se molhar. Nossas roupas faziam um contraste gritante, pois enquanto elas usavam roupas curtas, coloridas e escandalosas acompanhadas de pentiados e maquiagens chamativas, eu usava uma calça jeans, uma blusa de manga preta, casaco marrom e meus tênis. Sem comentários para os meus cabelos soltos e meu rosto limpo.

Não era um dos meus melhores dias.

Elas nem me enxergaram, já que se encontravam ocupadas em chamar atenção dos carros para conseguir algum cliente, e deste modo me senti mais confortável para andar devagar. Aproveitando a liberdade.

Estava a muitas quadras do meu apartamento e a fome apertava. Tarde naquela hora, nenhum estabelecimento onde eu normalmente vou estaria aberto. Continuei a busca por comida ou um pacote de cigarros. Sendo o que eu achasse primeiro, era lucro.

Avistei do outro lado da rua uma lanchonete, daqueles que gente rica vai comer pão com mortadela com nome francês por 30 reais e debater quando vai ser a próxima viagem para a Europa. Engolindo a última parte do meu corpo que não queria ir comer por culpa do preço que estava cinco vezes mais caro por conta da chuva e da quantidade de pessoas dentro, entrei pela porta.

O lugar estava lotado, mas pelo menos ninguém gritava com o motorista, e o cheiro de pão me fez procurar a primeira mesa vaga. Infelizmente, o mais perto disso que eu achei foi uma mesa no canto, de dois lugares em que só tinha ela sentada.

Cheguei animada perto enquanto ela desenhava focada em um guardanapo qualquer e perguntei:

- Oi! Boa Noite! Posso sentar contigo?

Olhou para mim assustada, como se tivesse visto um fantasma. Observou atentamente as outras mesas e se vendo sem opção, concordou com a cabeça.

- Muito obrigada! - agradeci sorrindo. Ela é normalmente linda, então nem preciso comentar como era as roupas dela. Só que elas combinavam perfeitamente com seus cabelos pretos cacheados, sua pele branca e seu jeito tímido.

Meu primeiro pensamento enquanto eu sentava na mesa era de como eu tinha dado sorte. Ela se encolheu na mesa e colocou os seus pertences em um único canto.

Observei o cardápio e ela me observava. Eu ter feito curso de psicologia me incentivou a criar o hábito de tentar ficar advinhando o que as pessoas pensavam, porém ela era/é um mistério para mim até os dias de hoje.

Pedi o item mais barato do cardápio e uma coca.

A minha futura musa conteu a risada do jeito no qual eu pedi a comida. Naquele momento, eu senti meu cérebro quebrar no meio. Que coisa fofa, linda, sexy, ahhhhhhhhhh, tantos adjetivos.

Até a comida chegar, conectei o celular na tomada mais próxima e tentava ligar para o meu pai.

Eu já estava a tanto tempo sem um cigarro, que virei para o meu futuro amor e perguntei:

- Você fuma por acaso?- meu tom de voz foi um tanto quanto grosso.

Ela respondeu não com a cabeça. Percebendo o quão imbecil eu tinha sido, tentei consertar as coisas:

- Desculpa, é que eu sou fumante. Muito tempo sem fumar me deixa meio...- completei a frase girando o dedo em volta da orelha e fazendo careta indicando insanidade. Queria que ela ao menos sorrisse. Sua expressão era firme.

- Sem problemas.- sua voz soava maravilhosamente bem. Pegou mais um guardanapo e continuava a fazer os rabiscos mais lindos que eu já tinha visto.

- Você só desenha quando tá em um local com desconhecidos ou o que? - perguntei irônica, tentando puxar assunto.

Ela deu os ombros. Minha comida chegou.

O garçom serviu tudo com um olhar de quem preferia me ver nua. Revirei os olhos. Algumas pessoas não vem com um alerta mental de quando são inconvenientes.

Abri a coca e tomei um gole bem devagar. Tinha mais uma vez falhado em contactar meu pai e a minha preocupação só aumentava.

- Quer um pouco? – ofereci.

Ela recusou com a cabeça, mas era bem óbvio que só fez isso por educação. Sua vergonha não a permitia aceitar.

-Não vai querer mesmo?- insisti.

Ela me olhava como um cachorrinho que caiu da mudança. Apontei o sanduíche em sua direção. Eu não entendia o porquê de estar oferencendo comida para ela, eu não faço isso nem com meu irmão, mas algo me encantou nela. Eu realmente estava a muito tempo sem beber, fumar ou a fazer coisas que a censura não me permite comentar.

-Toma logo.- perdi a paciência. Cortei um pedaço do pão com a mão e a entreguei. Porém, apesar desse meio jeito grosso ela aceitou rapidamente e logo mordeu o pedaço.

-Obrigada.- me agradeceu sem jeito. Sua voz ficou mais suave.

Enquanto eu comia como se aquilo fosse minha última refeição, dividi a lata de coca entre nós duas. Mais uma vez, o único agradecimento que recebi foi um aceno com a cabeça, sentia que não seria a última.

Verfiquei meu celular. Havia uma mensagem do meu pai avisando que estava bem e o sinal onde ele estava era horrível. Minha cara de alívio devia estar tão evidente que sua expressão calma se tornou um tanto quanto curiosa.

Comecei a observar com calma o ambiente. Lotado de pessoas que não possuiam esperança de voltar tão cedo para suas casas conversando, rindo e comendo. A chuva retornou com tudo e o som das trovoadas ecoavam no ambiente. Seria um local que eu retornaria, se não fosse escandalosamente caro.

- Você conhece o Alex? – ela me perguntou, me obrigando a sair dos meus devaneios.

- Eu conheço muitos Alex’s... – respondi, irônica. Não lembrava de nenhum Alex em específico.

Encarava-me séria. Cerrava os olhos para me analizar mais atentamente.

-Seu nome não é Gabrielle?- perguntou mais séria. Concordei com a cabeça enquanto me perguntava como ela sabia o meu nome. – Sabia que te conhecia de lá! Na moral, tenho que matar ele!

- Lá onde e matar quem? – perguntei rindo mas eu realmente estava curiosa.

- Festa na piscina do Alex. Você deu pt. Semana passada.

Essas frases soltas não me poderiam ser tão familiares, mas eu ainda não havia reconhecido, provavelmente, já nao estava mais em mim quando ela me avistou.

Isso realmente parecia verídico.

Alex era o amigo de uma amiga minha. Talvez, eu estava lá de penetra e ainda estraguei a festa. Acordei em um hospital. Coisas da vida.

- Eu sou profissional em dar primeiras impressões incríveis. - Terminei de beber a coca. Ela fez uma expressão que concordava com a irônia da frase, algo do tipo revirar os olhos e fazer bico com a boca. Só ela sabe fazer essa expressão. - Bom, você sabe o meu nome, mas eu não sei o seu...

- Barbara. – nome da pessoa que iria mudar tudo. Tenho que admitir, que nome lindo.

- Ok, Barbara, da onde você conhece o Alex?

- Meu irmão adotivo. – ela ainda estava desconfortável.

O assunto se esgotou por aí. Eu com uma vergonha tremenda dela já ter me visto louca acabando com a festa do irmão adotivo dela e ela desconfortável dívidindo uma mesa com uma desconhecida.

Pedi a conta. Queria me enfiar no lugar mais distante da face da Terra. O garçom me dando cantadas não auxiliava na minha situação e a conta foi cara de mais. Arrumei minhas coisas até que ela virou para mim e falou:

- Espero que você vá na outra festa. – voz tímida, até tremeu um pouco. Eu nem sabia de outra festa, mas eu iria. Sem sombra de dúvida. Porém, apenas acenei com a cabeça.

Saímos juntas. Conversamos qualquer besteira pelo caminho, aproveitando que a vergonha e o desconforto havia passado. Descobri que ela mora no prédio em frente e trabalha fazendo desenhos.

Depois disso, me lembro de ter ido dormir jurando que iria dar-lhe uma impressão melhor que aquela.

Pior e melhor juramento da minha vida. Ele me obrigou a mudar.

Vale a pena mudar por coisas boas.

Por: Isabelle Guimarães

Data: 15/01/2018

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