Para Sempre - A Escolha (Capítulo 5 - LAR DOCE LAR)

Janeiro de 2013

A mala está pronta. Antes de puxar o zíper, me certifico de que tudo está no seu devido lugar. Minhas roupas, meu videogame, meus gibis do Superman, meus materiais escolares e, não menos importantes, meus tesouros preciosos.

Quando termino de fazer as malas, vou para a cozinha arranjar algo para comer, já que não como nada desde o café da manhã. Minha barriga está roncando demais, parece mais um trovão. Dou uma olhada na geladeira e pego um chips, sem me importar se vou passar mal. Me sento no sofá e, involuntariamente, começo a refletir sobre a nova vida que me espera. Não sei se para melhor ou pior, mas com certeza as coisas irão mudar.

Depois de muito refletir, chego à conclusão de que onde estou não é o meu lugar. Decido que o melhor para mim é deixar a vida me levar para onde ela quiser e esperar para ver até onde vou chegar. Pressinto nuvens sombrias no horizonte, mas imagino superá-las.

Horas depois, estamos prontos para embarcar. Nos levantamos às seis da manhã depois de uma breve noite de sono e tomamos café. Antes das seis e meia já estamos prontos para ir. Compramos água para a viagem e tomamos nossos assentos. Dez minutos depois, atravessamos os ares do Paraná e, em menos de quarenta e cinco minutos, estamos aterrissando no Aeroporto Internacional de Guarulhos.

Saímos do avião e seguimos em direção ao aeroporto. Há gente correndo loucamente em direção à imigração, de diferentes salas de desembarque. Quando chegamos na imigração há uma fila absurda, que dá seis voltas longas. Começo a achar que deve ter uns quatro aviões de gente aqui.

A fila demora uns 40 minutos. Por fim, nossos passaportes são carimbados e, quando chega a hora de ir, quase dou pulos de alegria. Meu nervosismo diminui quando consigo ver a paisagem do lado de fora. Uma camada fina de nuvens dá ao céu um aspecto leitoso. O sol transpassa sua incandescência entre as nuvens, projetando uma luz dourada sobre os prédios modernos que se erguem imponentes acima das ruas. Um calor brando paira no ambiente em que estamos. Um calor que faz desaparecer todos os pensamentos inúteis. Uma sensação inesquecível.

Pegamos um táxi (todos são Mercedes, com teto solar) e seguimos rumo ao nosso destino final: Vila Mariana. De repente, começo a ouvir vozes seguidas de zumbidos e percebo que o taxista ligou o rádio. Ouço uma voz forte masculina e, ao fundo, vozes extasiadas protestando ao som de vuvuzelas. O taxista, de imediato, começa a puxar assunto de uma forma muito simpática. Um senhor, talvez perto dos setenta anos, bastante ágil na conversa e com um forte sotaque lusitano carregado:

– Êss tim me deixa com os nervs à flor da pél. Imagin que já stávams a atacaire e agora els estão com um scanteio atrás doutr. Ess dfesa não vai aguentáire ("Esse time me deixa com os nervos à flor da pele. Imagine que estávamos a atacar e agora eles estão com um escanteio atrás do outro. Essa defesa não vai aguentar").

Começo a rir. Fica claro que se trata de um daqueles torcedores fanáticos, represado ali pela hora do trabalho, mas profundamente apaixonado. O jeito calmo de dirigir contrasta com seu nervosismo ao ouvir a atuação do time em campo. Olhando mais atentamente para o motorista, não consigo evitar rir mais alto: o homem tem orelhas grandes, típicas dos senhores de idade – meu pai, que faleceu tão jovem, tinha medo de, ao ficar velhinho, as orelhas crescerem demais.

Quarenta minutos se arrastam. O tempo permanece imutável – folha alguma se mexe – e a estrada, calma, com poucos carros passando. Já saímos da autoestrada, e agora estamos entrando no Largo Senador Raul Cardoso. O lugar é lindo. As ruas são arborizadas, os endereços são pertinentes com os nomes escolhidos, as casas são altas, de tijolos vermelhos, com portões brancos, venezianas de vidro, jardins lindamente enfeitados por rosas e ficam muito próximas umas das outras. Imagino que este seja o tipo de lugar com o qual meus pais sempre sonharam em viver.

Quando o taxi enfim pára, Érica abre a porta do carona e põe a mala na calçada. Ainda dentro do carro, noto que estamos diante de uma enorme casa branca de alto padrão, com um jardim exuberante na frente e um caminho de cascalho que leva até a porta de entrada. A área externa é sustentada por três colunas de gesso e há trepadeiras descendo pelas paredes. As janelas, cujas persianas de madeira se mantém hermeticamente fechadas, ficam quase totalmente escondidas por um muro verde vivo. O jardim é coberto por grama e arbustos com flores dos mais variados tipos. Rosas, orquídeas, gardênias, cravos e copos-de-leite. É um lugar com a cara da minha mãe.

Agradeço ao taxista pela corrida, pelas palavras e pergunto seu nome. Chama-se Jorge. Seu Jorge do táxi. Diz que nunca esteve tão à vontade com dois desconhecidos que vêm de outra cidade e que foi um prazer enorme nos trazer até nossa casa. Então nos despedimos. O Mercedes segue zunindo e então desaparece ao virar da esquina.

***

A casa é amplamente espaçosa, muito mais do que pensei. Porém está toda suja e desorganizada. Os móveis estão cobertos com panos encardidos, que com certeza (num passado muito distante) foram brancos; as poltronas estão cobertas de poeira. Mas, fora isso, tudo está muito bom.

Antes de descarregar a bagagem, damos uma arrumada no ambiente. Com uma vassoura e um espanador, circulamos pela casa tirando a poeira e as teias de aranha ao longo das paredes. Duas horas depois, a casa está um brinco. Varrida, espanada, esfregada, encerada e polida. Érica diz que nunca ficou tão satisfeita com um trabalho, e que só falta uma coisa para o momento ficar perfeito: pedir uma pizza.

O manto negro da noite chega serenamente, com estrelas tímidas que vão aos poucos ficando mais extravagantes e surgindo no céu. A lua cheia brilha, linda e imponente, entre nuvens salpicadas no horizonte noturno. Estamos sentados na área externa, saboreando uma pizza de calabresa e vislumbrando a rua à frente toda iluminada pelas luzes e pela lua, os carros entrando e saindo, as casas ao redor, algumas com suas luzes acesas e seus habitantes sentados em cadeiras de balanço do lado de fora. Não se vê nenhuma pichação nos arredores. Tudo aqui é diferente.

Devoro rapidamente minha fatia de pizza e continuo olhando ao redor. Vejo um gato caminhando pelas pontas de uma cerca. Presto atenção em algumas mulheres bonitas que passam. Ouço todos os gritos e barulhos de crianças nas ruas, os ruídos dos grilos e o burburinho profundo e fervilhante das pessoas, despertando em mim um desejo imensurável de sair para as ruas. Observo as árvores, cujas folhas verdes e delicadas se movem levemente ao vento, lançando mil sombras na grama.

Esta é a minha ideia de uma noite perfeita, mas não estou tão certo quanto a Érica. Ela está habituada ao frenético ritmo de vida no Rio, e pergunto-me quando ela vai se cansar da novidade.

Porém, à medida que o tempo passa, vamos nos adaptando e descartando a hipótese de que não seremos bem recebidos neste bairro charmoso e deslumbrante. Érica é uma pessoa muito comunicativa e logo faz amizades com os novos vizinhos. Graças a uma amiga que é dona de uma agência de viagens, ela consegue o emprego de secretária, e, graças ao seu novo meio de transporte, vai e vem sem nenhuma preocupação ou desconforto. Bem, quando o trânsito coopera.

E, graças às minhas novas amizades, tenho um programa marcado em quase todos os dias da semana. Nas segundas, nas terças e nas sextas, fazemos academia. Nos sábados e domingos, temos treino de futebol. E nos demais dias em que não temos nada para fazer, passeamos juntos, andamos de bike pela cidade, vamos ao cinema ou ao teatro, e todas as vezes nosso percurso nos leva à praça principal, onde um grupo de garotas se reúne todas as noites.

Falamos de muitas coisas. Rimos bastante e também conversamos sobre anseios e angústias pessoais. Na companhia deles, sinto confiança suficiente para falar o que durante muito tempo ficou guardado dentro de mim. A timidez já não é mais um problema. As palavras fluem da minha boca sem medo nem preocupação.

– Durante muito tempo fiquei isolado numa espécie de prisão. Em outras palavras, proibia a mim mesmo de viver. Quando meu pai morreu, me desconectei do mundo. O que para mim valia mais do que o ouro, passou a não ter importância. Eu não queria seguir em frente. Não queria fazer nada. Parei de estudar. Abandonei meus amigos. Esqueci até que tinha uma mãe lutando por mim. Mas, um dia, tudo mudou. Coisas aconteceram e me fizeram ver que eu estava cometendo um grave erro. E, no final, tudo voltou à sua normalidade.

– Você já teve uma namorada?

– Só uma. Uma garota que conheci em Londrina. O nome dela é Mônica. Tivemos um breve relacionamento. Se é que posso chamar o que tivemos de relacionamento.

– Por quê?

– Mônica é uma pessoa muito fechada. E, na época em que estivemos juntos, eu tinha acabado de passar por um transtorno. A morte do meu pai. Então estávamos insatisfeitos com o rumo que nossa vida havia tomado e decidimos terminar.

– E desde então nunca mais se apaixonou?

– Bem... não.

Sei melhor do que ninguém que isso não é verdade. Em parte, meu relacionamento com Mônica não durou muito por causa das muitas brigas e diferenças, mas falta um detalhe que eu nunca revelei a ninguém, nem mesmo para Miguel. Esse detalhe tem nome e sobrenome: Hannah Anderson. Meu primeiro amor. Alguém que conviveu comigo durante quase toda a minha infância e, assim como Miguel, desapareceu misteriosamente.

Antes de conhecê-la, minha resposta para aquela famosa pergunta “você acredita em amor à primeira vista?” era sempre “não”. Mas como explicar o que se passou comigo no dia em que a vi pela primeira vez? Como explicar o fato de não conseguir pensar em mais ninguém além dela? E o fato de ficar enfeitiçado de tal maneira que até hoje não sei ao certo como ou por que isso aconteceu?

Foi o que aconteceu. Me apaixonei perdidamente pela garota que esperava os pais todos os dias na porta da escola. Esse amor ultrapassou os anos, e permanece vivo até então. E até hoje, me pergunto o que eu devo fazer acerca disso. Esquecê-la? É uma boa alternativa, já que não faço a mínima ideia de como encontrá-la. Tentar encontrá-la? Como? Ela não deixou vestígios, simplesmente sumiu...

Certa vez ouvi dizer que a vida é a arte do reencontro... então, irei esperar um dia reencontrá-la...

CONTINUA>>>

Alan Rodrigo
Enviado por Alan Rodrigo em 30/01/2018
Reeditado em 01/02/2018
Código do texto: T6240921
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