Para Sempre - A Escolha (Capítulo 6 - CROSSFIELD)

Março chega depressa, e junto com ele o fim das férias escolares, a volta às aulas para as crianças e à rotina para grande parte das famílias. Acordado pelos primeiros raios de sol, me espreguiço e olho para o relógio. São quase seis. É hora de sair da cama e me arrumar. Jogo as cobertas longe e me sento, o macio tapete verde acariciando docemente a sola dos pés.

Cinco minutos depois, desço para o café, vestindo o uniforme escolar – um elegante paletó azul e calças cinzas –, o qual se encaixa perfeitamente em meu corpo. Enquanto tomo café em silêncio, imagino o lugar para onde estou indo. Não sei nada a respeito desse tal internato, exceto o nome. Crossfield. O nome mais estranho que já ouvi. Quando procurei no Google, obtive muitos resultados (Town of Crossfield; Crossfield and Discrict Community Center; Crossfield Municipal Library…), mas nenhum que me satisfizesse.

Seguimos de carro pela estrada principal até entrarmos em um labirintos de ruas bonitas, arborizadas, que parecem ficar a um mundo de distância do centro da cidade. Viramos uma esquina e, de acordo com a placa, entramos na Rua dos Antiquários, onde as construções são mais baixas e os muros não estão forrados por anúncios. A avenida de duas pistas é dividida por um canteiro estreito de grama. Nos espaços entre as pedras que calçam a rua, uma rala gramínea sobrevive ao trânsito de pés apressados e nervosos.

– Chegamos, Adrian.

Olho pelo para-brisa. Um ostentoso prédio de três andares se ergue na extremidade de cima, cercado por um muro de concreto e aço com cerca de três metros de altura e outras construções menores se erguendo ao redor. Um enorme portão de aço está aberto, e um grande fluxo de estudantes está a atravessá-lo, seguindo pelo largo caminho de cascalho através de um jardim bem cuidado em direção ao portão de entrada.

Do lado de fora o lugar é muito bonito. Há um quadrângulo – um pátio com arcos, um gramado simples e um espaço de circulação que permite o acesso interno a todos os edifícios – e, perto dele, dois prédios de três andares, um à direita e outro à esquerda, os quais imagino que sejam os dormitórios. Um tem a fachada toda azul, e o outro, toda rosa, como que para diferenciar o masculino do feminino. Não é muito original, mas é adequado. Bandeiras estaduais e municipais pendem das paredes. Colunas montadas sobre bases de madeira são revestidas de cobre com capitéis de prata. Há um teatro, um prédio de ciências e uma biblioteca do tamanho de um celeiro, de dois andares.

– Então este é o Internato Crossfield?

– É.

– Nunca imaginei que fosse assim tão... grande.

– Tem uma coisa que não te contei. Seu pai já estudou aqui.

– Sério?

– Sim. Foi aqui que ele se formou. Depois foi estudar Engenharia Mecânica na Universidade de Buenos Aires, onde morou por nove anos.

– É isso o que ele queria, não é? Que eu me formasse aqui.

– Esse era o grande sonho dele. E não só dele. Crossfield é um dos colégios mais renomados da região. Os que entram por aquela porta saem daqui triunfantes. Foi por isso que te matriculei aqui.

– Confesso que nunca senti tanto medo na minha vida.

– Pois então chegou a hora de vencer esse medo e mudar de atitude. Arrisca. Vai, viva essa aventura. Você, meu amor, pode mais do que imagina. Basta acreditar nisso e deixar acontecer.

À princípio, fico sem palavras. Mas então percebo que ela tem toda razão. Por que não tentar? Por que ter medo? Se Érica tem tanta certeza de que meu futuro começa aqui, que razões eu tenho para duvidar?

– Obrigado, mãe.

– Não há de quê, meu amor.

Antes de dar meia volta e ir embora, ela beija a minha testa e sussurra:

– Boa sorte. Nos vemos em breve.

Ela vai para o carro e abre a porta. Antes de entrar, olha para trás e acena. Aceno de volta e, depois, me viro para o enorme edifício que parece se agigantar diante de mim.

– Ok. Vamos lá. Seja o que Deus quiser.

Cruzo o enorme portão de aço e sigo pelo longo caminho de cascalho em direção ao portão principal. Olho em volta e fico encantado. A grama é baixa e perfeitamente cortada – embora eu tenha certeza de que ninguém se preocupa com isso –, há flores de todas as cores e formatos pelo chão, e também muitas árvores frondosas que oferecem sombra fresca em diversas áreas, todas com aspecto saudável e encantador.

Avanço para o interior. Um enorme corredor se estende à minha frente até uma entrada em forma de arco. As paredes são abarrotadas de armários cinzas, e em meio à seção de armários há algumas portas com números impressos em cada uma delas. Imagino que sejam as salas de aula. Alguns jovens ocupam o corredor, conversando, mexendo em seus armários ou indo para o jardim. Um zelador empurra um esfregão pelo longo caminho de cerâmica entre os portões. Tem estatura mediana, testa alta e bigode fora de moda. A camisa azul dentro das calças realça de modo pronunciado a barriga.

No final do corredor há dois lances de escadas que levam a um gigantesco salão onde as paredes são brancas e ornamentadas com grandes tapeçarias douradas, e cujo piso, todo quadriculado em preto e branco, lembra um grande tabuleiro de xadrez. Há dezenas de colunas brancas entalhadas em ouro. Um enorme lustre de cristal, semelhante a um conjunto de estalactites, pende do teto de gesso com arabescos dourados. Quatro pilares revestidos de um reboco a base de cal brotam do chão em lugares distintos e sobem até onde finalmente se tocam. É realmente magnifico.

O lugar está abarrotado de alunos de séries diferentes em grupos de três ou quatro, conversando entre si. Vários metros adiante, no extremo do salão, há uma escadaria de mármore branco que dá acesso ao andar superior. Avançando um pouco mais, vejo dois jovens conversando ao pé da escada, em meio aos que sobem e descem. Um deles, um garoto com um topete loiro, olhos azuis e nariz delgado chama minha atenção. Parece estranhamente familiar, como se eu já tivesse visto esses olhos azuis em algum lugar, esse rosto sorridente...

Não pode ser, digo num sussurro. Estou ficando maluco. Sacudo a cabeça, esfrego os olhos e olho de novo. Percebo então que não é fruto da minha imaginação. Ele está mesmo lá.

É Miguel.

CONTINUA>>>

Alan Rodrigo
Enviado por Alan Rodrigo em 01/02/2018
Código do texto: T6242694
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