O Universo de Olívia - Pássaro

Eu nunca soube realmente como lidar com ela. Seus gostos, suas atitudes, seus desejos, tudo foi sempre um mistério para mim. Aprendi a viver com isso a partir do momento em que nos tornamos mais próximos. Chega uma parte que o improviso não se torna um empecilho na vida de alguém, e sim uma simplicidade.

Conheci-a nos corredores da primeira escola que frequentei. Ela tentava alcançar um livro no alto da estante enquanto segurava seu peculiar animal de pelúcia. Não consegui adivinhar qual era a espécie da criatura que estava em uma de suas mãos. Havia um bico de ganso nela, um corpo de coelho e uma cauda de castor, mas ela não parecia se importar em segurar próximo ao peito. Parecia uma espécie de guardião ou algo do gênero.

Aquele ser estranho que ela carregava para todo lugar foi um dos contribuintes para minha curiosidade sobre aquela garota singular. Ela não era como as outras. Seu interesse era concentrado em poucas coisas, como sua pelúcia ou o livro de capa vermelha que ela havia pegado na estante. Para ela te perceber, era como se você precisasse ser especial o suficiente para merecer sua atenção, mas tenho certeza que não era isso que ela queria passar.

Muitas vezes, ela não respondia quando era chamada pelos outros. De vez em quando, era necessário cutucá-la para obter sua atenção que, geralmente, estava voltada para sua criatura aveludada, o seu livro ou seus cabelos que eram tão avermelhados quanto a capa daquele conto de fadas. Por causa disso, muitas das crianças zombavam dela ou a evitavam, mas ela não parecia se importar.

No início, eu tive medo. Tive receio de me aproximar dela e não ser merecedor de sua atenção. Contudo, suas poucas palavras e seu jeito de olhar para as coisas trouxeram uma sensação de curiosidade que, aos poucos, foi me levando para um lugar nunca antes explorado pelo ser humano. Ao menos, por este ser humano.

Em um momento, não pude me conter e me aproximei dela. Fiquei parado em frente à sua mesa, observando-a enquanto ela continuava lendo aquele livro. Pude reparar seus olhos atentos e a forma lenta com que eles se moviam, enquanto ela passava a mão sobre a figura de um pássaro desenhado em uma das páginas. Naquele instante, era como se apenas nós dois existíssemos. Era como se o mundo tivesse sido comprimido em duas pequenas crianças.

- O que você acha? – Ela perguntou, enquanto estendia os braços com o livro nas mãos, mostrando-me o desenho daquele pássaro que ela apreciava segundos atrás.

- E-eu... acho bonito – Respondi com certa insegurança na voz.

- O que mais? – Ela perguntou outra vez.

- É dourado com penas meio azuladas.

- O que mais? – Mais uma vez ela perguntou, como se eu estivesse esquecendo de algum detalhe importante.

- Eu não sei... É feliz? – Dei minha última resposta, com a mesma insegurança na voz.

- Certo... – Naquele momento, ela colocou o livro em sua mesa e continuou folheando, como se nada tivesse acontecido, como se nossa conversa nunca tivesse acontecido.

- M-Meu nome é Ned – Falei aquelas palavras como se fossem a única coisa que conseguia sair da minha boca – E o seu?

- Olivia – Ela respondeu como se eu não estivesse ali, com os olhos grudados nas imagens daquele livro.

No nosso primeiro contato, eu não entendi o que tinha sido aquilo. Na verdade, eu nunca soube realmente como lidar com ela, mas de uma coisa eu sabia: aquela foi a minha primeira experiência no Universo de Olivia.