A moça mais linda do circo

O palhaço anunciava pela rua a chegada do circo. A meninada o seguia. O palhaço gritava: Hoje tem goiabada? Todos respondiam: Tem sim sinhô. Hoje tem marmelada? Tem sim sinhô. E o palhaço o que é? É ladrão de mulher.

No meu tempo de menino, a chegada de um circo na cidade enchia os corações das crianças. Tanto que, quando o circo ia embora, todos os meninos sonhavam em ser palhaços ou trapezistas. Para aumentar nossa alegria, meu pai era convidado para tocar no circo. Tínhamos entrada franca. À noite, com sua clarineta ele animava o espetáculo, exibindo seu repertório predileto. Eu não perdia nada. Ria do palhaço que participava de tudo com um terno desengonçado, gravata gigante e chapéu minúsculo. Eu vibrava também com as acrobacias dos trapezistas.

Depois, infância se desfez em adolescência e vieram muitas descobertas e mudanças. Mudou o nosso comportamento, o humor e a aparência física. Não tinham mais graça as piadas dos palhaços e não mais nos atraiam as acrobacias dos trapezistas. Íamos ao circo para ver as moças bonitas, de coxas grossas, com seus maiôs curtos e prateados que dançavam e rebolavam no picadeiro. Elas eram encantadoras e ficávamos deslumbrados. Mulheres como aquelas, em carne e osso, nunca tínhamos visto. Só em fotografias, como as das misses que apare-ciam na revista “O Cruzeiro” e que que nossa tia avó, ao proibir que víssemos, bradava que o mundo estava perdido e que aquela semvergonhice era coisa do diabo.

Um dia, chegou à nossa cidade um grande circo. Trazia muitas moças bonitas. A noite, o espetáculo começou com elas entrando no picadeiro, cantando e dançando. Das seis moças uma era a mais bonita. Morena, bonita de corpo, fogosa. Seus cabelos pretos, longos e sedosos ondulavam e balançavam enquanto ela rebolava. De boca aberta eu a segui com os olhos e não me atentei mais para as outras. Desde de então, não parei mais de olhar para ela. Aquela moça me encheu os olhos e os sonhos. Os pensamentos me corroeram como uma ferrugem consome o ferro. Naquela noite pouco dormi pensando nela. Minhas noites ficaram intensamente longas. Sonhei muitas vezes com ela aparecendo linda no meu quarto, dentro de seu maiô prateado, dançando e cantando para mim, entre as quatro paredes. Apaixonado, eu encenava uma conversa com ela. E passava boa parte do tempo planejando, fantasiando como seria aquele momento. Mas, toda as vezes que eu a via no circo, o acanhamento tomava conta de mim e eu nem me aproximava dela.

Numa noite, cheio de coragem decidi procurá-la. Mas, tive uma enorme decepção. Minhas ilusões morreram, quando, antes de começar o espetáculo, o dono do circo apareceu e disse que aquela seria a última apresentação deles em nossa cidade. Iriam embora no dia seguinte. Voltei para casa descontente e triste, culpando a minha covardia.

Durante os meses que se seguiram ainda pensei nela. A imagem da moça mais linda do circo ocupou plenamente o meu espirito por mais algum tempo. Depois, foi pouco a pouco se desvanecendo até sair de minha cabeça. De tudo isto, ficou apenas a lembrança de uma atração absurda, e ridícula, pois, nem o seu nome eu sabia.