Corra para mim

Oh, eu acredito em todas as coisas que você me diz. O que virá será melhor do que já foi antes.

E seria melhor você vindo, vindo, vindo vindo pra mim... (I found a reason - Cat Power).

Os dias estão ficando frios. A casa está se enchendo de formigas, os relatos se acumulando. Li novamente um livro de Martha Medeiros, Cat Power dia nas minhas memórias. Algo está além de nós dois.

É uma distância enorme entre a Urca e Marechal. Mas tudo o que eu consigo pensar é em cruzar com você entre espaços que sequer os dias nós deixam cruzar. Penso na saudade, e imagino você fazendo como no seu aniversário, tomando um carro e vindo parar na minha porta. O que você não sabe, é que o tempo que você levou para chegar na minha, eu corri quatro bairros para te arrumar um bolo. Tive que implorar e pagar o valor três vezes mais, e nem por um segundo eu me importei. Você chegou, surpreso me viu ascender as velas frágeis, e me ouvia cantar canções te parabenizando pelo seu dia.

Lembro que no fim de semana próximo te fiz uma festa surpresa, quando você ainda tentava ser vegetariano. Convidei as pessoas que sabiam da nossa existência. Você se escondeu em um canto, fazia expressões bobas, e eu me sentia amado.

Lembro de quando você se envolvia em mim, e eu te cantava as canções do novo repertório de Fernanda Takai, pois pareciam que todas aquelas músicas haviam sido escritas especialmente para nós.

Lembro das brigas e reconciliações. Lembro da nossa primeira vez no banheiro do meu escritório, porque não aguentamos esperar mais nenhum segundo para sermos um. Lembro das promessas que se tornaram reais, e das que não se tornaram por falta de tempo, ou planejamento.

Outro dia saí no meio da aula do curso, não aguentando segurar as lágrimas, pois lembrei quando te buscava no fim das suas aulas, e andávamos de mãos dadas pelo Méier, sem nos importarmos com os olhares, com os aplausos. Eu te puxava contra mim, beijava sua testa, suas mãos, te beijava.

Lembro de quando eu já não aguentava mais me despedir de você, e nós nos abraçamos na estação São Cristóvão, esperando o último trem passar para te levar para longe de mim. Você chorava, é uma pessoa parou para pedir informação, outra logo veio achando que estávamos sendo ameaçados. Lembro de quando concordei em passar uma semana com você em Vargem Grande, porque seu primo havia casado, estava de lua de mel, e precisava que alguém cuidasse do gato dele. O que você não sabia, era que era a minha primeira vez na praia do Secreto. E que eu nem me importava em acordar às quatro e meia da manhã para chegar no centro e ir trabalhar. Lembro do nosso primeiro yakisoba improvisado no microondas do seu primo, da nossa tentava de sexualizar na sauna do condomínio, das madrugadas entre a Praça da Bandeira e a Urca, da conta milionária da batata frita em Marechal Hermes só para te ver mais dois segundos. Lembro de quantas vezes eu perdi o trem, de quantas vezes lutei com assaltantes, e você nem sabe, porque eu tinha medo de você não querer me deixar te ver tão tarde da noite. Do dia que dormimos na casa da Cássia, e fizemos, muito desajeitadamente, o nosso primeiro sexo bêbados. Nunca te contei que nesse dia eu acordei com um buraco enorme no estômago por não te ver quando abri os olhos. Do nosso sonho de entrar em um consenso de onde iríamos morar. Lembro de quando eu dizia "eu amo você", e como eu me sentia infinitamente verdadeiro. E que essa colocação das palavras me parecia ser a expressão mais certa do mundo. Lembro da primeira vez que disse te amar, era tudo o que eu sentia quando te abracei na praça ao lado do Salgado Filho, as palavras apenas saíram, e eu fiquei desesperado. Nada do que eu sinto mudou, eu ainda amo você como na primeira vez que te vi, na estação do metrô de Botafogo. Parecia que meu coração atravessava a Rua São Clemente.

Mas, você não recorda das boas lembranças. Você diz que não há.

Yuri Santos
Enviado por Yuri Santos em 16/04/2018
Reeditado em 16/04/2018
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