MINH'ALMA DESCANSA

Já era tarde, início de mais uma noite escura, sem a luz da lua, mais uma vez, mais um outro encontro fracassado que afujentava mais uma vez a expectativa de um dia encontrar o amor de minha vida. Enfim, o albor do dia de vez é consumido pela noite que entra a dentro autoritariamente. Decepcionado, não me restou outra opção que não fosse caminhar por aquela estrada longa e tortuosa feito um errante.

Não era meu dia de sorte, numa das curvas da estrada fui abordado por dois sujeitos estranhos que nada me perguntaram. Pude então sentir escorrer por dentro de minhas roupas o líquido da vida, que rapidamente se esvaiu para fora de mim. A pele embranqueceu, a visão escureceu e meu corpo estatelou-se ao chão feito um boneco desengonçado. Roubaram-me o que pouco eu tinha e pior ainda tiraram-me a felicidade de acordar no dia seguinte.

Pouco a pouco fui deixando esse mundo que hora antes pareceia um endeixe que contava a história de um homem ávido por um amor nunca correspondido. Por mais que não fosse uma história com final feliz, ainda se tinha a esperança de um dia viver um conto de fadas onde tudo acaba bem.

Enfim, a luz branca, aproximou-se cada vez mais e com ela subi, de onde pude experimentar os últimos sentimentos mais dolorosos que o ser humano pode sentir. Em meu passamento não queria que chorassem por mim, mas não pude deixar de ver minha pobre maezinha carpindo sobre meu vazio corpo. Saudades era o sentimento que sentiria dali para frente e vontade de voltar correndo e levantar para espantar tão funesta tristeza, mas não, não poderia eu fugir de minha hora extrema.

Em lousa de mármore fui posto. Um bonito abrigo para o corpo que fica a definhar por dias e dias. Ainda preso neste mundo, aceitei a nova morada com a esperança de que o amor que me desapontou pudesse enfim, no calar da noite, em apertado segredo, acalentar minha alma que se recusava a deixar esse plano terreno. Imaginava que todas as noites tão esperada companhia viesse velar meu profundo sono que naturalmente não mais despertaria.

Dias e noites se passavam e os ditosos momentos que tanto eu esperava nunca acontecia. Assim foi por muito tempo até eu compreender que era preciso aceitar a partida. Mas enquanto meu próximo fado não chega, resta-me em meu desterro, suportar em noites de lua cheia, alguns insolentes que fazem ludíbrios em minha última morada. Meus ímos sentimentos suportam, dão a eles anistia enquanto minha alma descansa esperando a próxima aurora.

Paulo Roberto Fernandes
Enviado por Paulo Roberto Fernandes em 17/04/2018
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