O encontro de Lua e Desalento

Acompanhada pela solidão, Lua Flor resolveu sair um pouco para colher flores, e se há destino, Lua deveria pertencer a João, assim como as nuvens pertencem ao céu. João Desalento - o doutor das flores e das dores - também estava, como de costume, colhendo seus objetos de estudo. Colhia as flores como quem arranca do peito a angústia e toda agonia que existe dentro de si.

Lua, do outro lado (no mesmo jardim), colhia-as como quem se esforça para não destruir a beleza da natureza com o contato humano. Mas, dessa vez, ela não se importava se os espinhos a atingisse, porque ela era toda dor interna e outras dores só serviriam de morfina. Foi quando toda sua delicadeza, semelhante às das rosas, fez João esquecer-se de todas, e fitar somente o brilho ofuscante e inflamado de Lua Flor. Ele não sabia explicar, mas aquela figura era como a personificação das flores e seu retrato era uma mescla de tudo aquilo que João buscava. Ele não compreendia, mas só de admirar a menina, seu coração, outrora oco, parecia bater bem forte e ser preenchido por algo que ele desconhecia...

Lua se distraiu um pouco e se feriu com os espinhos, porém pela primeira vez ela sentiu dor, mas por hábito não reclamou do machucado, o que fez Desalento ficar intrigado com tamanha frieza. “Será que ela é flor sem alma vagando pelo jardim em busca de cheiro?", João pensou. Pobres criaturas que em um correr de minutos colocam em jogo todo o seu futuro. O amor é menino traquino, espevitado,chega nas horas mais inapropriadas para se apropriar daquilo que há muito lhe pertencia. Lua e João poderiam até escolher caminhar em direções opostas, e tocar mãos diferentes, mas um pertencia ao outro e o outro já pertencia ao amor. Inevitável! João era sabido demais para duvidar disso, e Lua, ah, Lua era sonhadora demais para não crer com todas as forças e fraquezas que aquele seria o ser que a faria não duvidar mais no amor terrestre. Um sorriu, o outro retrucou. Dois passos, um olhar. Um toque lento nas mãos pálidas ligeiramente destacadas pela gota de sangue. A rapidez das batidas do coração. O embalo do amor. O amor demora, mas ele tem pressa quando chega! Lua Flor jamais havia encontrado uma nuvem com forma mais bonita que o rosto dele, nem estrela mais brilhante e cativante que seu olhar. Anos observando o céu, e foi encontrar a paixão na terra...

João apertou os olhos e inflou os pulmões... Nunca havia cheirado flor mais cheirosa que aquela da lua. A solenidade do espetáculo durou alguns minutos, não se sabe ao certo quem falou primeiro ou o que falaram. Sabe-se que no outro dia casaram-se. Há também boatos de que no inverno João chora ao consolar sua amada, que se entristece diariamente porque sua lua mãe não lhe banha do céu. As nuvens negras carregadas de gotas de nostalgia lembram a saudade da solidão. Na primavera, Lua cuida dos brotos e botões de rosas recém-nascidos enquanto João Desalento (agora alentado) saía para plantar sementes de flores. Em poucos meses ele conseguiu repor a quantidade que outrora havia arrancado. Sentia que eram as mesmas almas floridas empetaladas em outras formas e cores. Assim que se sentia, assim que fez.

Fernanda Paulo Albuquerque e Jamile Brito
Enviado por Fernanda Paulo Albuquerque em 04/05/2018
Reeditado em 04/05/2018
Código do texto: T6327051
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.