Queria ser  o  ombro amigo, a mão que afaga
Também o  amor  que o vento sopra
 Sopra fortemente e não apaga.
 
Aguçou os ouvidos, debruçou-se na janela. O peito ofegante à espera daquela, cujos passos cadenciam o compasso e as batidas ritmadas de seu coração. Transeuntes num vaivém vão, outros vêm. Passam apressados. Ele estava só. Sozinho sentado à beira de uma estrada sem fim. Dizia  que fora seguido por um disco voador, que uma luz tentou sugá-lo para dentro da nave.

— Para com essas coisas, Fernão! Para que te quer um extraterrestre?
— Então não acreditas também, que tua mãe me aparece cercada de diabos, querendo me levar paro o inferno?
—Minha mãe era uma mulher justa. Se os justos vão para o céu, ela está lá, portanto, não te fará mal algum.
Ele se irritava. Pensamentos estranhos sugeriam agressão. Calmamente Nathalie  trazia chá-de-jasmim e um comprimido de fumareto.  Ele recusava.
—Ontem não tomaste o remédio nem o chá? Beba e vê se não interrompe mais o tratamento!

Agia com paciência e cautela para não contrariar o marido, e assim, quando convocada para cobrir a falta de algum colega, deixava recado sobre a mesa, na tela do computador ou no criado-mudo. Sempre estava disposta a servir a empresa, que lhe pagava em dobro pelo cumprimento de serviço em regime de urgência. Suportou com resignação todo o sofrimento advindo do convívio com o marido, até quando pôde. Mas daquela vez, em poucas linhas, ela fez a mente dele dar um giro de trezentos e sessenta graus em torno de sua história, em torno do casamento e dos sete anos de espera por um filho que não veio.

Que fazer, Fernão?

Perguntava ele a si mesmo e a voz do seu  subconsciente respondia: “Se não tens asas para voar; contenta-te em dar passos largos.”

Obedeceu.
Abriu a porta do apartamento, mas não havia ninguém em casa e logo pensou que sua mulher estivesse cobrindo escala... Puxou as cortinas da sala, depois, as  do quarto. E quando a penumbra se desfez, ele viu sobre o criado, o bilhete deixado por Nathalie:   Meu teste de fertilidade deu positivo, e recusas fazer o teu. Ainda assim me insultas dizendo que não sirvo nem pra parir. Voltarei para assinar o desquite.  E rabiscou seu nome de solteira, deixando sinais de pouca firmeza no punho e muito tremor no coração. Nathalie  Agne Saboia Morato Potiguará saiu de casa, levando seus pertences e objetos de uso pessoal. Não mais do que aquilo que cabia numa mala de viagem.

 Fernão tentou abrir a janela da sala, como se o fizesse para libertar um pássaro da gaiola. Foi impedido por um temporal, que desabava lá fora, e um redemoinho invadiu sua alma: Quanto tempo ele teve... sete anos de casado e tudo somado não chegava a um mês de felicidade plena. Nada que o levasse a pensar: Oh, que saudade que tenho...Ele não podia mais esperar que cessassem ventos e trovoadas e uma nova estação se lhe surgisse, se permanecesse trancado entre quadro paredes. Cansara de esperar que a mulher voltasse... Na verdade, sentia um pouco de saudade: Nada é tão pequeno que não deixe rastro por onde passa. Pode não ter sido feliz com ela, mas  teve sim momentos felizes. E naquele momento, ele pouco podia fazer em favor de si mesmo, então,  rasgou o  luto da separação e  saiu. Tomou o metrô, com a intenção de desembarcar na Estação Carioca.
Desceu.
Ravenala  se sentiu seguida por um homem de terno escuro, cujo rosto lhe pareceu familiar. Reconheceu nele a imagem do passageiro que lhe dera o telefone anotado em um pedacinho de papel. Ela  jamais diria que lhe telefonara durante dias seguidos... Por sorte, Fernão a poupou deste constrangimento, informando-a de que estivera fora do Brasil. Entrou na Suport Informatic. Ele a acompanhou.
 — É mais um freguês,  pensou.
Fernão indagou  o preço de uma placa-mãe para seu  notebook. Pagou e retirou-se, não sem antes filmar com sua retina o perfil da balconista que dizia sorridente: “Volte sempre!”

Tudo foi muito rápido, e assim que ele se retirou, curiosamente, Ravenala   leu na segunda via da nota de balcão: Fernão de Noronha Capelo. Praça General Osório, Rio de Janeiro.

Fechou a loja e passou na confeitaria. Ali sempre aparecem jovens, exibindo luxo, riqueza e sabedoria, outras, nem tanto. São tantas pessoas que marcam presença na Confeitaria Colombo.   Velhos, e gente de meia-idade  com ar de intelectual fecham grandes negócios em diálogos quase sussurrados,  enquanto tomam o chá das dezessete e trinta. Ela estava só. Sozinha entre uma multidão de estranhos.
Contemplou  enormes prateleiras que guardam a beleza das taças de cristal bordadas em ouro. Mas a viagem de reconhecimento a cada peça da confeitaria foi interrompida por insistente chamada telefônica. Do outro lado da linha, a voz suave de um interlocutor não lhe permitia falar.
— Não nos encontraremos mais no primeiro vagão, naquele horário da manhã — respirou  fundo e disse pausadamente — logo mais estarei na Confeitaria. Precisamos conversar pessoalmente.

— Não pode ser por telefone?
— O indizível só ser  compreendido com a magia  do olho no olho, do aperto de mão, do abraço afetivo.
— Romântico, mas não muito claro. Parece que ouço a voz nascida no delírio do estro poético de um profeta.
— Nem poeta, nem profeta. Só quis por um pouco de fermento na massa.
— Quero dizer a meu padeiro que não posso me demorar muito. Não tenho hábito de chegar tarde em casa.
Os dois riram.
— Vejo-te logo mais.

As palavras de Nathalie  ainda ressoavam na memória de Fernão: “Vá de táxi”.  Outros pensamentos  invadiam sua mente:  “Nathalie deve estar nos  braços de Hemor.” Neste caso, seria mais prudente empreender uma nova conquista, que disputar o amor de Nathalie  com o aviador.

***
Fragmento de "Estrela que o vento soprou."


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