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TUDO HAVIA SIDO PREPARADO COM O MÁXIMO de empenho, amor e carinho. Ela tratou de escolher tudo a dedo, desde a música de entrada dos padrinhos às pétalas de flores que seriam jogadas na saída. Seus olhos brilhavam cada vez que perguntavam sobre o seu casamento, e, apesar dos aborrecimentos causados por tal, tinha certeza de que aquele, de todos, era o seu maior e mais bonito sonho. Não se arrependeu de nada e tinha certeza de que, ao menos isso, ela realizaria da forma mais fantástica que pudesse, ainda que não fosse como imaginara quando tinha dezesseis anos.

Ele também tratou de ser cuidadoso, juntou os documentos pertinentes ao processo legal, organizou-os em uma pasta e os guardou para mais tarde, rogou aos céus que lhe dessem força, pois, de tudo que vivera na vida, aquela seria, talvez, a coisa mais difícil que teria que fazer. Retirou-se num silencio profundo, fez-se inacessível por todo o dia e preferiu, também, abrir mão dos alimentos do corpo. Colocou-se num jejum momentâneo para tentar fazer com que seu corpo deixasse de funcionar e o fizesse não seguir em frente com aquilo tudo.

Enquanto ele tentava enganar sua mente e não pensar naquilo até que chegasse a hora de realmente fazê-lo; ela, do outro lado da cidade, tratava de tentar parecer a mulher mais maravilhosa do mundo, cuidando do cabelo, das unhas, de tudo, e sequer sabia que, para ele, era, de todas, a que mais se parecia com um anjo. Seus cabelos lisos e amarelos, quase cor de ouro, faziam-na transparecer uma alma pura e angelical, induzindo os mais desatentos a uma perdição devastadora, mas a ele não. Ele não se perdia na beleza dela, encontrava-se. Via naqueles olhos amendoados uma razão a mais para buscar a plenitude que sempre sonhou alcançar. Plenitude que ele sequer chegou perto de desfrutar.

O relógio decidiu jogar contra tudo, e as horas passariam mais rápido dali em diante. Não havia nada que os dois pudessem fazer para parar o tempo. Se houvesse, teriam parado anos antes, debaixo daquela macieira, enquanto faziam juras adolescentes de amor eterno. Agora, era tarde. Talvez sempre tivesse sido tarde, só que, dessa vez, era para sempre.

A hora enfim chegou, e lá estavam os dois em seus lugares, prontos para selarem seus destinos de acordo com o que já estava escrito em algum livro do universo. Talvez os motivos que fizeram essa história ser do jeito que foi, fossem escusos, mas não havia mais nada que ser feito. Nem desfeito.

A porta se abriu. Os dois, de longe, cruzaram seus olhares, ignorando todos ao redor e sem nenhum resquício sequer de medo. Ela, enfim, deu início à sua caminhada para o futuro que sempre sonhara. Ele, abismado diante de tamanha beleza, tentava conter seus instintos, e, mais ainda, suas lembranças de outrora. Sabia que era errado, mas não conseguia fazer cessar a euforia do seu coração. Chegou a duvidar da divindade que o regia e colocar em xeque a ideia feita acerca do bem e do mal. Um mero mortal com a cabeça cheia de dúvidas... como todos os outros.

Estavam finalmente frente a frente, os olhos dela brilhavam, suas mãos estavam encharcadas de suor e seus dedos se mexiam involuntariamente, dada a ansiedade exacerbada. Ele, impaciente, só queria que aquilo acabasse logo, querendo poder ter a certeza de que o que estavam passando ali garantiria a felicidade dela por toda a sua vida terrena. Desviava o olhar e tentava não demonstrar o nervosismo a lhe conduzir. Não podia perder as estribeiras, mas sabia que sua maior vontade naquele momento era sequestrá-la e levá-la para onde os dois não precisassem provar nada a quem quer que fosse; queria provar que um papel qualquer recheado de assinaturas ou até mesmo uma benção de nada serviriam para colocar em prática a força do amor que sentiam.

Ele deveria ter feito isso anos antes, e agora estava diante daquela situação incorrigível e incontestável. Ela também se sentiu culpada por um momento, lembrando o que tinham prometido um ao outro. Ambos deixaram que seus olhares se encontrassem, e ele deixou que seus olhos pousassem sobre os dela. Olharam-se fixamente, como se estivessem se conectando para uma viagem no tempo, e, talvez juntos, de olhos agora fechados, puderam ouvir suas vozes, ainda pueris, dizendo pausadamente quase em um cochicho:

— Quando tiver que acontecer, largaremos tudo e casaremos um com o outro!

Eles sabiam que estavam fadados ao amor eterno, sabiam também que nem todo amor é vivido, apenas sonhado e sentido, mas se sentiram covardes por um instante e se colocaram ali, diante daquele altar, em remissão por não terem tentado. Morreriam com a dúvida, com a incerteza inquietante dentro daqueles corações, mas não voltariam atrás. O destino já estava selado. Ela disse sim para a nova vida, ouviram-se aplausos, pessoas que estavam ali como testemunhas de que aquilo era real, imutável e talvez eterno.

— Eu vos declaro marido e mulher.

Ela ouvia atentamente enquanto sentia seus lábios serem tocados por um beijo morno de satisfação. Ele teve a sensação de dever cumprido, talvez pela primeira vez em toda a sua vida, o que, de certa forma, trouxe-lhe tranquilidade.

Em seu coração, um turbilhão de emoções fazia sua mente implorar por aquela paz que tanto prezava quando era mais novo, mas ele sabia que tê-la de volta era impossível. Chegou a pedir que o céu se abrisse e de lá viesse uma ordem que mudasse tudo, mas também sabia que aquilo era impossível de se conseguir, e ainda mais injusto de se desejar, já que ninguém de fato havia impedido os dois de seguirem o caminho que seguiram. Ninguém, além deles mesmos.

Ela, agora casada, seguia radiante para o fim já esperado. Ele, conformado, seguia o caminho oposto, talvez obscuro que o condenava. Duas vidas divididas pelo poder do livre arbítrio.

Dentre todas as grandes escolhas, escolheu ser padre, mas, se pudesse, teria escolhido não celebrar o casamento do amor de sua vida.

Ricardo Tagliaferro
Enviado por Ricardo Tagliaferro em 16/05/2018
Código do texto: T6337636
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