Espaço em branco
- Eu não sei se essa é exatamente a minha praia... - Marsha deu uma risadinha nervosa, ajeitando o cabelo que o vento cismava em jogar no seu rosto. - Tem muito homem aqui...
- Essa é a Rua 12, né? Ademais, não creio que nos dêem a menor atenção - respondeu Cindy, indicando as várias bandeiras arco-íris que delimitavam a praia de areia branca. E, puxando a companheira pela mão:
- Vamos, que quero dar um mergulho!
Passaram por vários grupos de rapazes bronzeados e musculosos, que, como previra Cindy, sequer olharam para elas, e de mãos dadas, correram até a arrebentação, molhando pés e tornozelos na água fria.
- Você vai querer mergulhar? - Questionou Marsha, recuando para a areia seca.
- Foi para isso que viemos à praia, lembra? - Riu Cindy.
- Eu vou estender a toalha, então - retrucou Marsha, mão em pala sobre os olhos, analisando as redondezas. Viu um grupo de seis mulheres bronzeando-se lado a lado, e decidiu que seria um bom lugar para ficarem por perto.
- Vai, que eu vou ficar por ali - apontou para o local, e desamarrou a canga de Cindy, recebendo um selinho de agradecimento. Aproximou-se então do grupo e inclinou-se sobre a garota da ponta, uma latina queimada de sol, óculos escuros e biquíni preto.
- Oi... posso estender minha toalha do seu lado?
A morena ergueu ligeiramente os óculos para encará-la.
- À vontade - declarou.
E, sentando-se na própria toalha e subindo os óculos para o alto da cabeça, estendeu a mão para ela:
- Lisa Flores.
- Marsha.
Lisa apontou para Cindy que dava braçadas pouco além da arrebentação.
- É sua namorada?
- É - Marsha deu um sorriso encabulado. - Aqui, dá pra chamá-la assim...
- Hum... entendo - avaliou Lisa. - Vieram para o festival de cinema?
- Na verdade, não - admitiu Marsha. - Viemos pra passar um tempo juntas... longe da família, se me entende.
- Entendo... mas tem interesse em conhecer os locais que a galera frequenta aqui em Miami, fazer amigas?
Marsha envolveu os joelhos com os braços.
- Eu, sim... mas não acho que a minha namorada se ligue muito nisso. Embora, claro, ela me acompanhe aonde eu for.
E, após uma ligeira hesitação.
- Acho que a minha namorada tem... como eu vou colocar isso... personalidade de hétero.
Lisa abriu um sorriso.
- Se ela é sua namorada, creio que quis dizer "personalidade de bi".
- Não... quis dizer hétero mesmo - ponderou Marsha. - Ela não demonstra interesse em assuntos que digam respeito a lésbicas e coisas assim... não se sente gay, creio que é isso. O que é uma contradição, porque a gente se ama de verdade.
- Acho que entendo... - analisou Lisa. - Por isso procuraram um local longe de casa, onde ela possa demonstrar afeto público por você sem ser questionada.
- Sim... isso de não me esconder das pessoas é importante para mim. Eu não teria nenhum problema em assumir meu relacionamento com a Cindy...
- Mas respeita o espaço dela e tenta fazer com que se acostume com a ideia - avaliou Lisa.
- Será que isso funciona? - Marsha lançou um olhar aflito para Lisa.
- Pode funcionar - anuiu Lisa. E, dando-lhe uma piscadela:
- Nem vou me oferecer para passar bronzeador em você, porque a Cindy pode ser do tipo ciumento.
- Melhor não - admitiu Marsha. - Mas me fale sobre esse festival de cinema... parece ser algo bom para levar a Cindy, sem parecer que estou querendo enfiar cultura LGBT pela garganta dela abaixo...
Lisa abriu um sorriso malicioso.
- Talvez não vá funcionar como você está pensando... esse é um festival especificamente dedicado à questão LGBT.
- Uau! - Exclamou Marsha.
- Bem-vinda à Miami - respondeu Lisa, baixando os óculos escuros sobre os olhos castanhos.
- [28-05-2018]