O Pai Substituto

Resolveu seguir os passos da irmã, e com esta foi morar em Belém, pretendendo sem demora empregar-se e ganhar independência financeira. Na capital, logo se mudou para a casa de um biscateiro, e dele fez-se companheira.

Dez anos havia passado e ela cada vez mais no empenho para um viver melhor, conseguira reformar a morada, comprar móveis, um aparelho de televisão usado, porém, já se desiludira quanto ao companheiro. Muita demora para perceber a falta de ânimo no parceiro que não despendia esforço suficiente para um ganho fixo, um emprego que pudesse manter a família, agora constituída deles e de um casal de filhos impúberes. O dinheiro sempre insuficiente só lhe permitia uma precária ajuda à sua mãe de frágil saúde e que ficara no interior na companhia do pai, este a entregar-se ao vício da bebida. Nesse tempo, deixava a menina na creche e o filho na casa da avó paterna. Seu companheiro na maior parte do tempo ocioso, preocupado apenas com a panela no fogo e a tomar conta das crianças quando estavam em casa. A vida apresentando-se num cotidiano sem muitas perspectivas, os dias arrastando-se à custa do livrar-se de muitos entraves e as noites em um cansaço que pouco a deixava sonhar com um futuro melhor. Entretanto, não se deixava abater totalmente, era jovem de muita disposição para o trabalho, morena saudável que não chegara aos trinta, mediana de estatura, de temperamento quase sempre alegre, corpo bem delineado e sempre ajustado em roupas no estilo jeans, ágil em suas tarefas rotineiras, enfim, dona de um desembaraço que contrastava com o jeito do companheiro, acomodado, desses que quando não encontram um assento logo se escoram em qualquer parede como se estivessem mortos de cansaço. Além disso, o parceiro possuía um timbre de voz mais aproximado ao feminino, característica que o deixava encabulado ao telefone, sujeito a constantes enganos quanto à sua masculinidade e às piadas que lhe dirigiam os engraçadinhos. Talvez fosse o xis do problema que o fazia exacerbar-se nessas ocasiões. Ao sentir-se ofendido partia para o combate contra os valentões de voz grossa, principalmente quando acompanhado da mulher e dos filhos. Bastava que algum desses machões lhes dirigisse algum gracejo, uma zombaria imediatamente protestada, não sendo raro logo após uma provocação que lhe era altamente ofensiva, o desafio: – Vai encarar, fala-fino? Papai não levaria esse desaforo para casa, duvidarem de sua virilidade só porque sua voz não o ajudava a impor sua figura de homem. E por isso de quando em vez metia-se em confusão e eram constantes essas situações que em algumas foi mandado para o xadrez por um ou dois dias, para esfriar a cabeça e refletir sobre a exagerada reação, por tanto quebra-quebra que promovia onde estivesse.

E a companheira a pensar, tanta energia que lhe aflorava nesses momentos de impetuosidade, gostaria ela que ele partisse para a briga, mas de outra maneira, na procura de emprego. Entretanto, contentava-se seu amásio em ser apenas um papai doméstico, nada mais. Ela, cansada de dar murro em ponta de faca já não lhe dava atenção e esse descaso pelo companheiro tornou-se ainda maior quando soube que ele, apesar da voz fina pulara a cerca. A partir daí ela já nem se importava se na casa da outra o marido passasse as noites. Retornava ele pela manhã, pois lhe puxava o sentido dos deveres de pai, levar as crianças e trazê-las da escola e cuidar em preparar-lhes o almoço. Assim passou o fala-fino a viver de dia na casa de uma e à noite nos braços da segunda.

Eis que em certo dia à saída do trabalho, ela acompanhou uma colega que precisava tratar de um assunto em um salão de bilhar. Ao chegarem ficou ela à espera da colega e nessa ocasião um dos jogadores passou a observá-la entre uma e outra tacada. Ela correspondeu a um sorriso dele e foi bastante para encorajá-lo a aproximar-se e oferecer-lhe um refrigerante. Tempos depois já se encontravam frequentemente, ele solteiro, de boa família, bem empregado, e ela, sinceramente mostrou-lhe as cartas que tinha. Expôs-lhe sua situação, falou dos filhos e do dito marido a conviver já sem paixão e outras coisas que com o decorrer do tempo foram se acertando, até que o rapaz resolveu fazer-lhe a companhia noturna em sua casa na ausência do pai das crianças, que passaram a dividir-se, a menina a favor do pai e ao menino tanto fazia, achava mesmo que o novo companheiro da mãe era um sujeito legal, era-lhe simpático e soltava grana sem fazer cara feia.

Do antigo parceiro esperava-se uma resistência feroz, mas, fato inacreditável, tal não aconteceu, o fala-fino aquietou-se. Afinal, a outra lhe dava carinho em noites prazerosas, dormida em cama macia, sem precisar tapar os ouvidos com o travesseiro para não ouvir impertinências, que era só o que a primeira sabia fazer, cobrar-lhe, exigir-lhe mais e mais, como se um emprego de bom salário fosse assim fácil. Apenas uma vez reclamou para calar-se de vez quando fizera a pergunta – Então esse cara vai – morar em nossa casa, vai querer mandar nos meus filhos? Nossa casa, não, respondera ela, a casa que havia aqui antes da minha chegada estava quase desabando. Paguei o material e a mão de obra da reforma, agora está em melhores condições porque o meu novo companheiro a mantém e nada nos falta, és testemunha de que as crianças passam bem, não lhes falta comida, nem roupas, nem brinquedos, nada. As contas estão em dia e ele já mandou até dinheiro para mamãe. Inclusive a escola dos teus, e assim ela acentuou, dos teus filhos ele vai pagar, entendeste? De maneira que deves agradecer a Deus por ele, por ser um homem bom, trabalhador e dedicado à família.

O fala-fino concluiu que a situação melhor não poderia estar, visto que aos filhos não faltaria nada e resolveu ser a partir dali apenas um visitante de rotina. Óbvio que com os dois trabalhando, suas obrigações domésticas ficaram inalteradas, crianças para a escola, almoço na mesa, hora do banho, até a chegada dela. Quem passou a incomodar-se foi o novo amásio, afinal ele também queria a companhia de uma nova criança, que ela engravidasse e ele tivesse o prazer de dizer também sou pai de um filho biologicamente verdadeiro, com atestados de exames de todo tipo, se necessário. Ela acabou mesmo engravidando, e nasceu uma menina, a cara dele, visual inconteste de quem a observava detidamente e exclamava, a cara do pai, bem entendido, do novo companheiro, que com essas declarações rejubilava-se.

Estavam quase totalmente descartados os comentários maldosos da rádio fuxico, dos que ansiavam pelo dia do nascimento para por em dúvida a gestação da mulher que convivia com dois homens em casa, um de dia e outro à noite, qual deles teria concorrido para aquela gravidez? Incomoda-me a presença desse sujeito aqui em casa, reclamou o pai da nova criança, vive ele a testemunhar nosso recato, a escutar assuntos que não lhe dizem respeito, é um intruso em nosso aconchego familiar, diga-lhe que não é do meu agrado sua permanência, se quer dar assistência aos filhos dele, tudo bem, mas não concordo que fique um tempão, a fazer lanche no sofá, a assistir televisão, a intrometer-se nas nossas conversas. Isso já falei a ele, respondeu a mulher, mas ele me afirmou que vem aqui pelos filhos dele, também porque o aparelho de televisão da casa daquela fulana está com defeito. Não te aborreças com ele, que nada mais representa para mim, apenas o considero como um irmão, ou um doméstico prestativo, e isso ele é com certeza.

Ela pedira demissão do emprego para cuidar dos filhos, especialmente do neném. Mas, com o decorrer do tempo, o novo marido tornava a queixar-se do primeiro. Por que saiu ele hoje em tua companhia e de nossa filha? Ele somente a levou no colo, pois fui ao ambulatório médico, hoje foi dia dela tomar vacina, ele apenas quis ser útil, justificou a mãe. Sim, mas pelas ruas já afirmam que ele é o pai verdadeiro, o que troca as fraldas dela. São comentários de quem não tem o que fazer, respondeu ela.

Dias depois o novo marido chegava cedo em casa e encontrou o fala-fino, o falso genitor a assistir ao jogo de futebol pela televisão, sentado no sofá, com o bebê no colo. E de vez em quando olhava para a criança e dizia emocionado, Como está a filhinha do papai? E o verdadeiro então lhe perguntou, por que falas assim com minha filha? Porque sou o pai substituto, não é neném? Respondeu sorrindo para a criança, com sua voz fina, ao que o outro se afastou resignado, a resmungar: – Pai substituto... Essa é demais, era o que me faltava!