Aquarianos

Nós dois éramos aquele tipo de texto sem título e escrito nas últimas páginas do caderno. Aquele tipo intenso, que não se sabia exatamente do que se tratava com receita culinárias, manual para cuidar de gatos e frases das nossas músicas preferidas, tinha uma e outra que falava sobre saudade, sem dúvidas, era tudo que nós mais sentíamos, mas saudade dos corpos, pois a mente sempre estava por perto, parecia o parafuso que faltava, o décimo quarto verso do soneto, a última, tudo isso era bom para regar o jardim daquilo que não sabíamos onde iria chegar e nem queríamos. Além de tudo, adorávamos as nossas liberdades, éramos dois oceanos dentro de um pote vidro, eu Pacífico, ele Atlântico, eu era de janeiro, ele fevereiro e quem amava carnaval era eu. Os Astros sempre nos avisavam o quanto éramos imprevisíveis, mas sempre riamos de tudo, as vezes eu chorava, ele drenava minhas lágrimas e dizia iria ficar, era assim, vice e verso, tudo era poesia, todas aquelas estrofes que eu recitava era pra ver ele sem jeito e rir de novo o seu desajeito. Mas entre uma linha e outra, esquecemos de olhar pro relógio, o tempo nos atravessou, não pediu licença pra passar e foi nos derrubando no chão até nos estourarmos, daí me fiz oceano em profundas intensidades sentimentais; em ondas furiosamente amáveis; em todos tons azulados da paixão que me deixava com ressaca de felicidade. Entretanto, revisei nove linhas a cima, percebi que ele não era nada Pacífico, suas ondas eram diferentes, seus ventos sopravam para outra direção, então lembrei que oceanos não se misturam apenas se encontram, depois da palavra diferente “diferente” percebi que não havia mais folhas para continuar, tentei de qualquer forma evitar, diminuir as palavras, o tamanho das letras e parecia que as linhas ficavam cada vez mais curtas. Desse ponto, eu novamente entendi que a vida nos queria próximos e não misturados, não tinha outro jeito de mudar, apenas entender que o destino nos deu as folhas, os beijos, as linhas, os momentos, as palavras, tudo na medida certa, só nos restava escrever com a mesma intensidade da nossa primeira palavra até calmo ponto final deste texto sobre nós dois. Vale lembrar que ainda há tinta na caneta e a vida irá nos oferecer outras folhas, linhas e outras histórias mais intensas para escrever, mas dessa vez com pessoas/poesia diferentes.

Sinto muito, éramos bons demais para ficarmos juntos.

Bárbara Primavera (Alomorfia)