E depois

[Continuação de "Imaginei isso tantas vezes"]

Marsha acabara de sair da biblioteca onde trabalhava, quando percebeu o rapaz de óculos, cabelo cacheado e barba por fazer, parado próximo ao seu Fusca no estacionamento da universidade. Obviamente, estava esperando por ela.

- Você é a Marsha? - Ele perguntou sem maiores rodeios.

Ela parou, braços cruzados num gesto defensivo. Embora o rapaz não parecesse perigoso, achou suspeito que ele a chamasse pelo nome sem que o conhecesse.

- Sou... e você quem é? Aluno da universidade?

- Não... eu sou Ted... colega de trabalho de Cindy.

Marsha relaxou ligeiramente.

- Não nos conhecemos, que eu me lembre - retrucou ela.

- Na verdade, não - admitiu ele. - Mas eu já a vi no supermercado onde trabalho...

- Não imagino que Cindy tenha lhe dado o endereço do meu trabalho... ou o que você queira comigo.

- Cindy não sabe que vim à sua procura... e não, nunca conversamos sobre você - Ted pareceu embaraçado, mas depois prosseguiu com determinação:

- Veja, Cindy e eu temos uma afinidade muito especial e eu gostaria que ela se desenvolvesse ainda mais... mas parece que ela tem evitado a minha presença ultimamente. Para ser mais preciso, desde que você e ela começaram a correr no Lansbury Park.

Marsha sentiu-se apreensiva e olhou em torno; caía o crepúsculo, e embora não houvesse muita gente próxima, não estava isolada. Como Ted sabia até mesmo que Cindy e ela estavam praticando jogging, se obviamente a amiga não o confidenciara para ele? O fato de que Cindy o estava evitando, contudo, nada tinha que ver com isso: ela tomara esta decisão muito antes do treinamento haver começado, e Marsha em momento algum sugerira que a outra tomasse tal atitude. O medo que princiara a sentir, logo foi substituído por uma raiva surda:

- Você veio aqui tomar satisfações comigo, que não te conheço, sobre o comportamento de uma terceira pessoa? Faça o favor de sair da frente do meu carro, ou eu chamo a segurança do campus e ainda ligo para o teu gerente no supermercado, seu maluco!

Ficou satisfeita ao ver a apreensão surgir no rosto de Ted. Ele percebeu que ela não estava blefando, mas antes de afastar-se, declarou:

- Cindy não deveria estar andando com você, Marsha. Eu sei muito bem o que você é.

Marsha pensou em revidar com mil palavrões, como teria feito há um ano atrás. Mas agora, era uma pessoa muito mais serena e equilibrada. Contando mentalmente até 100, deu as costas para Ted e finalmente entrou no velho Fusca fúcsia.

Enquanto dirigia de volta para casa, pegou-se olhando para o espelho retrovisor. Não estava sendo seguida, conforme imaginara a princípio, mas depois concluiu que isso era desnecessário: o sujeito muito provavelmente sabia onde ela morava.

Precisava tomar cuidado, admitiu para si mesma.

* * *

Uma jovem mãe com uma criança no colo empurrou o carrinho de compras para o caixa de Cindy. Ela sorriu para a mulher.

- Bom dia! Deixe que eu retiro para você...

Levantou-se da cadeira para fazer o trabalho de retirar os itens do carrinho e passá-los pelo leitor de código de barras. A mulher a encarou com ar triste, e comentou:

- Você é mais jovem do que eu pensava.

- Perdão? - Cindy virou-se para ela, atônita.

- Você é a Cindy, não?

O nome estava escrito no crachá, mas obviamente a cliente queria confirmar quem ela era.

- Eu mesma. E a senhora...

- Eu sou Vanessa, a mulher do Ted. E este é o filho dele, Nicholas.

Cindy sentiu o rosto em fogo e continuou a passar os produtos pelo leitor, mecanicamente. "Mulher do Ted", pensou, "mas eles não estavam separados?"

- Ah, sei... o Ted. Do almoxarifado - comentou, tentando aparentar indiferença.

- O Ted não falou a meu respeito? - Indagou Vanessa.

- Eu e o Ted não conversamos muito - desconversou Cindy.

- Preenchem o tempo juntos de modo mais... agradável? - Disse a mulher com ironia.

Cindy empalideceu com a insinuação.

- Eu não tenho nada com o Ted! Me respeite, estou no meu local de trabalho! - Sussurrou com indignação.

- Está bem, Cindy... só vim lhe dar um alerta do que o Ted faz com garotas ingênuas como você. Ele tem um filho para criar, não se esqueça.

Cindy respirou fundo, antes de perguntar em tom neutro:

- Dinheiro ou cartão?

[Continua em "Se isto continua..."]

- [21-07-2018]