Nada vai te machucar amor

"Nada vai te machucar amor" eu disse quando notei que ela estava apreensiva. Tínhamos marcado de sair com nossos óculos escuros por aí, numa noite, isso é estranho de se dizer, afinal, óculos escuro a noite? Mas era isso que nós éramos, estranhos, para a maioria. No trabalho quantos homens eu ouvi falar mal dela, da sua cabeça cabisbaixa, seu cabelo bagunçado, sua saia puritana, tipo Carrie, a estranha. Mas eu via mais no fundo, via um mistério, e eu amava mistérios, eu amava entender depois o que não entendia, e foi assim que comecei a amá-la. Eu a observava todo dia, suas manias, tipo como ela enganchava seus dois indicadores e olhava para o teto quando estava pensando; quando ela caminhava, evitava pisar no traçado do piso quadriculado; como ela anotava tudo em um caderninho, fosse o que fosse, eu a via pegar naquele caderninho mais vezes durante o dia, do que no teclado ou no mouse do computador - ah! Daria tudo para saber o que tinha lá, se ela já escreveu algo sobre mim. E eu ensaiei muito no espelho, olhando diversas vezes para mim mesmo, e me encarando como se fosse ela, tudo isso no intuito de encontrar uma boa maneira de chamá-la para sair. Meu maior receio, era ela pensar que seria alguma piada, não que eu seja o sonho de qualquer garota, mas minha aparência era normal, e minhas estranhezas eu guardava só para mim. Mas mesmo assim eu a chamei, e no fim ela aceitou, claro sem ter um draminha antes, tipo, quando eu a abordei na caminhada que ela fazia até o metrô, e disse, "oi, queria chamá-la para sair" ela baixou sua cabeça e seguiu andando. Não houvi necessidade de eu me apresentar, ela sabia quem eu era, trabalhávamos no mesmo setor, e de certa forma já me sentia conectado a ela. No outro dia na empresa, ela me olhava desconfiada e observadora, como se eu passasse de alguém que não lhe chamava a minima atenção, para alguém que merecia alguns olhares atentos, dá qual ela tentava esconder mas eu percebia, afinal posicionei um espelho na minha mesa, para olha-la pelas costas, e agora eu tinha certeza, que algumas notas sobre mim tomavam espaço naquele caderninho. Novamente quando saímos, a abordei novamente "hei! Natasha, espere um segundo" ela olhou para trás e continuou seguindo depressa, eu apertei o passo e a alcancei, "espere! Quero falar contigo" então ela parou, apertando aquela pasta de documentos que ela levava entre os braços e olhou-me, ela não precisou dizer nada, seu olhar dizia tudo, algo como, "vou ouvir o que você tem a dizer", então eu comecei a falar, "quero sair contigo, estive te observando desde que você começou a trabalhar aqui, porém somente agora tomei coragem para está aqui, mesmo tremendo e soando frio, e chamá-la para sair" ela colocou sua pasta entre as pernas, para apoia-las e segurar, enquanto ela enganchava os indicadores um no outro, e olhava para cima, e eu fechei um olho e fiquei com o outro aberto e nervoso, esperando pela resposta, foi quando ela balançou a cabeça e sorriu dizendo "sim, eu aceito" trocamos números, eu ainda ia decidir onde levá-la; depois que tudo passou, notei que não precisei fazer todo aquele discurso no espelho, foi muito mais diferente do que eu imaginei, mas valeu a pena todo nervosismo, no fim deu certo, e eu fiquei ali vendo-a se distanciar, e tentando evitar não pisar nas linhas do piso quadriculado.

"Alô Natasha, aqui é o Bernardo, ligando para marcar o nosso encontro" liguei umas oito horas da noite, ela tinha dito que tinha acabado de sair do banho, e que ainda ia trocar de roupa, e nós tivemos uma longa conversa pelo telefone, até que a noite ficou tarde, e ela e eu precisávamos dormir.

– agora vou vestir minha roupa e dormir.

– não, gosto de você assim.

– assim como?

– pelada.

– tu nunca nem viu, se visse ia se decepcionar.

– mas passei noites em claro imaginando.

Ela fez um silêncio do outro lado da linha, pensei ter ofendido, mas acho que não, era outra coisa, e no fim demos tchau um para o outro.

– tchau, nos vemos amanhã.

– tchau, tenha uma boa noite de sono.

No outro dia nos vimos no trabalho, e conversamos brevemente, pois não era permitido flertar no trabalho, e eles eram rigorosos quanto a isso.

A primeira vez que nos encontramos, estávamos todos dois nervosos, mas ainda sim foi divertido, conversamos a beça, e conhecemos mais um sobre o outro: o que gostavamos de fazer para relaxar e se divertir e ela assim como eu não gostava de nada muito estravagante, um momento a dois como estávamos alí, já era suficiente, para servir como descarga, para todas as merdas da vida descer pelo ralo.

E com o passar do tempo, nossos encontros foram se tornando mais frequentes, podia-se dizer que era um relacionamento, ainda não concebido por que nenhuma das partes tinha feito o pedido. E uma noite combinamos de sai por aí a noite, com nossos oculos escuros, fomos parar num karaokê, e cantavamos juntos as musicas que gostavamos, ela cantava muito mal, e eu sem comentarios, poderiamos ser a melhor dupla de cantores ruins do mundo, mas ninguém vê esse nosso talento. Quando cansamos sentamos, e eu olhei para ela, ela estava usando um vestido vermelho, com cabelo solto e um baton escuro, ela estava quente, sensual, não parecia nada com aquela moça que usa uma saia maior que suas pernas e blusa de mangas compridas, cobrindo todas as partes do seu corpo.

– Vamos para minha casa. – chamei.

Ela me olhou e enganchou os polegares um no outro, olhou para cima e depois os soltou e olhou para mim.

– Vamos!!

Ela parecia meio nervosa, então ofereci-lhe uma bebida, eu tinha algumas enfeitando a prateleira, resolvi abrir uma garrafa de vinho, para bebermos juntos.

– Sabe, eu nunca fiz isso. – disse ela.

– Isso o que?

– Está aqui, na casa de um homem, bebendo, usando uma roupa como essa, nunca fiz nada parecido.

– Tudo bem, também é minha primeira vez trazendo uma mulher aqui.

– Dificil crer, homens sempre estão a nossa frente.

– Eu sempre estive atrasado, mas se foram os atrasos que me levou a ti, nãodaço gosto em está adiantado.

– Não fica querendo me deixar sem palavras.

– Desculpa, só queria que soubesse o quanto te acho especial.

Ela olhou para o nada, e depois tirou de dentro de sua bolsa seu caderninho.

– Sabe esse caderninho.

– Sim tenho notado bastante ele.

– Ele faz parte de uma terapia.

– Terapia?

– Sim. Quando eu era pequena, eu fui abusada sexualmente. Isso fudeu meu psicologico, talvez por isso todo mundo me acha estranha, a forma como me olham, eu noto, e tudo que eu menos quero é chamar atenção, com medo de que aquilo aconteça novamente.

– Nossa, sem palavras, se você estiver desconfortavel, pode falar, estou aqui para ser seu ombro amigo também.

– Não! Não estou! Acontece que você tem sido otimo para mim. Sabe eu anoto tudo que de certa forma me deixa desconfortavel, está tudo anotado nesse caderno.

Então ela abriu o caderno e ficou me mostrando, a partir da data de nosso primeiro encontro as paginas de anotaçoes, e elas estavam em branco.

– Sabe por que estão todas em brancas, por que desde que te conheci não tenho tido muito desconforto, não da qual mereça ser anotado. Depois de eu ter sido abusada, me envolvi numa esfera de proteção, que me afastava das pessoas, e você adentrou nela, e me puxou de lá me tranzendo de volta a um mundo que eu não via, desde depois de ter acontecido aquilo, em tão pouco tempo em sua companhia, curou anos intensos de solidão.

Tá legal, fiquei um pouco surpreendido, eu que estava me preparando para falar uma coisa assim do tipo, mas ela acabou se declarando primeiro.

– Nossa agora foi você que me deixou sem palavras.

Ficamos um minuto em silencio, e aquele silencio serviu para mim pensar sobre nós dois, e depois de pensar minuciosamente cada detalhe eu falei.

– Não sei se é cedo para dizer isso, mas, eu te amo!

– Eu acho que eu também te amo. – falou ela um pouco nervosa.

Nos beijamos, foi um beijo intenso, cheio de sentimento e vontade, que estava guardado, desde o meu primeiro encontro com ela, e não tinha hora melhor para entrega-lo.

– Vamos dançar? – convidei.

– vamos!!

Ela concordou. Botei então um R&B bobo dos anos 90’s, caralho, nós só balançávamos os braços e a cabeça, não tínhamos a menor ideia de como dançar, e quando veio a cair numa musica mais lenta, dançamos coladinho, eu a todo custo tentando não pisar no seu pé, naquele movimento de dois para lá e dois para cá, e eu pude sentir seu calor, as coisas estava esquentando, com o aroma do seu corpo entrando pelas minhas narinas, e arrepiando minha pele, falei umas coisas no seu ouvido, pervertidas de se dizer, ela virou o rosto e corou. Acabamos numa cena nebulosa no chuveiro, notei que ela estava apreensiva, e diante do seu corpo nu, fiz-lhe uma promessa, “ Nada vai te machucar, amor”.

Conto baseado na canção Nothing's Gonna Hurt You Baby da banda Cigarettes After Sex.