Um sonho de príncipe

Da estrada principal até a vila alargou-se um caminho. Em sua extensão, de um lado havia uma igrejinha e do outro somente uma casa e por que tal singularidade, a ninguém incomodava.

Apenas uma casa, singela morada de um caboclo que nela vivia com sua esposa e a única filha do casal. Para um jovem viajante, entretanto, aquele caminho não era apenas mais um. Sua intuição avisava, era um pedaço de chão reservado a um relevante passo em sua vida. Não um trajeto rotineiro, sim um decidir entre escolhas para o seu destino. Nessa dedução seu olhar alcançava quimeras, descortinava multicolores horizontes e tudo em volta revestia-se de imponência e beleza: a paisagem em imenso espaço arborizado, cortado por larga avenida bem cuidada sob o céu límpido e azul. Chafarizes à semelhança de seres mitológicos jorravam água sobre pedras emergentes em lagos e espargiam umidade em névoa de minúsculos cristais. Aqui ou ali, nas

sombras amenas dos ipês ou das acácias sobre as calçadas, uma brisa em seu refrescante passar.

Ao derredor os canteiros de flores exuberantes em meio aos atalhos lajeados sobre o viço dos gramados e, entre alguns passos, os bancos de jardim convidativos ao descanso e às confidências.

A quebrar o silêncio, lindos gorjeios traspassando as folhagens chegavam-lhe aos ouvidos e o faziam mais confiante e feliz.

A casa isolada e quase defronte da igrejinha, não era casa, era um palácio; o caboclo e sua esposa não era um casal comum, eram sim um rei e sua consorte rainha. A filha uma jovem belíssima princesa, a quem o jovem, em certa manhã, fizera uma saudação e em troca recebera

um aceno e um sorriso.

Sonhava então o moço com o dia em que na igrejinha tudo estivesse preparado para a celebração de seu casamento com a princesa. Do outro lado do boulevard, na linda manhã ensolarada a clarear o caminho pavimentado do jardim frontal ao palácio, os súditos aguardavam a família real. Guardas perfilavam-se atentos ao sinal de saída para a rua. À espera da noiva, uma bela charrete ostentando o brasão real sobre o vermelho luzidio das portas com incrustações de ouro nas molduras que se estendiam pelas bordas laterais; excetuando o piso em atapetado macio, as partes interiores revestiam-se em forro de cetim com arremates de fitas e pequenas guirlandas douradas; no banco principal com dois lugares a suavidade do assento e do encosto sobre almofadados. Atrás, um banco para o pajem e madrinhas.

A charrete em nobre estilo conduzindo a princesa à frente do soberbo desfile sairia do palácio pelo portão frontal, puxada por duas parelhas de cavalos brancos a empinar com altivez alvas plumas presas às tiras das cabeçadas. Em seguida a vistosa carruagem conduzindo vossas majestades, o rei e a rainha. A família real com o séquito vindo atrás. Para que esse percurso não se reduzisse a um simples atravessar o boulevard de um lado para o outro e, mais importante ainda, para que o povo em júbilo presenciasse o esplendor da realeza, o cortejo faria uma volta contornando a praça da vila. As ruas cheias de gente em palmas e vivas. A guarda real em farda de gala abrindo passagem para a

imponente comitiva. Ao chegar à igreja a princesa sairia da charrete acenando e sorrindo para a multidão em olhares emocionados e fortes aplausos. Centenas de lenços enxugariam lágrimas de felicidade. Fotógrafos em correria na busca do ângulo ideal para o click espetacular de primeira página. Conduzida por seu pai, ao som da marcha nupcial, a noiva entraria solenemente pela nave central do templo agora repintado, ricamente ornamentado e repleto de convidados. O jovem sonhador, nesse dia príncipe, estaria ansioso à sua espera junto ao altar, com o coração exultante como a multidão em festa.

Na fantasia do jovem viajante não tardaria esse dia, desde que houvesse, evidentemente, um prelúdio. Antes seria necessário aproximar-se da princesa, declarar seu amor e dizer-se seu

pretendente. Para isso imaginava chegar-se com seus modos de gentil príncipe ao portão do palácio. Concebera para o êxito de seu intento levar em seus braços o gatinho de estimação da realeza que, por natureza própria desses felinos, vez em quando ultrapassava os limites

palacianos e acoitava-se nas moitas adjacentes ao caminho. Seria o mansinho bichano o seu mais valioso auxiliar, sua estratégia para chegar-se à porta e acionar a aldrava. Devolver o fujão ao

convívio da família real e, ao dar-lhes um fim na aflição das horas de procura em vão, conquistar-lhes o apreço. Faltava apenas ao jovem príncipe o momento oportuno da captura de seu gato de botas.