A MENINA DA BLUSA AZUL

Lembro-me como se fosse hoje. Eu morava numa casinha um pouco afastada do centro da cidade. Ficava próxima de uma rodovia federal e para chegar à escola eu tinha que andar a pé por um caminho paralelo àquela estrada.

No meio daquele caminho havia uma casinha simples onde moravam poucas pessoas e entre elas havia uma menina que também estudava na mesma escola que eu. O nome dela era Lourdes, mas todos a conheciam como Lurdinha. Ela era morena clara, tinha cabelos pretos cacheados, magrinha e tinha jeito delicado.

Naquela época, os uniformes escolares não eram feitos em grandes malharias. Os nossos pais compravam os tecidos e pagavam para as costureiras fazerem. Não existiam processos de pinturas avançados nas cidades pequenas e as costureiras encomendavam dos centros mais avançados os bolsos com o brasão da escola que eram costurados nas camisas. A nossa escola adotava camisa branca e calça azul marinho. As meninas usavam saias azuis, geralmente cheias de pregas e abaixo do joelho.

Lurdinha era uma pré-adolescente, devia ter no máximo uns onze anos. Ela devia ter a mesma idade que eu, mas estava um ano atrasada nos estudos e eu nunca soube a razão. Sob a blusa branca ela costumava usar uma camiseta azul royal. Certamente ela devia usar blusas de outras cores, mas aos meus olhos ela sempre ficava mais linda com aquela blusa azul e até hoje essa é a lembrança que tenho dela.

Eu era uma criança inocente, assim como era a grande maioria das crianças daquela época. Naqueles tempos não existia tanta informação o quanto existe nos dias de hoje. Não tínhamos energia elétrica em nossas casas, nem televisão e nenhum outro recurso tecnológico. Muitas de nossas casas não tinham nem fogão a gás e nossas mães faziam a comida em fogões a lenha. A fumaça da lenha acabava deixando as paredes da cozinha totalmente pretas! Geladeira era um sonho quase impossível e livros e revistas eram artigos de luxo, impossível para quase todas as crianças das pequenas cidades e comunidades rurais.

Sem saber, eu acabava tendo a primeira paixão platônica. Sonhava um dia poder casar com Lurdinha e transformá-la na mãe dos meus filhos, afinal, ela era a mais meiga e doce das meninas que eu conhecia. Nunca ninguém soube do sentimento que eu nutria por aquela menina, nem ela, nem meus amigos. Eu nem sabia direito o sentimento que estava acelerando o coração e ainda levaria mais de uma década para começar a namorar.

Aquele novo sentimento que insistia em inundar meu coraçãozinho de forma alguma atrapalhava meus interesses pelos estudos, pois eu me dedicava ainda mais para ser bem visto pelos professores e para que a minha fama de garoto inteligente chegasse aos ouvidos dela. Eu já era conhecido como um dos melhores desenhistas da escola e nos cadernos de redação só tirava nota dez.

Mesmo transbordando de sentimentos, às vezes eu até evitava contatos mais diretos com a minha pequena deusa, pois eu era muito tímido. A nossa aproximação sempre ocorria quando os nossos coleguinhas em comum nos envolvia nas mesmas brincadeiras.

Depois de alguns meses meus pais mudaram de casa e deixei de percorrer aquela trilha. Logo depois eu senti a falta de Lurdinha na escola e fiquei sabendo através dos colegas que os pais dela foram morar em outra cidade distante dali. Acabava ali uma das motivações para que eu não faltasse um dia na escola nos últimos meses! Doeu muito, mas aquela era apenas a primeira das muitas experiências que viria a ter na vida!

Não tenho menor ideia por onde anda Lurdinha. Nunca tive notícias dela há mais de 30 anos. Só sei que eu segui estudando com muito afinco. Depois da Lurdinha, meu coração foi ocupado por muitas outras paixões, algumas muito mais arrebatadoras, mas nenhuma delas desviou-me do caminho que levaria a realização dos meus sonhos.

Sempre estudando muito, fiz cursos de desenhos, comecei a escrever para grandes jornais e formei-me professor. Muitos anos depois, já formado e empregado, comecei a namorar. Alguns anos depois construí minha família e sou muito feliz.

Acredito que Lurdinha não lembre mais de mim, mas eu nunca consegui esquecer da menina da blusa azul.