EM BUSCA DE UM HERDEIRO

Aquele sábado, 20 dezembro de 1998, amanheceu nublado e cinzento, mesmo assim estavam reunidos na matriz de Dois Morrinhos, uma pequena cidade do Triangulo Mineiro, praticamente toda a população. Havia sido celebrada, nessa Igreja, a missa de sétimo dia de falecimento de Ondina, esposa de Aurélio Junqueira.

A família Junqueira durante muitos e muitos anos, só aceitava casamentos entre os grandes fazendeiros de toda região, desta forma, não permitiam que se infiltrassem na família aventureiros ou caçadores de dotes. Aurélio, que era o único herdeiro vivo de todas essas uniões se tornara o proprietário de tudo o que havia no município. 100% das terras, todas as lojas, indústrias e transportadoras de cargas ou passageiros.

Já se passaram várias horas da celebração, todos os moradores voltados as suas casas, apenas Aurélio permanecia dentro da igreja. Ele encontrava-se em profundo transe, calado, com os olhos marejados de lagrimas refletia e pensava: O que me valeu possuir tanto dinheiro se este não foi capaz de devolver a saúde de minha esposa? Gastei e gastaria tudo o que tenho para vê-la saudável, no entanto, ela se foi, com apenas 45 anos, minha companheira de todas as horas, das alegrias e tristezas partiu e, eu não fui capaz de impedir.

Somente à noitinha, visivelmente desnorteado e sem rumo, voltou para sua casa. Não se alimentou nem se banhou, deitou-se aos soluços e lagrimas e adormeceu.

Já passava do meio dia de domingo e Aurélio ainda pensava levantar-se, mas as cenas do féretro de sua esposa voltavam à sua mente, logo desistiu. Deitado ali sozinho começou lembrar-se de como conheceu sua amada. Havia um transatlântico que anualmente fazia uma viagem com cantores famosos a bordo, navegando por toda costa brasileira. Entre as varias diversões, também promoviam bailes e, foi em um deles que, timidamente, convidou Ondina para dançar. A orquestra tocava “La Mer” de “Ray Coniff”, que acabou se tornando a musica do casal. Depois dessa primeira dança não se separaram mais, a partir dessa noite e até o final do passeio marítimo, eram sempre vistos juntos. Para os românticos seria ou teria sido amor à primeira vista.

Ao retornar a Dois Morrinhos, comentou sobre sua paixão. De imediato sua mãe, única parente viva o alertou: _ Cuidado com isso meu filho! Ela não é de nossa cidade e muito menos de nosso nível social, um compromisso sério com essa moça quebraria a tradição de anos de nossa família.

Dessa forma, mesmo contrariado Aurélio passou namorar Ondina às escondidas. Ela era de Uberlândia, cidade 70 kilómetros distante de Dois Morrinhos. Um ano depois de conhecê-la sua progenitora falece e só ai eles se casam.

Deste profundo amor, nasceu um único filho, a quem deram o nome de Juliano. O menino cresce e torna-se um rapaz facilmente manipulado por amigos interesseiros envolvidos em grandes farras, sempre bancando as extravagâncias do grupo. Um jovem sem responsabilidades, não gostava de trabalhar nutria pelas jovens da cidade enorme desprezo, pois imaginava que estas somente estariam interessadas na fortuna de sua família e não por ele.

Após trinta dias do falecimento de Ondina, nova tragédia cruza o caminho de Aurélio.

Juliano disputava um racha bêbado com os amigos, em plena estrada que ligava a cidade à Brasília, e a 200 quilômetros por hora seu veiculo desgovernado sai da rodovia e capota fora dela.

Socorrido de imediato é levado ao modesto hospital da cidade. Os ferimentos são graves e segundo o medico, há grandes possibilidades do rapaz se tornar tetraplégico.

Aurélio é chamado com urgência, pois o rapaz quer lhe revelar algo importante.

Dentro da UTI. Juliano confidencia ao pai que há na cidade uma moça que diz ter dado a luz a um filho seu. E que, se for verdade, ele pede ao pai que garanta a ela e ao filho uma vida com todo conforto. Em seguida, uma parada cardíaca leva à óbito o jovem de apenas 20 anos de idade.

Aurélio que ainda não havia se recuperado emocionalmente da perda de sua esposa, agora sofria duplamente.

Pouquíssimas pessoas compareceram ao enterro e missa de sétimo dia de Juliano, diferentemente da situação de sua mãe. Ficava claro que a indiferença dele em relação aos demais habitantes da localidade era recíproca, todos pensavam igual, todos o menosprezavam totalmente!

Por cerca de um mês Aurélio não foi visto em parte alguma da cidade, ele se recolhera a seus aposentos. Não se alimentava direito, não se banhava não se preocupava com nada, nem com ninguém. Quando finalmente resolveu sair de seu quarto, mais se parecia com um ermitão, cabelos e barbas enormes.

Secretamente passou a buscar pistas que o levassem a descoberta da moça que teria sido mãe de seu neto.

Não foi fácil localizá-la, ele só sabia seu nome, mas após ampla investigação ele a encontrou.

Iveta era seu nome, tudo fora muito bem investigado, não havia dúvidas, ela era a moça que ele buscava.

Embora ele estivesse contemplando uma moça completamente maltrapilha, sem nenhum tipo de maquiagem, também era inegável sua beleza. Aurélio buscou ser prudente em sua abordagem com ela que se mostrava muito arredia ao iniciar conversa com um homem estranho.

Finalmente, depois de usar sua experiência de vida, e de muitos rodeios, conseguiu perguntar sobre o filho que ela havia dado à luz recentemente.

Com muitas lágrimas nos olhos Iveta narra sua triste trajetória.

_Olha, senhor Aurélio, fui praticamente estuprada por seu filho, eu só tenho 16 anos. Eu era virgem quando Juliano abusou de mim. Quando meu pai descobriu que eu estava grávida me expulsou de casa. Passei todo tempo de minha gestação vivendo na rua e me alimentando da caridade alheia. Por pouco tive meu filho nascendo no meio da rua! Fui socorrida por um casal caridoso estes me levaram para dentro de sua casa. em poucos minutos meu bebê nasceu, mas como minha gravidez não teve nenhum acompanhamento e passando praticamente fome durante esse tempo, a criança nasceu com pouco peso, desnutrida e, aos três dias de vida faleceu.

O bebê foi enterrado aqui no cemitério da cidade por caridade. Não tive nem recurso para dar-lhe um caixão. Por piedade, o coveiro do cemitério me doou uma cova que ele mesmo conseguiu.

Agradeço muito a esse senhor que não me conhecia, dei a luz no quintal de sua casa, nos três dias de vida de meu bebe sua esposa me orientou como fazer com uma criança tão doente. Não sei como foi que ele conseguiu enterrar seu neto, pois nem mesmo a certidão de nascimento tirou já que os meus próprios documentos ficaram na casa de meus pais.

Aurélio volta arrasado para sua casa. Ao se despedir de Iveta, dá a ela uma boa quantia em dinheiro, mesmo estando ela agora trabalhando de serviços domésticos na casa de um casal de idosos, ele, atendendo ao ultimo desejo de seu filho, já iniciava tornar a vida dela mais agradável e confortável possível, apenas faltava a confirmação de que o bebe morto era mesmo o seu neto.

Tratou de descobrir o endereço do coveiro e saber dele onde ele havia enterrado o seu possível neto.

Quando o encontra, percebe que há por parte do funcionário do cemitério grande resistência em apontar o tumulo da criança, mas finalmente mostra onde o enterrou.

Tratava-se do local destinado a sepultar pessoas indigentes, mas mesmo com todas as dificuldades para conseguir um material para fazer DNA do neném, devido a sua grande influencia na cidade, consegue seu intento, pedindo a todos os envolvido grande segredo nisso.

Juliano seu filho falecido havia sido enterrado recentemente, logo, não poderia exumar o corpo sem causar grande alarde na cidade, assim, sabedor que seu próprio sangue bastaria para fazer o DNA, leva o material colhido de seu suposto neto para um laboratório dos mais renomados em Uberlândia.

Dias depois ao receber o resultado, fica mais uma vez depressivo, pois dá negativo o exame. Aquele bebe não era seu neto.

Aurélio tinha pouco mais de 50 anos, mas, quem o visse depois de todos esses infortúnios diria ter no mínimo o dobro disso.

Deixa de cuidar de seus inúmeros negócios, já não saía de sua casa para nada, mas começa a receber muitas visitas.

O pároco da cidade, o prefeito, amigos interesseiros, até deputados e senadores o procuram, contudo ele percebe que todos só estão interessados em angariar um pedaço de sua gigantesca fortuna, pois ele já não tinha um único herdeiro.

Depois de tantas visitas de pessoas interessadas em ganhar um pedaço de uma grande fortuna, finalmente Aurélio recebe a de um amigo de infância. Melhor seria não ter acontecido este fato, pois, da conversa longa entre amigos, onde este se intera do resultado do exame de DNA o amigo em tom jocoso ou por maldade pergunta _ Você já imaginou se Juliano não era seu filho? Apenas assim o resultado seria negativo.

Daquele dia em diante, Aurélio piora e entra mesmo em depressão profunda.

Dois meses depois, já restabelecido, imagina como faria para elucidar essa duvida cruel.

Manda construir no cemitério um enorme túmulo. Queria ele sem chamar atenção de seus objetivos, poderem deslocar o caixão de Juliano da tumba que está enterrado para este, assim, poderia recolher algum material para fazer novo exame, agora com cabelos ou unhas de seu filho e de Iveta.

Contrata pessoas de altíssima confiança para tal fim, não quer de forma alguma que saibam o real motivo de tudo isso.

Novamente encaminha para o mesmo laboratório, tudo o que recolhera, queria estar absolutamente certo de que o resultado não teria duvida alguma.

Quando o resultado chega às suas mãos, atônito lê que realmente aquele bebe não era filho de Juliano, mas agora se tranquiliza com a hipótese maldosa de seu amigo. Sua amada Ondina não o havia traído.

Passados dois anos destes fatos, Aurélio é convidado a dar uma entrevista em uma emissora de TV. A maior do pais. O repórter aprofunda em vários temas entre eles o de o milionário não possuir um único herdeiro para tudo o que juntou em sua vida.

Aurélio acaba por contar a todos o que seu filho no leito de morte havia lhe revelado, mas, lamentavelmente, nada era verdadeiro, mas que ele teria ficado muito, mas muito feliz se tivesse encontrado uma criança que levasse seu sangue para outras gerações.

A entrevista fora de grande audiência. A cidade toda tomara conhecimento que Aurélio gostaria poder ter tido um neto.

No dia seguinte a esta entrevista, Aurélio recebe através de uma jovem moça um bilhete escrito pelo coveiro que havia enterrado o possível seu neto.

Vai ao mesmo hospital em que falecera seu filho, e houve dele uma revelação que mudaria a sua vida.

O coveiro do cemitério de Dois Morrinhos já havia recebido extrema unção e o médico de plantão solicitara a presença de seus familiares para despedirem-se dele, não era provável que ele passasse daquele dia.

Sentindo que de fato não teria muito tempo, resolveu chamar Aurélio.

Falava com muita dificuldade, mas a aflição para revelar seu segredo e aliviar seu coração lhe dava suas derradeiras forças e assim ele começa:

“_Seu Aurélio, fui coveiro em nosso cemitério por 5 décadas. Anos atrás, recolhi em minha casa uma moça de nome Iveta. Ela estava em trabalho de parto no meio do passeio. Sou um homem religioso e temente a Deus, assim resolvi ajudá-la e com auxílio de minha esposa, fizemos o parto do bebê. Por três dias essa criança doente e fraca dava mostras de que não sobreviveria e de fato ela faleceu.

Iveta não tinha a menor condição para arcar com os gastos do enterro, nem mesmo documentos para podermos registrar a criança ela tinha. Assim, esperei anoitecer e como só eu tenho as chaves dos portões do cemitério, embrulhei o neném em um pano velho, e depois de colocar esse pequeno dentro de uma lata velha de óleo, o enterrei nas covas destinadas aos indigentes.

Cobri com terra e ninguém notou que ali havia uma sepultura. Na manhã seguinte fui informado que haveria outro enterro, todos sabiam que apenas aquela cova estava vaga. Desesperado, afundei-a de modos que cobrindo com mais terra ninguém notaria que ela havia sido ocupada.

Sei que o senhor buscou localizar seu neto, tive muito medo em ser preso se revelasse o que fiz assim me calei.

Quando o senhor buscou o que restava da criança, levou o que estava enterrado em cima da lata oculta pela terra.

“Vá até lá, retire o pequeno caixão da cova e encontrará mais embaixo o que busca, dentro da lata de óleo.”

Ao dizer isso, o coveiro inclina a cabeça no travesseiro e fecha os olhos, acabara de falecer.

Aurélio chora copiosamente. Ele havia abandonado a mãe de seu neto e não havia atendido ao último pedido de seu filho. Chegou até a imaginar uma traição quando fez outro DNA para ter certeza do contrário. Um misto de alegria e tristeza envolvia seu semblante, mas o medo lhe invade a alma ao pensar se ainda conseguiria algum material do bebê para um novo DNA.

Um misto de alegria e tristeza envolvia seu semblante, e por fim imagina como irá retirar algo do bebe para um novo DNA dentro da lata de óleo?

Aurélio era o homem mais influente em Dois Morrinhos, sabia que nenhum morador de lá jamais faria ou falaria algo que pudesse denegrir sua imagem. Contudo, muito prudente, solicita autorização do prefeito que havia apoiado nas eleições, para ampliar a área destinada ao enterro de pessoas pobres e ou indigentes. Dessa forma poderia vasculhar o túmulo, recolher material para um novo exame de DNA, sem chamar a atenção.

Rapidamente obteve êxito em seu intento. Uma ansiedade enorme toma corpo nele. Tudo estava se confirmando, ali estava a lata de óleo com o que restara do bebê enterrado. Recolhe o material necessário, junta uma amostra de seu sangue e o que tinha de Juliano. Dois dias depois sai o resultado tão esperado. Era tudo verdade, Ivêta era mesmo a mãe de seu falecido neto.

Ele busca por Iveta, mas ela havia se mudado para Uberlândia. Determinado a localizá-la, ele vai até um canal de televisão onde paga para fazer um comunicado em horário nobre. Revela que seu filho havia deixado um herdeiro para os bens da família, que lamentava profundamente que o bebê tivesse falecido por total falta de recursos financeiros e médicos.

Na manhã seguinte, ao se levantar, nota a presença de quatro moças de aparência humilde, acompanhadas de crianças.

Pergunta a elas o que faziam ali e elas contam a mesma historia que Iveta havia contado. Força bruta, estupro e gravidez.

Desta vez Aurélio acredita em todas. Solicita exames delas e das crianças. Descobre ter quatro netos, todos homens.

Como os meninos tinham de 4 a 5 anos, ele os coloca na escola, quer que todos sejam muito bem educados.

Constrói cinco casas enormes para as mães deles, nesse tempo já havia localizado Iveta.

Organiza uma Fundação que leva seu nome. Por todo o estado, manda construir 30 maternidades gigantescas com atendimento voltado somente às pessoas sem recurso. Banca os estudos de seus netos até a faculdade. Quando já estão formados como Advogado, Médico pediatra, Economista e Engenheiro Agrônomo, ele os coloca como administradores de todos os seus negócios. Quando eles demonstram total competência para gerir os negócios, Aurélio partilha seus bens entre os netos e se recolhe a uma de suas fazendas, de onde desfruta de sua velhice. Só saía de seu refúgio para acompanhar o nascimento de seus bisnetos, foram 16.

Anos depois seus bisnetos fizeram uma linda festa para o funeral de cremação de Aurélio, seu semblante era de serenidade, de quem partia realizado.

Fim

Por Tito Cancian – italianodeoderzo@hotmail.com