Um Alguém - parte III: José Cárdenas

Quando possuía um coração, notabilizou-se pelo fervente desejo de servir. Bem por isso acomodou-se sem resignação no lugarejo em que nasceu.

Ocorre que no fundo de sua cabeça um martelinho batia silencioso e continuamente, instigando-o a partir.

Assim, quando a primavera lançava seus primeiros perfumes sobre as montanhas que cercavam sua terra natal, ele partiu. Cavalgando sua motocicleta saboreou o Uruguai e foi lá que conheceu José Cárdenas.

Cárdenas era um clássico camponês uruguaio. Baixo, gorducho com seu inseparável apetrechos de erva mate. Formaram uma bela dupla de boêmios no nostálgico bar Insurgente. Nas infindáveis noites regradas a álcool, o sábio camponês uruguaio muniu-lhe dos conhecimentos necessários para a vida.

Um dia perguntou ao velho sábio camponês de qual lugar havia extraído tamanha sabedoria. Então ele explicou-lhe a sua participação na luta contra a ditadura uruguaia e seu exílio na Rússia soviética.

Quando pensou que poderia viver para sempre na deliciosa Montevidéu, Cárdenas alertou-o:

- "ahora, mijo, tienes que volver a su tierra e pelear sus propias batallas. Yo ya hice mi parte".

Depois da última noite de bebida em Montevidéu ele regressou. Na volta seu coração ardia de ansiedade em compartilhar os conhecimentos adquiridos em terras alheias. No entanto, uma frase de Cárdenas tirava-lhe o sono:

- “No te olvides de que un día, más cerca de lo que parezca, vendrá alguien y clavar-le-à un puñal en su pecho y llevará consigo su corazón. Cuando eso se pasa, sepas que ya es hora de navegar”.

Quando apontava pela última montanha que dava vista para a terra em que nasceu, avistou ao longe uma galeguinha que entre as roseiras lhe sorria timidamente, com os finos cabelos de mel esvoaçando sob a força dos ventos que batia nas paredes das montanhas e rumavam em direção a cidade.

*Talvez por engano ou por empolgação ocasionada pelo retorno, não tenha percebido que a galeguinha, aquela galeguinha lhe sorria timidamente, estava a colher rosas com um punhal mão.

bily anov
Enviado por bily anov em 06/11/2018
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