O compromisso

[Continuação de "O leilão"]

Yandu, o leiloeiro, anunciou a terceira donzela que iria apresentar-se aos interessados:

- Peço à distinta audiência que receba com palmas nossa próxima postulante... Monireh de Harã!

Nos bastidores, a filha de Irigibel deu uma última olhada para suas restantes colegas de leilão - cerca de 25 moças, variando entre 13 e 22 anos de idade - respirou fundo, armou um sorriso no rosto e subiu os degraus que levavam ao palco. A plateia, composta por uma esmagadora maioria de homens, de todas as classes sociais, prorrompeu em aplausos. Alguns assobiaram.

- Ela é uma beleza, não é? - Incentivou o leiloeiro, pegando a jovem pela mão e a fazendo dar uma voltinha. - Monireh tem 15 anos de idade, e sua mãe teve quatro filhas, o que é uma garantia de fertilidade. Além das tarefas domésticas comuns, as quais sabe desempenhar com maestria, esta jovem também desenvolveu suas habilidades aprendendo a ler e escrever. Com um lance inicial de duas minas, será de grande utilidade para qualquer arrematante que deseje uma esposa capaz de controlar as finanças domésticas!

"Menos as da minha própria família", pensou Monireh com amargura.

O público masculino parecia não estar preparado para tal apresentação. Alguns dos presentes, principalmente das classes mais baixas, a olhavam como se fosse um animal mítico; de qualquer forma, duas minas era um valor muito além de suas possibilidades. Um homem na primeira fila, de cerca de 40 anos e barba negra, vestido como um funcionário de alto escalão do rei, ergueu o braço e dirigiu-se à ela, diretamente.

- Você sabe declamar poesia, menina?

Monireh pensou em responder que escrevia poesia, mas isso talvez soasse arrogante aos possíveis pretendentes.

- Conheço as principais poesias em voga, senhor - respondeu ela, educadamente. - Por exemplo, "Esta noite dormirei tarde" ou "Abraça-me amado, que tenho frio".

O homem a encarou atentamente, antes de voltar-se para o leiloeiro.

- Dou duas minas e dez shekels por ela.

- Duas minas e vinte shekels! - Gritou outro homem, à esquerda do primeiro.

Monireh dirigiu o olhar para lá e notou duas coisas: o homem, provavelmente um grande mercador, era mais velho do que o primeiro licitante; teria talvez 50 anos de idade, cabelos grisalhos e uma calva no alto da cabeça. O segundo fato, este notável, é que estava acompanhado de uma mulher, talvez vinte anos mais jovem do que ele, vestida de modo elegante e com um véu azul sobre os cabelos negros.

- Duas minas e trinta shekels! - Aparteou o funcionário real.

Os dois homens se encararam através da sala. O leiloeiro resolveu intervir.

- Quem vai levar essa beleza do oásis de Harã? Quem me dá duas minas e quarenta shekels por ela?

O mercador e a acompanhante se entreolharam. Ele ergueu o braço.

- Duas minas e... cinquenta shekels!

O funcionário real hesitou. Finalmente, cruzou os braços, desistindo da disputa.

- Arrematada por duas minas e cinquenta shekels! - Exclamou o leiloeiro. - O arrematante queira vir ao palco!

O mercador e sua acompanhante subiram os três degraus à esquerda do tablado. Finalmente, viram-se todos frente à frente pela primeira vez.

- Eu sou Irshusin de Babilônia - apresentou-se o homem, fazendo uma vênia perante Monireh. - E esta é minha esposa, Belatsunat.

- Bem-vinda, segunda esposa - disse a mulher, inclinando-se e beijando-a em ambas as faces.

* * *

Quando foi informado do resultado do leilão, Irigibel mal pôde disfarçar seu contentamento.

- Duas minas e cinquenta shekels! Eu sabia que Monireh não nos falharia!

- Pelo menos sabemos que o noivo é um homem de posses - conformou-se Ia, a mãe. - Mesmo que ela seja apenas a segunda esposa.

- Para uma terceira filha, foi um resultado extraordinário - avaliou Irigibel. - Vou assinar o contrato matrimonial com Irshusin e tentar ver se consigo um adiantamento para bancar a festa de casamento. Afinal, não temos dinheiro nem para isso...

- Se você não sanear suas finanças, vai acabar tendo que leiloar suas outras filhas - observou Ia. - Sem contar que esse Irshusin mora em Babilônia... talvez não vejamos nossa filha tão cedo.

- Eu vou pagar minhas dívidas - prometeu Irigibel. - E quanto à distância, o importante é que Monireh fez um bom casamento.

- Que Inanna a proteja - resignou-se Ia.

* * *

E preparando-se para a festa de casamento, Monireh foi avisada por sua escrava pessoal, Gemeti, que o jovem Ahuni desejava despedir-se dela. O casal encontrou-se num bosque de tâmaras, junto à uma das entradas da cidade de Harã.

- Isto não é um adeus - disse Ahuni, ao se abraçarem.

- Eu estou indo para longe; claro que é um adeus - retrucou a jovem, aflita.

- Eu também vou para Babilônia! - Esclareceu Ahuni. - Arranjei um emprego de escriba do mercador Samsuiluna!

- Oh, Ahuni! Mas serei uma mulher casada... como faremos para nos ver? E se nos pegam juntos, você sabe qual é a pena para adultério?

- Decerto que sei - admitiu Ahuni, fazendo uma careta. - Mas me diga se não ficou satisfeita ao saber que verá ao menos um rosto conhecido em Babilônia...

Monireh sorriu.

- O seu e o de Gemeti, quer dizer - replicou ela.

[Continua em "O preço"]

- [20-11-2018]