Confiança cega

Há espaço ainda na primeira gaveta da cômoda para guardar o resto de roupa que sobrou dele. As únicas lembranças possíveis de serem preservadas por serem as que trouxeram com ele a beleza de seu jeito tímido no seu primeiro encontro. E no sorriso a esperança de que agora daria tudo certo. Daria, se não fosse a sua ligeira e falsa ideia de normalidade das coisas nada normais. Ele nem se deu ao trabalho de esconder seu desconforto ao andar com ela na praça, como se estivesse procurando alguma coisa ou se escondendo de alguém. A princípio parecia cisma dela, cisma de quem não quer ser feliz, que fica arranjando desculpas para boicotar a sua própria felicidade.

__É preciso ser mais forte que isso e espantar toda e qualquer sensação de negativismo, toda!

Os dias iam passando e tudo parecia muito bem, as mensagens trocadas pelos aplicativos nunca falhavam, nunca ficavam sem respostas. Aos poucos toda e qualquer desconfiança ia ficando para traz, já não tinha mais tanta força. A segurança e autoestima elevada eram partes principais das esperanças futuras, e de uma possível união estável. Nada mais atrapalhava. Ela afugentava qualquer tipo de ideia diferente daquela vida que queria. Criou um bloqueio tão forte ao ponto de fingir entender o que tentavam lhe falar, caso não fosse o que realmente quisesse ouvir.

__Medo da vida, não mais! Não mesmo!

Não estava mais a fim de se entregar a solidão ou a qualquer tipo de tristeza por causa dos disse-me-disse dos outros. O que importava era que ele era honesto, educado e muito sincero. Todas as desconfianças desapareceram, foram caminhando rumo ao primeiro ano de namoro, que por coincidência era na mesma semana do seu aniversário, nada mais justo que comemorassem em grande estilo. Procurar um lugar interessante na cidade e irem sem hora para voltar. Ele ainda tinha certa resistência por lugares públicos e bem movimentados, então, sugeriu que fossem num aconchegante restaurante no outro lado da cidade, para ela, tudo certo, já que era o dia deles, nada mais justo que se afastassem um pouco de suas rotinas.

Os seus dias eram cheios demais, trabalhavam muito, às vezes até nos finais de semana. De vez em quando ela trabalhava nos finais de semana, mas ele trabalhava todos. Nunca teve folga nem sábados e nem domingos, por isso os encontros eram sempre na casa dela e somente duas vezes por semana, às terças à noite quando ela chegava mais cedo, e nas quintas à tarde que era sua folga fixa.

Dizem que para quem se quer e quem se ama o importante mesmo é o tempo que conseguem ficar juntos não importa onde e nem como, por isso, não via nada de estranho, nem tinha como ver, todos os sentidos estavam ligeiramente bloqueados para a identificação de qualquer coisa que não quisesse.

Por isso mesmo tudo passou tão rápido, era um relacionamento intenso, sem tantos problemas, não conseguiam de fato se envolverem nem com seus amigos, viviam só para os dois. O tempo era seu vilão, mas também era o maior aliado. O cansaço os privavam da vida social, mas deu momentos de muitas alegrias íntimas.

E, enfim, chega o dia da comemoração, ele se atrasa um pouco e não consegue visualizar suas mensagens, ela acha estranho, mas não liga muito para isso, logo mais ele estará por aqui. As horas foram passando e nada! Nenhum sinal dele, já começava a preocupação quando toca a campainha, no início achou estranho, pois ele tem as chaves da casa, mas pensou que talvez as tivesse esquecido em algum lugar. Saiu correndo para abrir a porta e se deparou com uma linda mulher, elegante e muito segura de si. Identifica-se como a esposa de certo canalha que por algum tempo pensou que a enganava, mas que agora estava em sua casa sem coragem sequer de olhar para ela, diz que veio para conferir com que tipo de rabujo ele se juntara, e que por algum tempo o segurará só para que sofra tudo o que ela determinar, depois o liberará para que ela desfrute do resto do traste, mas por enquanto dele, nem as mensagens.

Maria Jucilene de Moraes
Enviado por Maria Jucilene de Moraes em 01/12/2018
Reeditado em 02/12/2018
Código do texto: T6516365
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