O conto do homem apaixonado

Um certo homem apaixonado morava em um distinto lugar onde não havia água quase nem para beber. Então, ele muito tristonho punha-se o dia todo a chorar, chamando pelo nome dela, enquanto suas lágrimas em abundância escorriam pela face e encharcavam a terra sob seus pés.

E a abundância de suas lágrimas foi tanta que, formou um pequeno riacho que aprendeu descer o serrote onde ele chorava, em direção ao mar, logo ali próximo. Eram raras as vezes em que aquele homem descia até a areia da praia. Passava o dia inteiro alimentando seu choro pela paixão forte que nutria em seu peito pela morena faceira que pouco lhe dava bolas. Mas aquele homem mais entristecido ainda, aumentava a força de seu choro e as lágrimas consequentes abundavam, alimentando o riacho que, de tão pequenino e estreito, não se dava ao luxo de ter sobre si sequer uma pinguela. Mas, as águas salgadas de seus olhos aumentavam a cada dia aquele pequenino riacho prometedor de esperanças.

E o riacho foi até o mar. Lindo encontro. Tragado pelas outras salgadas, se encantou de uma vez por todas. O homem parou de chorar e achou vontade para ir visitar o mar.

Era dezembro, dia 20 do Ano de 2018. Fui pescar no mar e banhar-me. Resolvi andar pelo leito do riacho que havia nascido do meu pranto comprido. Lembrava-me dela, seu perfume escondido em minhas lembranças, seus olhos negros como a noite desluarada. Fui sem pressa até as beiras daquele marzão infindo. Sentei-me na areia morna molhada e pus meu olhar para a infinidade do horizonte. Ali poderia sonhar e, ao menos em sonho, ter Mayar próximo de meu coração.

Mas havia me esquecido que o tempo transforma as pessoas em coisas velhas, às vezes feias, às vezes belas. Com o meu amor ele havia presenteado uma plástica divina. Vi-a em lugar que não me atrevia a nadar e ir apertar suas coxas duras e sentir seu perfume de mulher encantadora. Era fundo. Ela pulava como se sorrisse para meus olhos. Não chorei. O amor me irradiava. Esqueci o riachinho das lágrimas e o tempo passar. A lua saiu, a noite chegou com ela e as escamas de minha bela sereia luziam beijadas pelos raios do luar. O paraíso estava à frente dos meus olhos e meu mundo estava ali, melhorado, alegre. Eu, quase feliz de tudo!

Ouvi seu canto. Ele afirmava meu encantamento e minha paixão arrebatadora por ela. A sereia, era Mayar e eu, o poderoso tecedor de sonhos. Não resisti e chorei de amor. Ela Parou de dar pulos altos e veio até quase à beira do mar, na praia onde continuava sentado a olhá-la. Senti medo que me levasse. Afinal, como podem se amar e viver juntos um pássaro e um peixe?

Olhei para trás, era tarde. Procurei o riachinho das lágrimas e não mais o vi. O que sucedera? Aumentei as lágrimas e me distanciei da praia. Ouvi pela última vez o canto do meu amor a pular nas águas salgadas das lágrimas de Deus, no mar azul.

Levantei-me, peguei nas águas do mar, fiz minha oração, dei adeus ao local onde sabia, ela ainda estaria a observar-me. Dito e feito, acertei. Ela pulou pela última vez. Foi então quando passei a acreditar que por falta de amor, até os rios secam e as sereias morrem.

Voltei para meu casebre em sepulcral silêncio de lágrimas, agora não mais salgadas, mas azedas. Há tempos reflito sobre o amor. A falta de amor. Quem me dera tê-la em meus braços no mais profundo de um mar qualquer que se dispusesse a deixar-nos viver de amor e água. Nem que para isso tivesse que beijar chorando e sorrir entre lágrimas, e meu amor pela sereia fosse eterno.

Todos os dias eu canto de cá e tu não me respondes. Por quê?

E, findo o riacho, minhas lágrimas, apesar de muito mais abundantes, nunca mais encheram o leito do meu pequenino riacho seco. O amor é mesmo tudo o que há de bom. Nada sobrevive sem muito amor.

Que fique a lição de que às vezes, sem as lágrimas fluírem em nossas faces, não podemos encontrar os mares de amor e as sereias encantadas nos sonos dos apaixonados. Jamais me deem lenços. O choro é a via mais fácil de eu chegar ao mar e vê-la sorrir ao cantar a valsa do nosso amor.

Arapiraca, 20/12/2018 17 e 40 horas)

Paulino Vergetti Neto