DE OLHOS FECHADOS – PARTE II

 
 
 
Após terminarem de comer resolveram voltar para o hotel. Já era tarde e ambos estavam cansados. No trajeto de volta, Júlia, por um momento pensou que o hotel poderia ser mais distante, pois assim, poderia ficar mais tempo na companhia de Ricardo que era muito gentil e alegre. Um cara bem bacana! Alguém de quem gostaria de ter como amigo ou até algo mais se sua vida não fosse tão complicada. Entraram no hotel e pegaram o elevador. Sem muitas palavras, se despediram  com um  simples " até amanhã!".
 
 
Ao chegar ao quarto, Ricardo pensou que tivera sorte, pois sua noite acabou sendo muito gostosa. Deveria tê-la convidado para tomarem café juntos, mas não o fez. O que era uma pena, pensou!

 
 
****


 
Ricardo desceu para o café ainda muito cedo, Já era costume levantar muito cedo, mesmo quando estava de férias não conseguia dormir até tarde. Assustou-se quando viu que Júlia já estava à mesa tomando café. Ficou feliz, pois imaginou que ela fosse dormir até tarde.


Aproximou-se da mesa e disse:
 
- Bom dia!
 
- Eu te conheço? Disse Júlia  em tom de brincadeira.
 
- Creio que sim. Por um acaso você não é uma baiana retada que conheci ontem a noite tentando derrubar uma placa?

- Baiana retada! Por acaso nós somos íntimos para você dizer que sou retada? Qual nosso grau de intimidade? Só por que comemos umas fritas juntos?  Engana-se!  Duas pessoas só são íntimas quando dividem a mesma escova de dentes ou comem um Subway se melando toda kkkk.

- kkkkkkkk Ricardo bolou de ri dessa teoria maluca de Júlia!

Sentaram-se na mesma mesa e tomaram café juntos.

- O que você pretende fazer hoje? -  Perguntou Ricardo para Júlia.

- Ainda não sei. Acho que visitar alguns lugares.

- Vamos ao Parque do Ibirapuera?

- Pode ser. Podemos andar de bicicleta.

- Ótimo!

- Te encontro em uma hora.

- Combinado.
 

Ricardo ficou fazendo cera, pois sabia que mulheres costumam demorar para se arrumar. Mas, para sua surpresa quando chegou na recepção do hotel ela já o esperava.

- Você por um acaso achou que ia se casar para demorar tanto?

- Desculpe, mas achei que você fosse demorar.

- Não pense!  Quem pensa não casa!
 
-  Nesse aspecto eu não pensei!  Disse  Ricardo.

 Ele olhou para Júlia e num olhar consternado perguntou-lhe:

- Doeu muito a queda?

- Que queda?

- Essa que fez rasgar sua calça no joelho.

- kkkkkk! Júlia sorriu escandalosamente alto com aquela conversa. Tinha vestido uma calça rasgada no joelho, que nem gostava, mas era a única apropriada para ir ao parque por se mais leve. Não era seu estilo de roupa.

 
Ricardo fez menção de pegarem um táxi, porém, Júlia o convenceu a irem de ônibus.


-Você sabe pegar ônibus aqui? Perguntou-lhe Ricardo.

- Claro que sei. Eu tenho um mapa.

- Um mapa?  Eu não estava preocupado, mas agora estou. Uma mulher com um mapa! Desde quando mulher sabe olhar mapa? Kkkkk.  Estou brincando contigo. Não se zangue.
 
*****
 
Chegando ao Parque  Ibirapuera tiveram que enfrentar uma fila enorme para pegar as bicicleta. Andaram em quase todo o parque, até que resolveram descansar um pouco.  Júlia estava muito cansada, dava para notar que não era muito adepta de praticar esportes.  Ela deitou-se na grama e fitou o céu.


- Já parou para pensar que talvez exista vida fora da terra?  Às vezes penso qual deve ser o motivo de estarmos aqui. Acho que deve ser aprender a amar.

- Hummm. Você tá filosofando ou poetizando? Eu lido com vidas todos os dias e talvez o sentido da vida seja mesmo amar. E continuou:

- Semana passada, um senhor que acompanhei durante anos morreu. Mas, antes de morrer ele disse-me que sentia saudade de tudo que não viveu, que estava arrependido de não ter tentando viver um grande amor, conhecido lugares, ter feito coisas que gostava. 
 
Por um minuto me perguntei o que estou fazendo da minha vida também. Do que terei saudade ou não.

- Se não fosse médico o que você seria?

- Não sei. Eu amo o que faço. E você?

- Não sei. Queria ter  sido escritora.  Gostava de escrever quando criança. Meu pai escrevia muito e era escultor.  Veio para São Paulo tentar a sorte como artista, mas não deu certo.  Herdei dele o dom.  Ainda hoje escrevo algumas besteiras e faço objetos de decoração.  Faço um trabalho junto a uma ONG que busca tirar meninos das ruas ensinando-os a fazer arte. Ensino técnicas para fazerem objetos com material reciclado para designer de interiores.

- Puxa! Legal isso.

- Hummm. Você poderia me ajudar com uma coisa! - Disse Ricardo.  Eu tenho uma apresentação hoje. Confesso que  sou inseguro para falar em público. Já fiz e refiz minha apresentação mil vezes. Uns colegas deram uma olhada, mas eu mesmo não gostei.  Acho que você poderia  revisar comigo, se você que não é da área gostar, significa que a plateia poderá gostar e entender  alguma coisa. É que falarei para pessoas de diferentes áreas.

- Terei imenso prazer!

- Ótimo. No hotel veremos isso.
 
 Nesse momento, Júlia saiu pulando e gritando, se batendo toda. -Ricardo percebeu que ela tinha sentando num oeiro de formigas e foi ajudá-la. Depois que conseguiram se livrar das formigas  ela começou a sorrir.
 
- Te disse que sou desastrada. Com mil lugares para sentar, onde fui sentar? No oeiro de formigas. Sorte que já tenho couro grosso!
 

-  Ainda bem que não te feriram.  Disse Ricardo, já menos preocupado. - Júlia, você tem filhos? É casada?

- Sim. Tenho um filho. Sou separada.  Acho melhor irmos.

- É  verdade. O clima tá quente. Você pode se desidratar.

- Você tá de sacanagem comigo, né? Eu vim da Bahia. Temos um sol  de dá inveja  ao próprio sol e você vem me falar que está quente com 20 graus?
 
 
 
Voltaram para o hotel.

 
*****

A tarde transcorreu normalmente. Após o almoço, Júlia foi até  o quarto de Ricardo para treinarem o discurso. Ao entrar levou um susto!

- Passou um furacão por aqui?

- Não. Desculpe-me. A camareira não veio arrumar. E eu sou desorganizado no aspecto pessoa, diferentemente do que sou no ambiente de trabalho.
 

Ela observou que tinha roupa e calçado para todo lado. Até as cuecas estavam soltas jogadas num canto. Sorriu pensando que homem é tudo igual, só muda de endereço.
 
Ela corrigiu o discurso de Ricardo e discutiram os pontos chaves. Percebeu que ele sabia muito sobre o assunto, porém, o  discurso estava mal redigido e com argumentos truncados. Depois de alguns reparos fluiu muito bem, além disso,  aos poucos ele foi ganhando confiança. Percebeu que era um homem muito inteligente, mas inseguro.


 
Ricardo estava admirado  do quanto ela tinha facilidade com as palavras. E, enquanto  olhavam uma abóboda do prédio ao lado  sentiu vontade de tirar uma mecha de cabelo que caia imprudentemente  desalinhada sobre sua face. Mas, conteve o impulso porque ela poderia entender mal e tudo que ele menos queria era perder sua amizade. Tinha encontrado uma pessoa em que pela primeira vez não tinha medo de ser ele mesmo. De mostrar seu medo em falar em público ou,  que o tenha feito sorrir tanto  quanto ela o fez em menos de 24 horas.  Mas, percebeu que ela era enigmática, não sabia o porquê, mas daria tempo ao tempo.

 
- Júlia, você quer ir comigo à palestra?

- Eu? Não sei. Posso?

- Sim. Irá como minha acompanhante.

 
- Certo.

 
 
******

A palestra foi um sucesso. Ricardo se saiu muito bem.  Por diversas vezes chegou a olhar para Júlia e sorrir. Após o  evento foi muito elogiado por todos. Sempre a apresentava como uma amiga, após o evento saíram com um grupo  de colegas para jantar.
 
 
- Célio, que já conhecia Ricardo fez muitas perguntas à Júlia. Ela percebeu que ele pensava que eles estavam tendo algo. E, ficou mais convencido disso quando ela comentou que estavam no mesmo hotel. Em algum momento, jogou algumas indiretas e,  ao final,  já um pouco bêbado,  acabou dizendo algo que deixou –a ressabiada.


- Ricardo! Você tirou a  sorte grande! - Disse Célio.  Achou uma mulher simpática e inteligente. Queria roubar a cena essa noite,  nunca o vi fazer um discurso com tanta paixão. Parecia que  tinha a plateia nas mãos. Com certeza foi um discurso para impressionar Júlia!  Ela é como as outras.

 
Júlia ia dizer algo, mas nesse momento seu celular tocou e ela se afastou para atender.


Ao retornar estava tensa. Ricardo percebeu que alguma coisa tinha acontecido porque ela ficou alheia às conversa na mesa.
 
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 No trajeto de volta ao hotel. Júlia permaneceu calada.

- Júlia, espero que não leve a sério as bobagem do Célio. Ele quando bebe fala besteira. Não se preocupe que em nenhum momento dei a entender que houvesse algo entre a gente.  Ele é idiota, mas um cara do bem. Aconteceu alguma coisa com sua família? Depois do telefonema você ficou tensa.

- Não, claro que não.

- Ricardo percebeu que ela estava se segurando para não chorar.  Sentiu vontade de abraçá-la e dizer que ficaria tudo bem, mas sequer sabia do que se tratava e além disso, não eram íntimos.

 
Pegaram o elevador e num  impulso Ricardo a abraçou e ela retribuiu ao abraço com um caloroso aperto. Quando foi beijá-la a porta se abriu e ela  encostou –se em seu ombro. Quando chegou ao andar dela, Ricardo pensou em  descer também, mas,  não sabia como agir com aquela mulher. Não soube o que fazer e  permaneceu no elevador.

 
*****

 
Rolou na cama abraçado ao travesseiro. Queria que Júlia estivesse ali. Queria por mais um instante senti-la junto a si. Como queria poder pegá-la nos braços, protegê-la e, nesse instante, percebeu que sentia imenso desejo por ela.


 
Ricardo não conseguia dormir. Deveria ter descido, pensava!  Assim, após pensar muito chegou à conclusão que pediria um vinho e iria até o quarto de Júlia. No fundo estava louco para tê-la. Queria beijá-la e fazer amor com ela mais que tudo. Percebeu que queria isso desde o primeiro momento. Por outro lado, poderia estragar um bela amizade que estava nascendo. Mas a queria! Tinha que deixar de lado a prudência e arriscar.


Ligou para a recepção e pediu um vinho com  duas taças. Sim. Estava decidido. Iria até o quarto de Júlia. Enquanto  aguardafva o vinho, pensava em tudo que poderia dizer quando chegasse  ao quarto dela.
 
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Minutos depois a campainha tocou. Percebeu que  não tinha sequer se vestido, ainda estava enrolado na toalha, mesmo assim, abriu só uma fresta da porta para receber o vinho. Ao abri-la Julia  estava em sua frente com uma garrafa de vinho e duas taças.









Imagem do Paque Ibirapuera  retirado do  google.