Campo de Batalha

Então era a hora de partir. Ir, voltar. Começar, recomeçar, finalizar. Como simples verbos possuem a capacidade de se transformarem em atitudes questionáveis, ou dignas de aplausos. Deixou que a porta batesse logo atrás, e não virou o rosto. Não encarou quem estava por trás do vidro e da cortina da janela, bem como não encarou a realidade. Sabia que seria a última vez que avistaria aquele lugar, aquela pessoa, e, principalmente, que teria os últimos sentimentos que a tornavam uma pessoa melhor.

Despediu-se de sua vida. Deu adeus ao amor, porque para ela, o medo de amar era maior que a dor que poderia sentir caso o amor não fosse correspondido. Mas, pelo menos, ao amar, ela sentia. Não era uma mera carcaça que tentava permanecer forte enquanto tudo ao seu redor desmoronava e ela sentia não ter ninguém por perto, como era o que aparentava estar acontecendo.

Abaixou a cabeça e sussurrou algumas palavras, como uma prece muda. Fechou os olhos, para permitir que algumas lágrimas escorressem por seu rosto pálido e que indicava que a beleza residia ali até pouco tempo, e logo os abriu, para enxergar a longa estrada à sua frente. O asfalto era extenso e quente. Tinha muito a caminhar e pouco tempo.

Como é pequena a alma humana. Prefere lamentar-se dos tratos que recebe e morder a mão que alimenta ao invés de trocar papéis. Deixar-se morder ocasionalmente, ou ainda, tratar de uma forma diferenciada e encarar os fatos com outros olhos. Com os dos sonhos. Não da realidade. O desprezo é amante do silêncio. Ele prospera na escuridão, e, querendo ou não, era o que ela enxergava. O lado negro. A solidão. A indiferença. Fez escolhas e não poderia se arrepender agora.

Horas de caminhada fizeram-na parar em um hotel barato. Jogou a mochila em um canto de um quarto medíocre, e tomou um banho gelado no minúsculo banheiro. Jogou-se na cama, sentindo dor nas costas, e ficou deitada por longas horas ali, trajada com um vestido preto e o cabelo perfeitamente alinhado a seus ombros. De olhos fechados, refletia. Uma flor que morre lentamente, com o doce da vida tornando-se intocável para ela. Dependente da escuridão, da fraqueza, da tristeza e do comodismo, por acreditar que a situação era irreversível, ela desistiu. Seu último suspiro, melancólico e aliviado, mostrou que suas súplicas foram atendidas. Nenhuma dor. Despediu. Renunciou. Desistiu. Acabou.

Do outro lado do vidro, alguém passava madrugada adentro a observar o movimento da rua. Nenhuma luz indicava o retorno dela. Nenhum vestígio pelo caminho traçado. Quando parou de verificar, uma carta chegou. O papel amarelo e antigo continha manchas – provavelmente, de lágrimas deixadas e mudas naquele momento – e uma revelação: Agonizava a todo instante, sem morrer em um só golpe. A vida se transformou em morte. Ninguém sabia, somente ela. E isso bastava. Buscou carregar o sofrimento destes ‘ninguém’ nas costas por suportar bem e saber como é a dor. Já havia experimentado de tantas maneiras… Realidade. Sonho. Desistiu. Acabou.