Vamos casar
 
Corria o ano de 1973, na aldeia de Alinhar, um recanto maravilhoso embutido num vale verdejante, bem perto da raia espanhola. Era, exatamente, nesse vale, que jazia encostada ao Monte Alegre, a casa de Constança, uma moçoila trigueira, nada magrela, de estatura média; dona de uns olhos castanho-esverdeado que pareciam abarcar o mundo e um sorriso, ora leve ora tão intenso, que iluminava o dia de quem com ela tivesse o privilégio de se cruzar. A vivacidade que ostentava no corpo e na alma, assentavam de forma matemática nos seus 21 anos. Um pouco roliça, coxas bem delineadas; uma boca sensual, de lábios polpudos e fogosos e uns cabelos pretos azeviche que completavam o conjunto.
Era um autêntico vulcão, tal Etna adormecido às vezes. Triângulo, não de bermudas, mas de vestido floral, recatadamente transparente. Ei-la num caminhar doce, pés levitando no caminho ao sabor do vento, que pecaminoso vai mostrando as pernas bem desenhadas, arregaçando o tecido que lhe descobre os seios…denunciando um cenário inocentemente apetitoso.
Constança era o sonho de uma grande fatia dos solteiros da terra, uma extensa lista completada por alguns, bastantes machos, independentemente do seu estado civil, quer da aldeia, quer dos arrabaldes. Consta-se que o desejo de a fazerem sua era tal, que só de a verem e se imaginarem com ela, já salivavam.
Que as mulheres do sítio, solteiras e casadas a invejam, é sabido, mas as casadas, essas, roídas também pelo ciúme, viviam num completo desatino, armadas em polícias dos consortes. Mas a pura verdade, a mais pura das verdades é que, esta menina mulher, não se exibia, propositadamente,  a nenhum homem que não fosse Tomé, o seu conversado, seu amor primeiro; os outros eram cartas de um baralho esquecido, paixonetas inconsequentes aspergidas apenas por um ou outro beijo pouco húmido e algum amasso, tido como involuntário.
Tomé, ligeiramente mais velho, um rapagão de 23 anos, 1,78 m com sangue na guelra como sói dizer-se, assentava que nem uma luva no 1.65m da sua bem-amada, Constança, ambos na esperançada procura de um encaixe anatómico plausível. Tomé era sem sombra de dúvidas um galã: de olhos castanhos amendoados, de uma doçura anestesiante. músculos trabalhados, carimbo do seu labor no campo. O seu andar gingão era de masculinidade indiscutível, no entanto, e apesar da procura, o garboso donzel só masturbava as ideias com a menina dos seus olhos, Tâncinha, como ele carinhosamente gostava de a tratar, mas que de tansa nada tinha.
A casa onde vivia Tomé não distava muito da dela, mas os seus melhores encontros, eram aqueles que se davam longe da casa dos dois, quando Constança levava o gado a pastar e Tomé aparecia de “surpresa”, na mira não propositada de lhe roubar o seu melhor troféu – a virgindade –. Quiçá, poderia dar-se o caso de sobrar um pouco da dita, para degustar no dia do enlace, o selo exigível por mentes tão ciosas quanto ignorantes.
Juntos faiscavam e rebolando na tenra relva, esquecidos do mundo e do gado trocavam carícias urdidas num momento de sã loucura pedidos da mente ao corpo que desesperava pela espera, uma espera altamente perigosa à luz dos   ensinamentos cristãos. Do gado, já nenhum dos dois se lembrava, e a horta servia-lhes de pasto nestes momentos que aos dois deixavam claramente hipnotizados: nas bocas, já nada sobrava, e as mãos de Tomé e Constança confundiam-se em constante conflito, num dedilhar de corpos apetecidos e  um batelada de ideias pouco confessáveis, que não poderiam esperar pela bênção de Deus… Carnes acesas clamando por um “bom pecado” que não se permitiam tamanha demora.
Perdidos entre o ardor do sol e o fresco da erva bordada de leitugas e  sem mais delongas, os pombinhos deram asas à luxúria e numa entrega digna de um filme Hollywoodesco somaram carnes, dividiram  prazeres e diminuíram remorsos, numa atitude insanamente repetida durante a refrega amorosa em que se viram envolvidos e em que se multiplicaram as obscenidades sussurradas e os gemidos raucitroantes. E, foi neste ambiente sexualmente frenético, entre lágrimas, sorrisos, muito amasso e humos pouco confessáveis…que nada tinham a ver com as leitugas nem tampouco com a erva que lhes serviu de leito e onde ambos trocaram juras de amor eterno e selaram a promessa de casamento.
                                                                                                                                  Lúcia Ribeiro
                                                                                                                            
                                                                                                                       Lucibei@prosa
                                                                                                                 @direitos reservados
 
Lucibei
Enviado por Lucibei em 05/02/2019
Reeditado em 07/02/2019
Código do texto: T6567890
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