A Paixão de Samantha
 
Samantha e Marina eram duas amigas que moravam na mesma rua. Tinham muita coisa em comum a idade era uma delas, a segunda era viúva há poucos anos e a primeira... bem, esse estado civil... vamos deixar para o final. Você vai saber.

Sempre as cinco da tarde elas se encontravam à frente da casa de Marina. Colocavam duas lindas cadeiras de balanço sob uma pomposa mangueira tomavam chá com biscoitos e ficavam ali tricotando os mais diversos assuntos da vida. Para os outros vizinhos elas eram a rádio local, pois sabiam de tudo da vida dos outros, entretanto de suas próprias vidas, principalmente do passado, não falavam nada, um certo código de ética adotado por elas.

Mas para quem é do ramo sabe que segredo é um pintinho que anda doido para sair do ovo, basta apenas a temperatura certa no ninho adequado. E foi assim, certo dia Marina quebrou a regra e falou da sua vida com seu ex-marido o já finado, Antóvolam Crisaldo (que nome, eu hein!), pois bem; contou tudo, uma história emocionante que levou a amiga as lágrimas; mas com uma obrigação de também falar do seu principal romance, coisa que Samantha a embromava e vivia sempre postergando. Até um dia que Marina a encostou na parede e ameaçou romper a amizade.

Samantha era uma fogosa mulher, vivia rindo de tudo, até mesmo de sua própria sorte e das coisas desagradáveis que acontecia consigo para ela não havia tempo ruim, talvez por isso não quisesse falar de coisas que provavelmente lhe modificassem o humor, mas cedeu para a amiga e buscou uma maneira alegre de lhe contar a história que ela queria ouvir. Falou-lhe olhando bem nos seus olhos: - Sempre que penso nisso me lembro de uma música do Amado Batista; e cantou um pouquinho para amiga.

(...)
Eu tive um amor
Amor tão bonito
Daqueles que marcam
Com sabor de saudade
(...)
 
E rindo prosseguiu: - Ah, eu amei demais e como sofri por aquele amor, ele tinha o estigma da paixão, tudo nele exalava encanto. - Você é brega mesmo - disse Marina. - Você não tem ideia o quanto, prosseguiu Samantha, mas já fui pior, gostávamos de dançar, embora ele não fosse um exímio dançarino, mas fazia os meus gostos e sempre íamos ao clube, lá tocavam músicas de todos os gostos e nós aproveitávamos o máximo quando tocavam boleros, este era o ritmo que mais nos atraia. Ele me falava de amor em pleno salão quando saíamos dali estávamos num fogo incrível e a noite terminava sempre ardente. - E como você o conheceu, perguntou Marina.
 
- Pois é, continuou Samantha – eu estava fragilizada há poucos dias tinha terminado meu casamento; emendando a conversa falou: - eu deflagrei uma traição e fiz o que nunca imaginei que faria a uma pessoa dei uma surra na coitada da mulher... Marina a olhou assustada, Samantha elevou os pensamentos abrandou a voz e falou o que estava pensando: - Talvez hoje não faria o que fiz – alertou-se como num susto e prosseguiu: - Mas tudo bem deixa essa parte pra lá; na verdade não éramos casados, mas vivíamos juntos já há algum tempo, tivemos um filho.
 
Prosseguiu: - Eu vivia agoniada tentando me estabelecer num emprego, também tinha acabado de entrar para a mesma repartição que ele trabalhava, era um órgão do Governo e em nenhum momento pensei que ali alguém se interessasse por mim, pois havia uma proibição que funcionários não podiam se relacionar com outros sob pena de demissão. 
 
- Pior de tudo Marina, ele era casado, mas como todos, que se encontram nessa situação; reclamava da vida que levava com a mulher, dizia que buscava encontrar a sua outra metade e sabia que não era a que tinha em casa. Mas de uma coisa estou certa a sua insistência, fez com que eu conhecesse de fato uma paixão que até hoje arde em mim, tentei evitar de todas as formas, mas não deu, terminei cedendo, ele realmente não desistia.
 
Sempre na hora da saída ele me procurava e eu sempre me esquivava, foi assim por várias vezes; a mais hilária foi a de uma tarde, a Repartição tinha duas portas de entrada e saída em ruas diferentes, eu estava muita aborrecida com alguns acontecimentos no departamento e ele insistindo em me levar pra casa, foi então que pedi para que me esperasse numa das saídas e eu saí pela outra, passaram-se mais de meia hora, ele então telefonou e eu atendi dizendo que também estava a sua espera até aquele momento na outra saída e o convenci que ele havia entendido errado o local, por isso resolvi ir embora e tomar o ônibus, mas ele não desistiu, pediu para que eu descesse na próxima parada que me encontraria, foi então que o fiz percorrer várias paradas e sempre que ele chegava numa eu dizia que o ônibus não havia parado, fiz isso por três vezes, então ele desistiu.
 
No dia seguinte minha consciência pesou, ele me ligou com o mesmo pedido, então aceitei que me levasse em casa, já no carro ele me convidou para que tomássemos alguma coisa. - O que você acha de tomarmos uma água de coco aqui perto depois eu a deixo em casa. Respondi: - Tudo bem, eu não tenho mesmo muita coisa a fazer em casa senão lavar minhas roupas e arrumar a casa eu confesso que hoje o dia foi puxado, mas apenas isso, por favor. Ele me disse: - Está bom, somente a água, não se preocupe, faremos assim mesmo, mas relaxe se preferir pode escolher uma música. Respondi-lhe: - Estava observando, seus gostos de músicas são parecidos com os meus, vamos deixar acontecer, para mim tá bom, estou gostando. - Que bom! Ele falou.
 
E assim seguimos ele ria de tudo que eu falava e aos poucos fui me soltando, entre um riso e outro ele me disse que meu sorriso era lindo e a minha gargalhada mais ainda, disse também que há tempos não ria assim.
 
Tudo aquilo me cativou, ele demonstrou muito carinho em tudo que eu fazia e falava; tomamos a água de coco e continuamos passeando de carro, a estrada estava deserta e a tarde caia deslumbrante; por entre as árvores podíamos ver o sol se pondo, os raios brilhavam em nós e certa magia estava acontecendo, o carro corria mansamente e a música envolvente parecia ter sido escolhida para aquele momento, notei outra coisa que tínhamos em comum, gostávamos daquela mesma hora de todos os dias.
 
Já escurecia então ele me lembrou de voltarmos, dizendo que se preocupava com a minha mãe pelo fato de ela não ter sido avisada que eu chegaria mais tarde, fora do horário habitual, também aquilo me agradou, achei que se preocupava comigo.
 
Depois disso era eu que o esperava e o meu dia se completava a cada tarde, passeávamos, ouvíamos músicas e conversávamos sobre tudo, ao final estávamos bem relaxados e cansados de tanto ri, ele me deixava em casa e eu ficava pensando em tudo que tinha ocorrido e quando me pediria um beijo, suas atitudes eram de extremo respeito, embora às vezes eu o surpreendesse me olhando como menino pidão.
 
Numa certa tarde teríamos reunião na Repartição e dali sairia inevitavelmente sob a vista dos outros, nossos encontros furtivos já era do conhecimento de alguns colegas, mas sempre me saia dizendo que éramos apenas bons amigos e que todos sabiam por conta do regulamento nada além daquilo poderia ocorrer entre nós.
 
Mas nesta tarde quase noite tudo foi diferente, caia uma chuva fina e o tempo estava muito propicio para um Chopp, então ele me convidou para tomarmos algo diferente que suco e agua de coco, e também perguntou se poderia escolher o local, sabíamos que não podíamos esperar mais nada, nossos desejos estavam à flor da pele, eu disse que sim, mas curiosa perguntei: - como é o local que você quer me levar?! Ele então respondeu: - é muito agradável, podemos ouvir nossas músicas, tomar uma boa bebida, Chopp, uísque o que você desejar, também teremos uma boa comida e se você tiver fé até as estrelas poderá ver.
 
Eu sorri um tanto desconfiada, mas acreditei, embora com um pé atrás sobre as estrelas, afinal a noite estava chuvosa e pouco se via o céu, somente nuvens carregadas prometendo um forte temporal. Foi assim que conheci com ele o primeiro motel cinco estrelas da cidade, nos amamos sob o som de nossas músicas prediletas acompanhadas de um bom vinho, tudo como ele havia afirmado, somente as estrelas eu não as vi materialmente, mas posso jurar que estive nelas por várias vezes.
 
Marina que a tudo ouvia nada dizia, mas lá com seus botões pensava: - Você hein, bandida, fazendo a mesma coisa que a outra lhe fez. Samantha pareceu adivinhar os seus pensamentos e ponderou: - Ocorre minha amiga que toda aquela situação estava me destruindo por dentro, afinal estava ocorrendo comigo o que você provavelmente já deduziu. Então resolvi tomar uma atitude. Ele há dias vinha me enrolando na decisão de ficar comigo ou com a tal mulher a quem dizia viver mal com ela, e desconfiava de sua fidelidade. Eles não tinham filhos.
 
Marina respirou forte e perguntou da amiga: - E o que você fez, posso saber?! Claro assentiu Samantha e com voz macabra prosseguiu: - eu marquei o que seria para nós o último encontro, fiz questão que fosse no mesmo motel que fomos pela primeira vez, arrumei minha arma, vesti-me bem sensual e fui encontrá-lo. Marina empalideceu e pensou: - Meu Deus o que essa louca vai me contar, pensou em parar a conversa por ali, mas tomou coragem e continuou escutando, verteu um bom gole de chá pôs a mão na boca segurando o queixo e acautelou-se.
 
Samantha com a mesma voz e apertando os lábios prosseguiu: - chegamos no motel eu despi-me por completo e fiquei a frente do espelho, mostrei-lhe minha arma; ele ficou sem palavras e tentou me abraçar eu o afastei e perguntei: - qual é sua resposta de hoje não passa. Nesse instante a camareira bateu a porta eu me assustei e um estrondo forte se ouviu. Marina quase caiu da cadeira e amarela exclamou! – Você o matou?!
 
Samantha desabou numa gargalhada: - Claro que não sua boba e olhou rumo à sua casa, ele está ali oh, e continua aqui no meu coração. Marina ainda gelada perguntou: - e arma e o estrondo?! Samantha respondeu: - a arma era meu corpo o estrondo foi um transformador de luz que estourou.
 
Marina trocou o chá por água gelada parecia extasiada com aquela história. Olhou levemente para a casa da amiga e em pausadas palavras perguntou: Essa é sua história com o Rubião seu marido? Samantha disse: Sim, casamos pouco tempo depois.

Marina levantou-se passou a mão entre os cabelos da amiga e suavemente, demonstrando compaixão fez outra pergunta: - E a ex dele? Samantha respondeu: - Você não vai acreditar eles se separaram era a mulher a quem eu havia dado uma surra.

 
As duas continuam tricotando. Quanto a história de Marina e da ex que apanhou... bem, isso é pra outra hora.
 
 
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Antônio Souza

 
Música: https://youtu.be/2uaIZK0k7eg
Fábio Júnior – Desejos e Delírios
 
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