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Fernandes chegou ao chalé por volta das 20 horas, antes de Marilyn e estacionou o carro numa área coberta e afastada da recepção, pois não queria correr o risco de ter o seu automóvel reconhecido por alguém. Tendo tomado esta precaução, ele seguiu rapidamente para a recepção.

- Boa noite – disse ele à recepcionista, enquanto ajeitava melhor os óculos estilo bossa nova, sobre o rosto.


- Em que posso ajudá-lo, senhor...?
 
- Nakao, David Nakao – disse Fernandes, secamente.
 
A recepcionista olhou-o com desconfiança, pois era muito comum que clientes usassem nomes falsos ao se registrarem no estabelecimento. Sim, embora não pudesse provar nada, estava na cara que esse homem não se chamava David Nakao já que mesmo de óculos escuros, era visível que não tinha nenhum traço de oriental.
 
David Nakao... – bem morosamente, ela disse olhando seu livro de registros – quando foi que o senhor fez a reserva?
 
- Na verdade, foi minha mulher que fez a reserva, creio que ontem.
 
- Ah, sim! Aqui está. Ela nos ligou e fez a reserva em nome de David e Marilyn Nakao.
 
- Isto mesmo.
 
- Muito bem, já foi feito o pagamento, um depósito em conta e o comprovante foi enviado por fax. Tudo certo - disse a recepcionista pegando a chave no quadro à sua esquerda – aqui está: chalé 14, bloco quatro. O senhor encontrará toalhas limpas sobre a cama e no frigobar tem água e refrigerantes. Se precisarem de bebidas alcoólicas, peça ao serviço de quarto.
 
- Obrigado.
 
- Siga em frente até a segunda rua, vire à direita e encontrará o seu chalé.
 
Fernandes balançou a cabeça para afirmar que havia entendido.
 
Estando no quarto, ele colocou a pasta e o blazer sobre o sofá de dois lugares que havia no recinto. Embora não houvesse nenhuma parede dividindo o espaço, a disposição dos móveis formava dois ambientes distintos: quarto e saleta com TV, uma mesa com duas cadeiras e o sofá.
 
Numa rápida avaliação, ele constatou que o ambiente não era nada luxuoso, ao contrário, tudo ali era meio rústico e modesto, porém limpo, discreto e agradável. Olhando as horas, viu que ainda tinha tempo para um rápido banho antes que Marilyn chegasse, assim, pegou uma das toalhas e foi para o banheiro. Mal tinha desligado o chuveiro quando ouviu alguém batendo à porta.
 
- Um momento! gritou ele, enxugando-se rapidamente
 
A insistência do chamado fez com que ele se enrolasse na toalha e fosse atender do jeito que estava. Quando abriu a porta, viu que Marilyn trazia um champanhe, duas taças e morangos.
 
- Humm!... Que delícia! – disse ela, com um olhar malicioso - Se eu soubesse que você iria chegar mais cedo, teria vindo mais depressa.
 
- O julgamento terminou antes do esperado e eu aproveitei para vir direto para cá.
 
Marilyn entrou e o beijou.
 
- Que homem mais cheiroso! – disse ela, ao sentir o aroma de shampoo e de sabonete – assim eu não resisto nem mais um segundo.
 
Enquanto Fernandes fechava a porta, ela pôs o champanhe e as taças no chão mesmo e, feito adolescente, pulou nos braços de Fernandes. Com beijos voluptuosos, ele a levou para cama e, sem medo e sem pudor, ambos se entregaram ao prazer. Após terem saciado seus desejos, ela deitou a cabeça sobre o peito dele e, ofegantes, ficaram ali sem nada dizer.
 
Marilyn permaneceu acordada com os seus pensamentos. Ao perceber que Fernandes já dormia, ela se levantou devagar para não o acordar, pegou as toalhas e foi para o banheiro. Meio desarvorada, Marilyn sentou no vaso apoiando os cotovelos sobre as pernas e envolvendo o rosto com as mãos.
 
Ela não sabia bem o que estava lhe acontecendo. Eram deliciosos os momentos de prazer com Fernandes, contudo, passado o frenesi inicial só restava um vazio e aquela sensação estranha de estar suja e precisando lavar-se quase imediatamente para sentir-se limpa novamente. Dirigiu-se ao box, abriu o chuveiro no máximo e deixou a água ir caindo sobre o corpo por muito tempo na vã esperança de que ela levasse pelo ralo a sensação ruim que estava sentindo.
 
Com os olhos fechados, Marilyn voava em pensamentos; relembrou como era feliz antes de conhecer David, um marido que não ligava para ela, que passava as noites sabe-se lá aonde e com quem! E agora estava ela ali, vivendo também uma vida da qual não sentia o menor orgulho, contentando-se em passar alguns momentos roubados na companhia de um homem casado somente para satisfazer seus desejos de mulher. Não, não dava mais para levar aquela vida e ela teria que pôr um fim em tudo aquilo. Quanto mais pensava na mulher e no filhinho dele, mais percebia que tinha que tomar uma atitude mais acertada e digna.
 
Num ato de comiseração, ela se ensaboou vigorosamente como se o corpo estivesse impregnado por grossa camada de lama, depois voltou ao quarto, vestiu sua roupa e viu que Fernandes ainda dormia profundamente. Não queria mais estar ali e precisava sair para o ar fresco de fora, porém não podia simplesmente sair sem deixar alguma explicação. Pegou a caneta e a sua elegante agenda, arrancou uma página e escreveu um bilhete:
 
Querido,
 
Foi muito bom ter estado com você esse tempo todo, mas não posso mais fazer isso. Não se sinta ofendido: eu nunca menti e, desde o começo dos nossos encontros casuais, ficou bem claro para ambos que temos mesmo uma forte atração sexual... Você tem uma bela família, um filhinho, e eu tenho um marido, - ausente, verdade seja dita -, mas lembre-se que combinamos não haver ressentimentos no final.

Hoje decidi que quero voltar a viver uma vida diferente, buscar a felicidade que não encontrei nem com você nem com meu marido. Também vejo em seu olhar que já não há mais aquele fascínio inicial e quando passa o fogaréu do momento fica-nos apenas um vazio e o sentimento de culpa - eu não o culpo por se sentir assim... eu me sinto da mesma forma. Na verdade, creio que nós temos mais em comum do que imaginávamos, pois somos seres meio românticos, acreditamos num amor verdadeiro e não sabemos amar outro ser senão aquele que já havíamos escolhido para dividir nossa vida.

Por ora, estou indo passar o fim de semana na casa de meus pais, em Araraquara. Quando voltar, eu ligarei e conversaremos melhor.
 
Com carinho, Marilyn.
 
 
Terminando, ela colocou o bilhete sobre a mesa e encaminhou-se para a porta e, ao fechá-la atrás de si, sentiu um pequeno tremor de emoção percorrer seu corpo. Algumas lágrimas rolaram em sua face, mas logo ela se controlou e, enxugando-as, colocou os óculos escuros. Depois, com um passo bem firme seguiu para o seu carro.


 
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Fernandes acordou, olhou ao seu lado e viu que Marilyn não estava na cama e que a luz do banheiro estava apagada. Surpreso, ele se sentou na cama e viu que as roupas dela não estavam mais no chão. Ainda sem entender o que estava acontecendo, ele piscou os olhos e passou as mãos por sobre os cabelos. De repente, viu uma folha de papel sobre a mesa e foi ver que recado o pedaço de papel continha. Ao ler o bilhete, que mais parecia uma carta, ele sorriu ligeiramente tristonho.  Depois, pragmático, disse:
 
- Ela tem mais coragem do que eu e sabe bem o que quer.
 
Por um momento ainda ele ficou a olhar o bilhete nas mãos e o ambiente onde estava, porém não havia mais nada a ser feito. Era apenas uma daquelas aventuras que nunca deveria ter começado e agora tinha chegado ao fim. Sem mais motivos para permanecer no chalé, ele foi tomar outro banho e livrar-se do perfume e do suor que estavam em sua pele, livrar-se de algo que nunca mais iria se repetir, se ele pudesse evitar. Voltou ao quarto, vestiu-se e foi embora sem olhar pra trás.

 
Felipe Felix
Enviado por Felipe Felix em 08/04/2019
Reeditado em 16/04/2019
Código do texto: T6618245
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