Estava Escrito nas Estrelas

São as circunstâncias que governam as pessoas. Mas às vezes elas falham, principalmente quando ousam frustrar um grande amor. Se for mesmo um grande amor. Aquele amor que está escrito nas estrelas. Destino? Talvez, chamem-no do que quiserem, mas o verdadeiro grande amor termina vencedor. Ele se finge até de morto, pena durante muito tempo no limbo da desilusão, as costuma ressuscitar das cinzas como uma Fênix. O grande amor causa inveja, ciúme, atrai sentimentos negativos. Ele é muito bonito e isso leva quem é frustrado no amor a urdir tramas no breu das tocas. Há uma combinação de energias negativas que ficam na tocaia contra o grande amore, juntas com as circunstâncias adversas, formam um obstáculo quase intransponível. Todo romance de amor fala desse tema. Ele é universal orque é inerente a todas as raças, tanto no ocidente como no oriente... O grande amor parece uma lenda, mas é exemplo e farol. Ilumina. Sempre será contado em verso e prosa. Será eternamente o grande amor.

Vou tentar recontar uma dessas histórias de amor. É breve, modesta, sem o colorido das grandes histórias e sem o talento dos grandes contadores, mas nem por isso deixa de ser uma história de amor.

Desde crianças, Narinha e Zezinho eram apaixonados. Brincavam sempre juntos, foram para a mesma escola, um sempre cuidando do outro, unidos como unha e carne. Nascia um grande amor. Eles sentiam necessidade de estar juntos, mas ainda não tinham consciência de que era amor, Só pressentiam.

A consciência chegou quando se tornaram adolescentes. Da amizade e brincadeiras, evoluíram para o namorico propriamente dito, com os amassos de praxe, mas com todo cuidado e respeito mútuo. Não avançavam o sinal, se continham, o amor de verdade possui esses rasgos de respeito.

Mesmo sendo algo natural, as famílias deles eram contra esse romance, e por motivos óbvios que sempre vigoraram nas tradições familiares. O pai de Narinha lhe dizia: "Menina, dois lisos juntos, escorregam!". A mãe dele advertia: "Zezinho, amor nao enche a barriga de ninguém".

Eram os dois de famílias pobres, estudavam graças a bolsas escolares. Primeiro intuíram e depois entenderam que as circunstâncias da vida poderia impedir a concretização do seu amor. Não conversavam sobre isso, a anão ser por intermédio dos olhos, eles nunca mentem e nem omitem nada. Preferiram aproveitar o tempo que lhes restava, os momentos que ainda podiam passar juntos. Mas sabiam que teriam que se separar.

Antes disso, da separação, estavam um dia na praça sentados num banquinho, abraçados, quando ele olhou para o céu e contemplou as estrelas brilhando, cintilando, lindas, depois de alguns instantes voltou os olhos para ela e disse serio: "Narinha, seu eu pudesse te daria um colar de estrelas". Ela riu, mas, instintivamente, colocou a mão no pescoço como e estivesse acariciando um colar.

Continuaram a viver seu romance até sentirem que nao era mais possível, um deles teria que deixar a cidadezinha. As famosas circunstâncias exigiam a separação. Ele terminou o curso ginasial, mas não tinha condições de continuar os estudos, nem havia na cidade emprego. Além disso precisava servir ao Exército. A família achava que estava aí a sua oportunidade de ser alguém na vida. Não teve como resistir, tinha que ir embora, renunciar ao grande amor. Ela também terminou o ginásio e as freiras lhe concederam mas uma bolsa para cursar o pedagógico. Teria, portanto, depois de concluir o curso, uma profissão.

A despedida foi triste, sabiam que iriam seguir caminhos diferentes. Não havia como evitar a separação. A vida tinha que seguir seu curso.

Passaram-se anos e anos. Ela ficou na cidadezinha e ele foi para o mar. Foi servir na Marinha, depois engajou-se na Marinha Mercante. Nunca quis voltar à cidade, nem a passeio, não queria sofrer, parece que fizeram um acordo tácito: esquecer, ou fingir esquecimento, não era desamor e nem renúncia, mas resignação, doída, sofrida, cruel. Ela terminou o curso pedagógico e se tornou professora. Depois de alguns ansos para atender às convenções sociais, se casou com um comerciante rico, um sujeito bom, honesto e que mesmo não sendo seu grande amor a tratou com respeito e muito carinho, levou uma vida confortável. Mas... a força do destino fez com que enviuvasse. Foi então que resolveu sossegar de vez a periquita, casamento nunca mais.

Mas mesmo casada e agora viúva, ela nunca esqueceu o seu grande amor. E, pasmem, nem do colar de estrelas. às vezes, nas suas vigílias, ficava na janela olhando as estrelas no céu e suspirando, recordando o seu grande e verdadeiro amor. Gostava, nesses momentos, de cantarolar baixinho uma música de Paulo Soledade e Marino Pinto qu fez muito sucesso na voz da Rainha Maria Bethânia. musica que eles ouviram ouco antes da separação e ficou sendo o hino e amor deles porque nela havia um misto de tristeza e esperança: "Um pequenino grão de areia/ Que era um pobre sonhador/ Olhando o céu viu uma estrela/ E imaginou coisas de amor// Passaram anos mutos anos/ Ela no céu e ele no mar/ Dizem que nunca o pobrezinho/ Pode com ela se encontrar// Se houve ou se não houve alguma coisa entre eles dois/ Ninguém sabe explicar/ O que há de verdade/ É que depois, muito depois/ Apareceu a estrela do mar".

Ele também nunca a esqueceu, inclusive sere ouvia numa radiola portátil essa música, imaginando ser o pequenino grão de areia rezando para que a estrela aparecesse no mar. E nas noites no mar, costumava ficar olhando para as estrelas no céu, e sempre lembrava de que havia desejado presenteá-la com um colar de estrelas. Não suspirava com a recordação dessa cena, mas seus olhos marejavam e a vista turvava atrapalhando a sua visão das estrelas.

A vida sempre continua, na verdade ela é como um sonho, fugaz e cheia de surpresas, às vezes é muito dura, ouras vezes muito delicada. Só não é neutra. E a ida não pára, e as pessoas envelhecem. Na verdade a vida é finita. Mas anão deixa de ser bela e misteriosa.

Quando os cabelos embranqueceram e seu passo ficou lento, ainda assim Narinha teimava, nas noites estreladas, e cumprir um novo habito: ir até a pracinha e sentar no mesmo banquinho de antigamente. Ficava ali absorta, suspirando, olhando para as estrelas, relembrando o passado, sonhando acordada. Era como se o tempo voltasse, ela ria recordando e, não raro, falava sozinha. Quem a via pensava que estava variando, mas todos a respeitavam e conheciam a sua história de amor, que não tinha dado certo devido a um capricho do destino.

Numa dessas idas à pracinha, era noite estrelada e a lua fazia cabriolas no céu, no momento que sentada no banquinho contemplava as estrelas e a lua, cantarrolando baixinho a musica do pequenino grão de areia, no momento que uma estrela se deslocou no céu, ela fez um pedido e,de repente, ouviu uma voz conhecida dizendo às suas costas: "Um dia, Narinha, eu disse que se pudesse te presentearia com um colar de estrelas, mas, infelizmente, não pude fazer isso". Ela virou-se para ele rindo de felicidade mas chorando ao mesmo tempo, sabendo que seu pedido tinha sido atendido, com a mão esquerda (era canhota) acariciando o pescoço, falou brincalhona as também a sério: "Deixe de besteira, você me deu esse colar, não está vendo-o?, eu nunca deixei de usá-lo".

Nunca mais se separaram, rasparam o cororó da panela da vida juntos. Ua vitória ainda que tardia do grande amor.

Sei que fantasiei um pouco a história que ouvi numa noite estrelada. Ao ouvi-la olhei para as estrelas e os meus olhos marejaram. Sou muito sensível ao grande amor. Naquele momento achei perfeitamente possível, juro, que uma estrela tenha descido do céu para encontrar-se com um pequenino grão de areia. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 20/04/2019
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