Nicotina

Nunca fui bom em matemática, mas, tudo era demais com você. Você foi embora tantas vezes que eu perdi as contas. Mas, você sempre voltava, batia de leve na porta, pulava em meu colo e me amava. Rotineiro e cansativo era o nosso amor, acho que ainda tenho as marcas de suas unhas em minha pele. Diziam que era um relacionamento doentio. Talvez fosse, mas o que eu ganharia não tendo você? Era melhor deixar como estava. Lembro-me bem da última vez que você foi embora, enfiou dois vestidos numa sacola, gritou, chorou, bateu a porta e desceu as escadas, feito louca. Como disse, você foi embora tantas vezes que eu perdi as contas. Mas, você sempre voltou. Então, esperei. Esperei um, dois, cinco e vinte dias. Hoje já tem mais de dois meses. Que droga, Clarice! O café esfriou esperando por você, a cama se esfriou sem o seu corpo deitado sobre ela e eu? Eu me perdi com sua ausência. Talvez nosso amor tenha sido mesmo doentio. Um maldito vício que destrói a nossa vida, mas, nos deixa com abstinência quando vai embora. Voltei a fumar depois que você foi embora, a terapeuta disse que eu estava tentando substituir um vício com outro. O que é bem provável. O cigarro me mata aos poucos, assim como você fazia, assim como você ainda faz. Você é pior que a nicotina, pois nos maços do cigarro vêm fotos mostrando suas consequências, na sua embalagem tinha um batom vermelho em uma boca que falava frases de amor.

Amanda K Abreu
Enviado por Amanda K Abreu em 14/05/2019
Código do texto: T6646872
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