Sobre o amor

Aqui. Deitado. Vencido pelo cansaço de amar, me encontro recluso, quieto, apático mas, sobretudo, pensativo. Ao sepulcro do meu amor que se findou antes e que se emudecera agora a pouco, mesmo com a dúvida de que outrora ele nem pudesse existir, pergunto-me: que me dirás o amor? Penso, sublimo e austero. Intacto e perdido na incerteza do que poderá me ser o amor sou ligeiramente servido como pista de pouso por uma barata. Cascuda, parada e com as antenas levemente se mexendo ela parecia olhar pra mim. Eu a olhava, sem antes perceber o horror que ali se apresentava. Tudo aquilo que a vida toda me remetia a lixos e afins estava ali, parecia sentada como se não houvesse lugar para descansar, a vida estava me oferencendo lixo e por um momento aceitei. Eu, como sempre tive nojo e nunca ousei ao menos se quer estar na presença de uma barata sem antes querer matá-la, com as mãos que antes estavam ao chão vencidas pelo consaço, rapidamente me virei e joguei-a para longe. O arrepio de ter sido pista de pouso de inseto não tardou. A dúvida, além de tudo permanecia. Afinal era o amor, como não permanecer... A barata? Acho que a joguei ali no canto, não vi ao certo; e também acho que ela tratou de se esconder em uma fresta para que ao menos pudesse se livrar desse monstro (que para mim não sou) que queria matar-lhe. Ora... estava eu sentado, pensativo, sendo um provocador de mim mesmo, buscando respostas sobre o amor e me vêm uma barata e pousa, não bastasse isso, ser em mim (o que já acho demais), especificamente no meu ombro. O que em meu ombro a despertava interesse? Não sei. Era uma barata e o terror de ter mantido contanto continuava, pois era uma barata. Não bastou pouco e isso cessou. Fiquei quieto, continuei recluso, mas agora com o interesse praticamente todo voltado na barata, mas sobretudo também no amor. Afinal, eu ainda estava ali me indagando sobre o amor, por que diabos uma barata me pousa no ombro e devo esquecê-lo? Começo a pensar... Agora vejo que talvez amar seja isso, uma barata me pousar no ombro e eu não me esquecer de que além de tudo há amor, de que ainda existe amor e que devemos pensar nele. Se eu, que mesmo tendo medo de barata, não puder amá-la por simplesmente pousar-me no ombro, por espontaneidade, como vou poder amar o outro? Amar talvez seja isso, é ser entrega, é algo sublime, espontâneo, é amar o outro apesar da diferença. Como amar alguém se não sou capaz de amar o mistério de uma barata? A vida se fazia ali da sua pior forma e eu a destratei por simplesmente amar sempre o que eu amaria, e não o que é. A barata é o que a vida inteira passei a me negar e se não a amo, por que serei digno desse estado de graça que a todo tempo repito que é o amor? Lembro-me de uma passagem em que o Padre Fábio Melo dizia que amor se apresenta quando conseguimos amar alguém na sua inutilidade. Que o amor é saber olhar pra alguém que já não lhe serve mais e mesmo assim falar: estou aqui por que te amo. A barata é a inutilidade que me nego. Talvez eu devesse abraçar a barata assim como ela talvez tenha me abraçado e eu não percebi. A vida entrega sinais que só quem não percebe é que vê. O visto talvez seja o não visto, pois passamos tanto tempo atrelados ao fato de ver, que talvez não tenhamos visto nada, pelo menos não o que é. Quanta vida há nessa vida. A árvore não é só uma árvore, é vida de alguém. O esgoto da qual a barata talvez tenha saído não é só um esgoto é a vida de alguém. E de que me serve a barata? Nada. E por ser nada, não és digna do meu amor? Amar o contrário talvez tenha sido a chave e eu nunca a usei para abrir, abrir o mundo que ali estava escancarado mas que não batia em meu rosto; não porque não queria, mas porque eu não estava vendo, e por ver é que eu estava cego. Amar é amar o incompreensível, é amar até mesmo a mim, mesmo que eu me sabote várias vezes ao longo de minha vida. Talvez seja por isso que sempre me disseram que eu não tenho amor próprio. Eu nunca amei minhas inutilidades, nunca as aceitei, sempre as critiquei; sabia que existia, mas não as aceitava. Não amei o meu incompreensível o suficiente para saber que casa vazia também é casa, e que não somos seres amputados para ver no outro a parte que me falta. Caso me falte, que eu saiba lidar com a ausência, pois ausência é amor perdido. E amor perdido não deixa de ser amor, ainda que se vá.

Obs: Esse conto foi fruto de um amor que perdi em véspera do dias dos namorados. Talvez lhe sirva como me serviu, talvez nem isso. Use-o como quiser.