(Imagem Google)



Lorena 1950...



 
Indiferente aos olhares curiosos dos passageiros na plataforma daquela pequena estação ferroviária de Lorena, que iam e vinham de várias direções, Marilia, suplicava a Jahir, de joelhos, que acreditasse nela, jurando que não o havia traído e que o amava mais que tudo no mundo. Jahir estava decidido e, de malas prontas, esperava o trem que o levaria para sempre ao Rio de Janeiro e não mais voltaria à sua cidade natal, depois da decepção que sofrera com a namorada.

Ficou sabendo, através da sua tia madrinha Adelaide, que a moça fora vista aos beijos com um rapaz, no coreto da praça. Jahir não pensou duas vezes, foi até a casa da moça e terminou o namoro, na presença da mãe dela, sem ao menos ouvir a versão da namorada, pois jamais poderia imaginar que sua tia madrinha havia mentido, a pedido da própria mãe, e que esta agira assim para preservar a carreira militar do filho. Foi uma tentativa desesperada para que nada e ninguém atrapalhasse a carreira que ela havia sonhado para o filho. 

Jahir apaixonou-se por Marilia ouvindo a voz da moça. Marilia tinha, na época, quinze anos e cantava na rádio local. Jair estava de folga do quartel e passava uns dias na sua cidade. Conversava com seu primo, William, em seu quarto, quando a voz melodiosa de Marilia tomou conta daquele ambiente e de todo o seu ser.  William, por coincidência, conhecia a moça e prometeu apresentá-los no próximo domingo.

Era costume da época, moças e rapazes passearem na praça da matriz, nas noites de domingo, sendo que os homens andavam de um lado da calçada e as mulheres do outro. O flerte era o passo inicial para uma pessoa demostrar o seu interesse por outra. Quando alguém sentia que estava sendo flertado, se houvesse interesse, correspondia afirmativamente aos sinais, mas Jahir pulou as etapas e protocolos e abordou a moça dizendo tê-la ouvido na rádio e gostado da sua voz.  Daí para pedi-la em namoro foi um pulo e Marilia aceitou o pedido, mas, antes, Jahir teve que falar com a mãe dela, que autorizou o namoro, vigiado pela irmã mais nova, em frente ao portão da casa e sem o consentimento do pai, que era alcoólatra e muito rígido em relação às filhas. A irmã ficava na esquina, vigiando, e quando avistava o pai saindo do bar, avisava o casal e Jahir se despedia da moça, com um rápido beijo, e ia embora, sem ser visto.

Tudo corria bem entre eles e a relação se fortaleceu quando Marilia, como prova de amor a Jahir, recusou um contrato com uma famosa rádio em São Paulo, na capital, porque não queria ficar longe do seu amor. Optou por ele, pelo seu amor, pelo que ele representava na sua vida, pois sabia que se decidisse pela sua carreira, colocaria em risco a sua relação com ele e ela o amava muito a ponto de renunciar a um sonho.

Marília, porém, sofreu o maior golpe da sua vida. Elisete, mãe de Jahir, descobriu o namoro e tratou logo de minar as esperanças do casal e, com a ajuda de Adelaide, sua irmã, inventou uma calúnia para acabar com a união deles. Elisete combinou com Adelaide que esta deveria procurar o sobrinho e dizer que havia visto a namorada dele trocando beijos com um rapaz na praça. Para Elisete tudo valeria a pena, contanto que o filho não se envolvesse com ninguém e seguisse a carreira militar longe dali.

Num ato de desespero, Marilia ajoelhou-se aos pés de Adelaide, a tia de Jahir, que o acompanhava à estação, suplicando a ela que desmentisse aquela calúnia. Adelaide, penalizada com o sofrimento da garota não pode mais suportar o peso da sua consciência e confessou tudo naquele momento, desfazendo a mentira, pedindo perdão ao sobrinho, esperando que aquela situação se resolvesse ali e que o casal se reatasse.

Jahir, porém, embora indignado, sentia-se envergonhado por ter duvidado da namorada e lamentou aquela situação embaraçosa e, emocionado, tomou as mãos de Marilia, ajudou-a a se levantar e com lágrimas nos olhos disse-lhe que ele não era merecedor dela, porque mesmo que ela o perdoasse, ele jamais se perdoaria por ter sido fraco, ter acreditado em uma mentira ardilosa e se julgava indigno do seu amor.

Marilia, o viu afastar-se, acompanhando-o com os olhos marejados de lágrimas, sabia que estava perdendo o amor da sua vida e que ninguém mais ocuparia aquele vazio no coração, tinha certeza dos seus sentimentos por ele e sabia também que não amaria mais ninguém.

O trem partiu separando duas pessoas, dois destinos, dois jovens apaixonados e decepcionados, tão cedo com a vida.

O tempo passou e Jahir não voltou mais à cidade, onde havia deixado uma parte de si, mas havia feito sua opção, embora, no fundo, ainda nutrisse a esperança de um dia poder rever seu grande amor.

Jahir decidiu que iria viver sua vida plenamente, seria apenas um coração solitário, porém, era rebelde, tinha no sangue o amor à liberdade e não levava nada a sério. 

Decidiu seguir a carreira militar, mas eram tantas as intercorrências no batalhão que por pouco não foi expulso. Resolveu que iria para a aeronáutica, o que também não pode concluir porque a vida pregou-lhe uma peça, obrigando-o a se casar com uma moça com quem não tinha a mínima intenção de formar família, mas a moçoila o presentou com a notícia de que ele iria ser pai e, embora duvidasse da veracidade do fato, mais uma vez, usou de hombridade e assumiu o casamento, um tanto quanto obrigado pelo pai. Desse casamento nasceu uma menina e a vida continuou, sem muitas expectativas até que se ingressou na Marinha. Jahir descobriu, então, que era isso o que ele queria, amava a liberdade, teria oportunidade de conhecer outros países, outros povos e culturas e também estaria, na maior parte do tempo, viajando, fato que muito o agradava pois ficar longe da família não lhe era nenhum fardo, muito pelo contrário, era, para ele, uma fuga.

O destino, porém, estava dando outra chance para aquele casal, e tratou de colocar Marilia e Jahir à prova de fogo. Jahir ficou sabendo que Marilia iria se casar e, voltou à sua cidade na tentativa de demovê-la dessa decisão.

Encontrou-a no salão de baile, em companhia do noivo, sargento do batalhão de exército e, muito educadamente, pediu licença ao noivo para dançar com ela, o que lhe foi concedido. Jahir queria ouvir da própria Marilia que o casamento era verdade, o que foi confirmado por ela. Sem pensar, ele propôs a ela uma fuga, os dois fugiriam para algum lugar distante, ele não era feliz no casamento e não poderia permitir que ela também não fosse no seu. Marilia ficou muito emocionada, declarou seu amor por Jahir, disse que jamais o esqueceu e que o amaria para todo o sempre, mas não podia cancelar o casamento, era de família tradicional e não podia envergonhar os pais, a família, enfim, devia isso à sociedade e já estava tudo certo para acontecer.
 
Jahir não conseguiu convencê-la, mas, antes de despedir-se dela, falou que estava hospedado em um hotel no centro da cidade e que se ela não o procurasse na manhã do dia seguinte, iria embora para sempre e não a procuraria mais.
 
Marilia se casou, foi morar na Bahia, com o marido, e desse casamento teve dois filhos.

A vida seguia e Jahir, quando estava na escola de cadetes, ficou muito amigo de Flávio Sepulga e em suas andanças pelo mundo, lembrou-se que o amigo havia lhe pedido um par de mocassim italiano. Em sua viagem pela Itália, a lembrança do amigo o fez visitá-lo, em Salvador, para entregar-lhe o presente. Ficou surpreso quando, ao ser apresentado para a irmã de Sepulga, Luisa, que ao saber o nome dele completo, coincidências da vida, ligou o nome à pessoa, dizendo ser ele o ex-namorado de uma amiga dela – a Marilia, porque não podia existir duas pessoas no mundo com esse nome. Ficou tão feliz com a surpresa que propôs um encontro deles, uma vez que o marido dela estava viajando e seria uma ótima oportunidade dos dois se reverem, conversarem, enfim, mesmo porque, segundo ela, Marilia falava dia e noite dele para a amiga e que ela o amava ainda.
 
Jahir ficou muito emocionado, mas recusou o convite, primeiro porque estava ainda casado, tinha uma filha e tinha certeza de que se reencontrasse Marilia, largaria a esposa, filha, marinha e tudo para viver com ela. Acovardou-se e não foi vê-la.

A vida deu muitas voltas e Jahir vivia um dia de cada vez, tirando dele o máximo proveito. Era um pai ausente, devido às viagens cada vez mais longas, e sua casa era mais um dos muitos portos que ancorava, sem fazer ninho. Foi chegando em casa, em uma dessas viagens, que Jahir encontrou a esposa apreensiva, sem jeito de lhe falar e ele, percebendo que havia algo de errado, a questionou e foi como se a terra tivesse aberto um grande buraco no chão e o tivesse tragado para as suas profundezas.

Jahir, descontrolado, não sabia o que fazer. Esperou que a esposa dormisse, tomou um ônibus e foi para Salvador. Procurou por Luísa, a amiga de Marilia que, entre lágrimas, contou-lhe o ocorrido: Marilia havia sido assassinada pelo marido. Era noite quente, alta madrugada, quando Marilia abriu a porta para receber o marido que chegava de viagem. Ele, sem dizer uma palavra, apenas sacou da arma que trazia consigo, apontou para a cabeça dela e deu-lhe um tiro certeiro.

Ninguém soube ao certo o motivo, mas Jahir, intimamente, sentia que era por sua causa e Luisa confirmou a sua suspeita dizendo que horas antes de morrer, havia conversado com Marilia e esta confessado que o amava loucamente.

Jahir quando se lembra desse episódio da sua vida, arrepende-se, amargamente, de ter negligenciado o destino, que havia dado tantos sinais a ele. Talvez a sua história tivesse um outro final, talvez, hoje, ele não carregasse consigo essa culpa que o acompanhará eternamente.

O marido de Marilia foi preso, condenado e após cumprimento de uma longa pena, suicidou-se com um tiro na cabeça.

 
 
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Lucia Moraës
Enviado por Lucia Moraës em 22/09/2019
Reeditado em 30/10/2019
Código do texto: T6751542
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