Infância é tempo farto e fértil de descobrir o bom e o ruim da vida.
Foi nas barraquinhas de São Geraldo que encontrei o amor florescente de Teresa. Encantadora ela! Morena, cabelos escorridos e luzidios, tocando a cintura. E aqueles olhos pretos e grandes! A boca sempre com sorriso pronto. Fiquei deslumbrado, e fomos comer pastel com refrigerante. Só estar ao lado dela, para inveja dos outros suspirosos meninos, já era puro deleite.
De mãos dadas, então, na volta para casa, pisava em plumas. Conversas à toa e pouca pressa de chegar. No portão dela, eu, quase tonto, um abraço leve e inédito beijo, rápido, de despedida. Promessas mútuas de futuro encontro.
Dias longos de expectativas. Respirei Teresa o tempo todo. Dormiu comigo, amanheceu comigo, povoou meus sonhos.
Minha mãe, entretanto, assuntava tudo. Media cada ponto e consequência daquele enleio. Cheirava no vento provável inconveniente. Fama boa não tinha a dita família, com outras tantas moças. Quase todas mais ou menos desencaminhadas. A mãe, apartada do marido, fazia-se alcoviteira e, a si mesma, entregava em desencontradas relações.
Teresa, entanto, doze anos recém-completados, alheia ao traço de triste destino, mostrava-se pura, sem sombra de inclinação para descaminho.
Outro domingo, enfim, chegado. Exíguo tempo de realizar tantos concertados planos. Se a coragem chegasse para tanto, proporia sério namoro. Exclusividade de regulares encontros, em casa.
O alto-falante anunciava as atrações e dedicava músicas. “Rapaz de blusa branca oferece esta canção para moça de vestido azul”.
Da porta da igreja, meus olhos ansiosos descobrem a amada. Perto do carrinho de pipocas, à espera do combinado encontro.
“Teresinha de Jesus de uma queda foi ao chão”. A ordem decisiva da zelosa mãe. Todos para casa! Hoje não tem barraquinha!
Até a esquina, o inacreditável. Choro contido, lágrimas que queimavam invisíveis no seco dos olhos. Coração aos arrancos. Resmungos só. Olhei para trás e ainda os acenos dela. Linda e deslumbrante! Pronta para mim. E eu vítima de desconcertante proibição. Chance perdida. De certo, que acudiriam outros tantos cavalheiros de chapéu na mão.
De novo posta em sossego, minha mãe; eu, por mais de mês, em muda incompreensão. Longas inventadas pescarias e os banhos de córrego, para refresco da alma e corpo, respectivamente.
E lá, no Poço do Meio, a triste cena e sina. Meninos em desusada algazarra na transparência da água. No meio deles, disputadas, três mocinhas em total à vontade.
Estremeci de raiva e dor em ver Teresa ao sabor das mãos e caprichos dos meninotes em fúria. Não havia mais encantado sorriso, nem brilho nos olhos grandes. O corpo, insinuante, seminu e à mercê de alheios desejos. Quase por obrigação. Tive ânsia de morrer. Cabeça em reviravolta, as pernas mal obedeciam ao corpo que fugia em atropelo.
Ao longe, ainda o coro da rapaziada e o adivinhado e tácito consentimento dela. “Teresinha de Jesus, abre a porta e apaga a luz”.

E meu ingênuo amor primeiro mergulhou, definitivo, na irrevogável e absoluta escuridão do desencanto.

Fernando Antônio Belino
Enviado por Fernando Antônio Belino em 27/12/2019
Reeditado em 26/11/2022
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