O bater de asas à sua frente

Nossa história começa antiquada, em um quarto de hotel, em específico na cidade de São Paulo. Dia frio e cinzento, uma noite em que sentar numa poltrona e beber uma xícara de chá ou uma dose de whisky parecia mais interessante do que sair para alguma casa de show e beber até o amanhecer.

Caleb levantava, andava de um lado para o outro, não era ócio, nem muito menos solidão, era mais como uma solitude, onde ele procurava algo para fazer e/ou criar. Ele avista seu violão do outro lado do quarto daquele hotel, pensa em experiências passadas e começa a mumurrar algo como uma melodia, e dali sai um verso, meio tom a baixo, sobe um tom, talvez? Não se sabe, a melodia apenas tinha que fazer sentido com a letra, e era sobre um relacionamento que não teria dado certo.

Há alguns anos atrás Caleb conheceu uma garota em um grupo de whatsapp, no primeiro momento e primeiros meses era só amizade, da melhor forma possível, mas quando se é amigo de alguém com tanta intimidade, talvez algo a mais aconteça sem você perceber. Foi um ano longo para ele aquele, embora fosse uma amizade de internet, acabou que virou outra coisa. Ela o encontrou no verão no Rio de janeiro, até então o lugar onde ele nasceu e cresceu. Naquele verão eles em poucos dias viveram coisas boas, foram ao shopping, cinema, algo bem intenso para poucos dias, acho que justo, porém com um final desconfortável. Havia chegado a hora de ela voltar para onde ela morava, e talvez as garotas que ele costumava sair sempre foram mais sensatas que ele, porque a despedida foi difícil, porém ela apenas o beijou e depois havia dito que foi tão rápido pelo fato de que não queria sofrer. Muitos meses se passaram desde então, e a amizade continuava entre brigas e trocas de palavras bonitas. Enfim, aquilo acabou no outono, porque Caleb pensou está apaixonado por outra garota. Talvez um dos piores enganos que ele podia cometer.

Esse foi o tema dessa canção, e era uma boa canção, falava de sentimentos errôneos e distrações desnecessárias.

No dia seguinte, Caleb foi andar pela cidade, entrou em uma livraria, se sentou para ler um livro, parecia interessante ler sobre “A loteria da Babilônia” naquele dia, com uma caneta que ele colocou na boca ele se distraiu e seus pensamentos se direcionavam para o passado distante, aonde ele se lembrou de um romance que teve, talvez uma das primeiras vezes em que seu coração foi partido. Ele não conseguia sentir o que sentiu naquele ano, porém lembrava que parecia triste e doloroso ter perdido, porém teve propósito naquele relacionamento e isso o aliviou, foi então que ele começou a mumurrar melodias e a escrever uma canção sobre aquele tema, sobre como ele aprendeu com aquele relacionamento curto e com significado, onde não tinha maneiras de dar certo, pelas diferenças e fase da vida.

Saindo da livraria ele esbarrou com uma garota, ela tinha um cheiro maravilhoso, um sorriso cativante e olhar e agitação de um semi perfeito Colibri. Ele pediu desculpas e continuou a caminhar com a pressa da cidade o acompanhando. Chegando ao hotel ele pegou suas coisas e foi para o aeroporto para voltar para o Rio. Sempre era satisfatório pra ele viajar, conhecer culturas novas, se sentir imerso naquele sentimento inexplicável de andarilho e fantasma, quase como se sentisse que pudesse ir para todos os lugares, observar e escrever coisas sobre aquilo. Caleb volta para o Rio de Janeiro e no seu quarto grava as duas ótimas músicas que havia escrito em São Paulo.

Um ano depois Caleb conhece mais uma garota, ela chegava perto de parecer um elfo e o ensinou o significado de amar e do que era querer acertar de uma vez por todas, aquele velho lance de fazer de tudo pra que aquele relacionamento desse certo. Ele cruzou o país para ver aquela pequena Alquimista, ele sabia das consequências, mas queria fazer o certo dessa vez. Foram bons meses, da primavera ao verão, algo novo e bonito, algo intenso e mais uma aposta na qual ele acreditou, não se arrependia de nada, porém quando chegou a hora de terminar Janeiro do ano seguinte e viam que teria que terminar, o mundo dele caiu e ele se viu em mais um fracasso, no qual ele acreditava que todos os outros serviram de aprendizado para que ele pudesse fazer tudo certo dessa vez, foi um ano pesado até ele poder se despedir dela, porém nada que um ano e meio de tentativas e imersão não pudessem fazer para tira-lo dessa. E ele também percebeu que o segredo era se interessar por mais coisas novas do que a vida podia o oferecer, e foi o que ele fez. Pratica uma luta aqui e toca em alguns lugares com sua banda dali, no final o resultado foi melhor do que ele esperou. “Em um dia qualquer, em um outono ele pegou seu violão, sentou- se do lado de seu cachorro e tocou uma das mais belas melodias que ele pode fazer, era uma boa música e uma boa história em que ele escreveu, aquilo foi o que seria “Pot of Desire” e “ Above the sky” da banda Enver. Com certeza eram boas canções.”

Caleb estava meio que se cansando de se apaixonar e ter algo para aprender, quando ele só queria mesmo era conhecer alguém que pudesse ficar por muito tempo e poder idealizar e viver com essa pessoa, estava cansando de escrever músicas que falavam sobre o quanto ele aprendeu algo ou o quanto foi bom e especial as coisas que aconteceram em sua vida.

Na primavera do ano seguinte, mais uma primavera, mais uma em que estava tudo se encaminhando, tudo bem que tinham muitos problemas a serem resolvidos, mas realmente é muito estranho carregar uma carga emocional, não digo que ele seria o primeiro e nem o último, não, não digo isso, porque era mais normal do que qualquer outra coisa, porém existem muitos pontos de vista, e cada um é um. Naquela primavera ele retornou a São Paulo, mais velho, com mais cargas, mais experiências, tinha ido participar de um campeonato, numa pequena cidade chamada Santa Isabel, enquanto o dia não passava ele andou pela cidade de Guarulhos, vagou durante a tarde com um amigo, foi quando ele viu algo que não via havia muito tempo, uma peça que havia escapado do seu passado, aquela pequena Colibri, sim, ele reconheceu a garota do sorriso cativante e foi até ela, foi cumprimentá-la, mas não contou que havia reconhecido ela. Pegaram o contato um do outro e ficaram muito tempo conversando, mesmo quando ele voltou para o Rio de Janeiro, a meio mundo de la. No início ele ficou receoso de se permitir gostar dela, mas era inevitável, e como qualquer homem que já falhou muito e aprendeu com seus erros, ele tentou fazê-la a mulher mais feliz do mundo. Foi um bom namoro, muitas risadas e realmente na cabeça dele poderia dar certo, e tinha tudo pra dar certo, mas mais uma vez a vida deu uma rasteira nele e aquilo acabou ou apenas se entorpeceu. Ele com muita raiva porém com muito amor escreveu mais uma canção e pela segunda vez entendeu a letra de “Above the sky”, onde ele realmente queria a sensação de que fez tudo certo dessa vez. Era uma boa canção, em sua vida toda talvez os relacionamentos fracassados tenham rendido mais de seis boas canções. Foi então que ele percebeu que todas as suas canções sobre seu entendimento de amor e como ele não é suficiente para manter uma relação faziam mais sucesso e sentido. Então ele pensou com ele mesmo de que, e se ele parar de escrever canções pós relações, será que a próxima vez que ele encontrasse ou reencontrasse alguém especial iria dar certo?

Por muito tempo ele se negou a escrever músicas, e esperava dar certo com alguém, por mais que ele pensasse em uma boa melodia juntamente com uma ótima letra, ele ignorava. Muitos estão cansados de escrever uma coisa pessoal, uma história de sofrimento para entreter outras pessoas, talvez isso seja egoísmo, porém é valido. Não da pra julgar ou condenar alguém que não quer mais sofrer e escrever sobre isso. E se passou o tempo e ele ficou estéreo criativamente, morria um compositor.

Depois de muito tempo, quando já não fazia mais falta a música que ele podia compor, ele reencontrou um amor do passado, saíram algumas vezes, ele via a felicidade e dessa vez não acreditava em mais nada, apenas vivia aquilo, em meio a algumas crises no relacionamento, ele tinha o trauma de perder aquilo que ele amava mesmo depois de tentar tudo o que estava em seu alcance para não perder. Distante do seu amor, ele teve que ficar naquele mesmo hotel, em São Paulo, aquele mesmo quarto de hotel do nosso início de história antiquada com um whisky ou chá, violão e solitude. Já não importava se a mulher que ele estava agora era do passado ou se ele havia reconsiderado tudo com ela e recomeçado a história deles. Ele pegou seu violão e percebeu seu erro, seu principal erro em todas as histórias, questionou por tanto tempo, perguntou a Deus o motivo de ter fracassado e perder mesmo com todos os seus esforços pra aplicar o que havia aprendido anteriormente, quando a resposta estava lá o tempo todo, ele percebeu que havia focado apenas nos lados ruins de suas histórias, nunca havia escrito algo sobre o tempo bom que viveu com as mulheres de cada relacionamento, e de repente pensando em o qual tolo ele foi, ele começou a moldar uma canção que falava o quão feliz ele estava ao lado da mulher incrível que ele havia aceito e amado, e foi como ter um êxtase de psicodelia e “Atmosphere” do Joy Division.

Quando os dois se resolveram e ele se viu seguindo um caminho diferente, quando ele aprendeu mais essa lição e teve a certeza que havia amadurecido, focou em registrar em suas folhas e em sua história, o quão belo era os olhos, o quão interessante era aquele sorriso, o quão hipnotizador era o bater de asas daquele pássaro. Quando insistimos em algo que sempre dá no mesmo lugar, é a hora de olhar para o outro lado e tentar enxergar novas saídas e novas escolhas. Assim como Caleb fazia, em se sentir um fantasma andarilho, observando todos os lugares, e mesmo ele que gostava de ver tudo e registrar, demorou a perceber o que estava bem na sua frente.