Délicatesse D'une Fleur (Perfex Blue)

"Acho que esqueci as roupas para fora"

Pensou Alessandra ao constatar o início da chuva, que acontecia pelo lado de fora do ônibus. Não havia muita gente no coletivo, então ela veio em um banco vazio, o que para ela era ótimo pois poderia descansar no canto.

Já fazia uma semana que ela começou a trabalhar de vendedora em uma loja de cosméticos, estava feliz por enfim ter arranjado emprego, porém essa primeira semana foi um tanto difícil para se adaptar.

Enquanto fechava os olhos, percebeu um sentimento de vazio dentro de si própria, um vazio que ela não conseguia explicar o motivo.

Se fosse em outro dia, em uma outra época, Sam até ignoraria esse sentimento: apenas culparia o fato de ainda ser uma adolescente incompleta e pararia de pensar no assunto.

Nesse percurso, ela acabou lembrando de certas coisas que não gostaria de pensar naquela hora. Começou a se lembrar do passado, das pessoas e dos lugares.

"Eu e o Felipe nos afastamos de vez, acho que nunca mais vamos nos falar novamente... Talvez Gus tinha razão, ele me disse que amor não existe e que as pessoas sempre deixavam umas as outras. Eu tentei convence-lo do contrário na época, mas e se ele estiver certo? Talvez não haja amor nesse mundo. Talvez nós nascemos e morremos sem ter nenhum motivo em especial nisso. A vida é algo efêmero e atoa. Morrer ou viver não tem diferença. Se existe amor, então por que algumas pessoas abandonam outras? Se as coisas são realmente assim, então por que sequer eu estou aqui? Não tem motivos para eu ter nascido..."

Alessandra se surpreende com os próprios pensamentos, por um minuto estava raciocinando igual a Gustavo e isso a assustou um pouco. Não pela natureza dos pensamentos, mas sim pela seguinte constatação:

"Então é isso o que ele pensava o tempo todo? E o pior é que eu tenho sentido uma solidão semelhante ou talvez maior que a que ele vivenciava. Mas só estou pensando essas coisas porque estou um pouco desanimada, já ele se sentia assim o tempo todo... Realmente faz sentido, quem se sente assim não tem nenhum motivo para viver. Isso me faz querer saber, por onde ele tem andado?"

Alessandra tinha seus truques mentais para se manter alegre, ela simplesmente não pensava nas coisas tristes, e, se mantinha concentrada no que a fazia feliz. Esse é um dos principais motivos para ela ser tão saudável e madura sentimentalmente. Ela entendia que (principalmente no amor) certas coisas não valiam o nosso tempo e nem nossa energia, pelo simples fato de sermos incapazes de resolvê-las ou sequer lidar com elas.

Ela chegou em sua casa e a chuva ainda a punia agressivamente, era por volta de umas 11 da noite e o caminho até sua casa era um tanto inseguro, principalmente por ser um pouco longe do ponto de ônibus. Então ela olhava para todos os lados antes de entrar na sua casa.

Alessandra passou pelo varal e ignorou as roupas encharcadas, abriu a porta quase que desmaiada de cansaço e cumprimentou o gato.

Tirou sua blusa de frio molhada e os sapatos enlamados, ela até os limparia se não estivesse tão faminta e sonolenta. Foi para o microondas e deixou a comida aquecendo, enquanto isso, ela foi tomar uma ducha rápida para se manter acordada.

O microondas ficou apitando uns 4 minutos até o tempo dela se secar e se vestir. De qualquer forma aquele era o ponto alto da noite: arroz com lasanha em um jantar romântico com o gato (que a olhava sem parar de miar).

"Hmm você quer um nome novo? Se cansou do 'Bichento'? hmm... Eu acho que seria bom se a gente trocasse mesmo o seu nome. Que tal se eu te chamar de Mingau? Porque rima com 'Miau', entendeu? MIAU hahahahahaha"

Ela pega o gato e o serve na mesa com um pouco de petisco, logo o jantar romântico estava completo.

"Acho que as minhas piadas são boas demais para gatos entenderem."

Alessandra costumava pensar que seria muito bom ser adulta e morar sozinha, mas ao olhar ao seu redor e ver a casa um tanto vazia, se sentiu deprimentemente solitária. Ela não gostava de admitir, mas a falta de companhia a incomodava bastante, e tudo piorava porque ainda não tinha tirado Felipe totalmente de seu coração. Ela pega o celular e olha algumas conversas antigas com ele, e também percebe que sua foto de perfil ainda estava vazia. Ela pensa em liga-lo, mas acaba hesitando.

"Mingau, quer dormir no meu quarto? Não estou a fim de acordar sozinha amanhã."