O amor vai nos afastar (Perfect Blue)

"Vamos marcar então nessa sexta? Eu vou ter folga no sábado, e a gente passa a noite vendo filme e comendo pipoca."

Gustavo ficou remoendo essa frase por três dias até estar na frente da casa de Alessandra, se perguntando se devia entrar antes ou depois do horário marcado. "Que se dane, vou bater agora".

Ele bate três vezes; a menina abre a porta sem perguntar quem é, e dá de cara com Gus:

- Gustavo, você veio. - O coração dele bateu mais forte assim que a viu. O normal seria ficar ansioso antes do evento principal acontecer, mas a ansiedade de Gustavo só atacava quando o evento começava de fato.

- Eu trouxe a pipoca... Por acaso eu cheguei cedo demais? Sei que você marcou às 19, mas eu estava entediado e decidi vir mais cedo. - Se justificou desnecessariamente enquanto ela o pegava pelo pulso, o levando para dentro. Alessandra sempre fazia isso, de arrastar a pessoa quando estava com pressa pra algo. Gustavo sempre interpretou aquilo como algum sinal de interesse, o que não estava totalmente certo, embora ela só tivesse essa reação especificamente com ele. Eu como autor, teorizo que era algo que Gustavo provocava nas mulheres em geral, pois isso já aconteceu antes com outras garotas. Gustavo tinha um jeito peculiar de demonstrar seu interesse amoroso: Ele se afastava da pessoa amada, e se afastava até não ser mais possível o contato.

Por isso ficou estático na porta como se não tivesse permissão para entrar para dentro, como se entrar dentro da casa dela, significasse entrar no coração dela, e isso a fez reagir com aquela puxada nos pulso.

Alessandra achou muito fofo quando Gustavo cumprimentou o Mingau, e o gato parecia te-lo aceitado instantaneamente (Gus tinha cumprimentado outros gatos na rua antes, e isso acabou o ajudando nessa hora).

- Nossa, o Mingau não costuma se dar bem com ninguém fora eu.

- Ah é? Deve ser o meu charme de Morrissey que os gatos adoram. - Disse Gustavo comentando para descontrair o clima, e isso funcionou porque em resposta recebeu as famosas ironias de Sam:

- Eu não acho que o Mingau seja gay. - Disse ela rindo depois da frase, e isso foi bom porque quebrou um pouco o clima tenso que Gustavo sentia antes de entrar na casa.

Gustavo foi fazer a pipoca especial dele, e ela foi preparar a sala para o filme. Óbvio que antes disso, eles ficaram na mesa colocando o assunto em dia. Naquela sexta em especial, Alessandra estava maquiada e com um maravilhoso cheiro de perfume (ela trabalhava em uma loja de cosméticos), e sem falar do cheiro de Shopping que Gus adorava.

Ele nunca a tinha visto assim, tão bem aparentada, não preciso dizer o quão tímido ficou perto dela.

Ela colocou o filme de romance que combinaram na terça, era um que Gustavo assistiu duas vezes para poder fazer comentários inteligentes enquanto assistissem (era bobo, mas era o jeito dele de mostrar que se importava).

Ele se sentou com a vasilha de pipoca, e depois ela com os refrigerantes.

O sofá era de dois lugares e ele se espremeu na ponta para ela ter bastante espaço. Conforme o filme corria, ambos os ombros se tocavam, e ele por educação se inclinava um pouco para o lado oposto, para não parecer que ele estava encostando nela de propósito.

Mesmo que ela tenha já o abraçado sem tabu diversas vezes, ele achava que pelo fato de ser homem, ela poderia se sentir invadida pelo toque dele, o que era meio injusto, mas se pensarmos bem, até que faz sentido (Não, não faz mesmo, ele era estranho).

Embora estivessem em silêncio, seus corpos se comunicavam todo segundo através de pequenos gestos que valiam por dez ou quinze palavras. E para surpresa de nosso bunda mole, ela estava jogando o mesmo jogo psicológico, só que de forma ativa. Alessandra estava inclinando o ombro propositalmente para toca-lo, e quando ele parou de recuar, ela se reclinou com a cabeça em seu ombro de forma delicada.

Ele ficou sem reação no começo, pois era a primeira vez que tinha esse tipo de envolvimento com alguém, e tudo se multiplicava pelo fato dele gostar dela (desde dois anos atrás). Então para demonstrar que aceitava o carinho dela, se virou ao rosto dela, e a beijou no cabelo e colocou seu braço ao redor dos ombros dela. Isso foi de longe, o maior ato de carinho e ternura que ele já se permitiu dar a alguém, e aquele toque não estava carregado de nenhum tipo de malícia, era apenas gratidão e sincera alegria pela amizade e companhia dela.

O fato dele esconder muito bem seus sentimentos foi o fator principal para esse momento poder ocorrer, Alessandra só se sentia a vontade perto dele, pois ele nunca demonstrou nenhum tipo de segunda intenção ou interesse em relação a ela. Se ele houvesse se declarado para ela, Sam nunca mais o veria com os mesmos olhos de amizade.

Mas mesmo que ele gostasse dela, não seria culpa dele, ela simplesmente era muito carinhosa com ele, não tinha como ele não se apaixonar por tratamento tão simpático e acolhedor.