Casamento inesperado

Já ia o meio da tarde. Sol ainda resplandecente, mas a passos trôpegos indo se recolher. Na morada, a lua, formosa, pronta a entrar em cena, aguardando o palco só seu. Era noite de lua cheia.

Na roça, tudo vira fantasia com a noite tão viva. Na tuia, mantimentos que carregam o suor de ano inteiro se esgueirando com a porta entreaberta. Mas se é noite de sexta, um baile de improviso chama todos ao redor. Música dança ao luar, dia de amar, noitar, ser feliz ao menos aquele dia.

A mim não daria. Notícia que não queria veio ao pé do ouvido. Iara iria se casar. Sempre tive medo de que seria tarde o dia em que poderia vencer todos meus medos, timidez, desconfiança de mim mesmo e finalmente teria coragem de dizer a ela que do nascer ao pôr do sol meu pensamento era um só, o de amá-la mais que podia. No fundo sabia que não teria tempo. E o tempo esvaiu sem perdão.

Olho à volta e tudo que vejo é segredo em minh’alma. De concreto, apenas a mata que começa no lado esquerdo do lago, sobe pelas espaldas da serra e se derrama do outro lado. Termina no fim de minha visão. O fim. Fim de uma esperança tola, nutrida por capricho da teimosia. Sempre me disse que ela não era pra mim. Deveras, um pobre menino da roça, sem nome de família, sem dotes a balançar. Somente uma mente brilhante, nada de certo que daria algo bom. Uma promessa sem respaldo. Que valor teria? Nenhum. Mas e se ela nutrisse alguma esperança?

Alimentou-me essa tosca miragem imaginada por anos. Nada de concreto que a pudesse suportar. Vida de sonhador é assim, na esperança do que não se pode realmente almejar. Mas alguém poderia me ter dito em voz alta, me despertar dessa doce ilusão. Nada. Tudo em vão. Cá estava com a notícia que ninguém deveria divulgar.

Era ainda verão. Em minh'alma o inverno mais temido, uma Sibéria em mim, sufocando meu gemido, entorpecendo sonhos antigos. Estações no porvir não me iriam tirar do mar de solidão, afastar os calafrios, trazer ânimo a um corpo vegetativo. Queria mesmo é atravessar aquela serra e para sempre sumir do lado do desconhecido, onde talvez Iara não reinasse. Seria possível? Se de meu pensamento a arrancasse, mas teimo em não querer lembrar e essa luta inglória é a mais sagrada derrota. Não se esquece quando não se quer lembrar. Apenas quando algo bom surge no horizonte. O meu estava preso por demais ao passado para permitir uma ponta de luz do amanhã. Meu sol seria o mesmo, sem cor, sem vida, apenas quente, sem queimar a Sibéria dentro de mim. Estava condenado a viver com a maior de minhas dúvidas: se tivesse dito a ela de meu amor, ela teria correspondido? Dias inteiros passarei a imaginar o que não mais pode ser. Até o fim, será assim. Que seja breve, o fim.

Pepe Ribeiro
Enviado por Pepe Ribeiro em 23/04/2020
Código do texto: T6926163
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