O filho de Adão

“Visto que na justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé”. – Amém. Senhor, que assim seja – Pensou – Mas... “Tais homens são indesculpáveis. “Homens que detém a verdade pela injustiça”. “Por causa disso, os entregou Deus a paixões infames; porque até as mulheres mudaram o modo natural de suas relações intimas por outro, contrário á natureza; SEMELHANTEMENTE, os homens também, deixando o contato natural da mulher, se inflamaram mutuamente em sua sensualidade...” sim! Sou pecador! Cai! Cai, tal qual Lúcifer e seus anjos! E agora Senhor? Não consigo sair daqui, deste lamaçal de desejos... Ah! Ariel... a coisa mais ‘’fofa’’ do mundo! Te amaria eternamente, mas não! Não posso. É pecado. Como é possível sentir isso? Nunca nos tocamos. Quer dizer, não da forma que eu gostaria. Amo. Amo! Amo, sim, meu! Meu Ariel! Como queima o meu corpo. Mas, quem se importa? Oh! Me abençoe! Tira este opróbrio de mim. O mundo adormece nas trevas. Não. Eu não quero ser mais um a ‘jazer’ no absurdo. Se isso é tão errado, porque o sinto? Era para ser amizade incondicional. Mas, não! Eu te amo, te quero, te desejo... E você nem tem tanta beleza, aliás só simpatia, um certo charme, um jeito grosso, bruto, arrogante, idiota... sim. Idiota! Te odeio. Preciso... Preciso te odiar. Você me entende Deus? Quero odiar este amor. Amor maldito! Puro pecado. Sou este homem indesculpável. Deus! Oh Deus! Espero que um dia você me perdoe mas, vou falar... vou me declarar... E é hoje, na faculdade. Espelho, espelho meu, existe alguém tão... Tão... Quanta ansiedade. Vou-me embora antes que perca a condução.

***

_ Aiko! Que bom ter a sua amizade! Te gosto tanto! Estava relendo pela milésima vez a poesia que fizeste! Em quê estava pensando?

_ Recita para mim, Ariel? Por favor...

_ Claro, lá vai então. – com olhar solene e a mão no peito, declama -

”El amor del Sol y de la Mar

Estoy amándote, mi Sol.

Yo, la mar, estoy esperando

el morir de la tarde,

Cuando tú, estrella mía,

Ven a ponerte en mi...

¡Ven! ¡Son las cinco de la tarde!

La hora en que los dos grandes amantes,

el Sol y la Mar, van a encuentrarse...

Van a amarse, juntarse...

Volviéndose sólo uno.

¡Ven! Ven a las cinco de la tarde...

Ven hervir con su calor

la mar de dolor del amor.

Ven bañarte en mí,

Evaporando mí deseo en el cielo...

¿Y ahora estrella mía?

¿Cómo puedo vivir con tu amor?

Si tú te quedas siempre en mí,

con el tiempo, voy a morir...

¡Va pa lejos de mí!

Va, mi Sol... Mi amor...

Va para que yo pueda vivir...

!Déjame, entonces!

No puedo morir ahora...

Hay un pueblo que necesita de mí.

Ésa es mi misión:

Servir el pueblo de la Tierra...

Y servéindolo... voy viviendo así,

No para mí...

Pero para todos.

Así como tú, estrella mía,

Es para todos

El rey, el Sol, el todo...

Y yo...un nada...

Un nada sin tu amor.

Deja las lágrimas de la nuben

Llorar encima de mí.

Deja la tristeza, el sufrimiento,

Me hagas vivir.

Déjame recuperar el agua

Del dolor del amor por ti.

Mi Sol, estrella mía...

Contigo, acá conmigo, voy a morir

Voy a morir.

Sin ti, acá conmigo, voy a vivir...

Pero muriendo a los pocos...

Y muriendo voy a vivir sin ti...en mí...”

Tive que traduzir para o português para poder entender. Poxa. Ficou com uma certa classe na língua espanhola. Você é demais! Por que me olhas assim? Estás diferente hoje... Estás com uma cara...

_ Estava pensando... Pensando... Fiz o poema pensando em você.

_ Em mim? Espera. Deixa-me ler novamente. Quero ver onde me encaixo!

_ Você nunca teve curiosidade? Heim?

_ Curiosidade de quê, Aiko?

_ De provar um beijo de alguém do mesmo sexo.

_ Sei lá. Acho que não. Não. Nunca me permiti. Por que esta pergunta agora?

_ Nada, não.

_ Quer um beijo meu? Aiko? Olha para mim. Quer? Você quer? Não! Não chora... Se quiser... Podemos experimentar. Acho que não fará mal nenhum. É só um momento. Depois passa. Você verá.

_ Não posso fazer isso com você. Não com você. Adeus.

_ Espere! Para onde irá?

_ Para casa. Apenas isso. Somente para casa.

***

_ Estava te esperando.

_ Olá! Você está bem?

_ Sim. Agora sim. Fiquei numa preocupação. Tinha medo que você viesse a se matar. Que angústia, Aiko! Não dormi direito esta noite. Você não atendeu o celular...

_Sim. Quero um beijo seu. Arrependi-me. Preciso experimentar isso. É algo novo. Mas ao mesmo tempo tenho medo. Nunca experimentei algo igual. E se isso vier a construir um vicio? Que seremos de nós?

_ Não sei, amor. Minha família não entenderá. Apesar de não ter tido uma educação religiosa, ultimamente ando lendo sobre Jesus. Simpatizo-me, estou pensando até em me converter. Acho que... Sei lá. É estranho. Nunca tinha pensado nisto antes, mas agora... Está tudo tão...

_ Basta! É realmente loucura! Vamos esquecer isso.

_ Não. Eu quero sentir. Eu te amo.

_ Mas não dessa forma. Você tem uma pureza tão única. Tenho medo de te tocar e te destruir.

_ Nada ocorrerá. Tenho certeza que é uma sensação momentânea. Vai passar.

_ Sabe, Ariel. Minha boca ainda ousa em pronunciar, no idioma que ainda falo em parte o que entendo o amor. Hoje, creio que o processo do tempo é uma trama de efeitos e causas, de modo que, pedir que se rompa um elo dessa trama de ferro, mas... Quem merece tal milagre? Podemos desconhecer, em parte, os desígnios deste universo, mas sabemos raciocinar com lucidez e agir com justiça a ajudar que esses desígnios nos sejam revelados. Sinto que vou morrer, completamente e, levarei você para junto de mim também. Para o lamaçal que me encontro.

_ Acho que é um pouco tarde. Foi difícil no inicio, mas, agora já me acostumei com a idéia. Quero morrer junto com a pessoa que amo.

_ Sei que tu queres morrer completamente, juntamente com seu corpo... Por que falar isso aqui? Sei lá! Talvez porque me lembrei daquela frase de Jorge Luis Borges, "A velha mão segue traçando versos para o esquecimento". Ou talvez porque gosto de simplesmente de me entregar a devaneios com quem gosto. Ou, ' a lo mejor', porque quero...

_ Cala-te! Não queres? Desistiu? Acendeste algo estranho em meu corpo para depois desistir?

_ Não posso!

_ Eu quero.

_ Não... Meu Mar... Se em ti eu mergulhar... Vou ferver-te e te evaporar...

_ Sim, meu Sol. Ferverá, mas depois lágrimas de seus olhos correrão e encheram novamente este Mar. E o ciclo da água se completará. – de olhos cerrados, Ariel espera o encontro entre o Sol e o Mar -.

***

_ Que houve Aiko? Gosta de outro alguém? Estás tão diferente!

_ Precisamos conversar. Mas não agora.

_ Sim. Precisa ser agora, meu amor.

_ Sabe o que o livro de Leviticos fala? “Atos homossexuais são uma abominação a Deus”. E Paulo em Romanos?

_ Sim eu sei. Eu te falei que queria me converter, antes de me apaixonar por você. Sei que é pecado.

_ Sou cristão. Não posso continuar com isso. Espero que você me entenda.

_ Mas, como pode isso? O que mudou? Machuquei-te?

_ Não. Não fizeste nada. A culpa é minha. Eu comecei, eu sou o verdadeiro culpado pela sua morte espiritual. Preciso te falar do amor de Deus por nós. Deus nos fez homem e mulher para amarmos e ajudarmos uns aos outros. O deus que está reinando este mundo, na verdade não é o nosso Deus. Ele é mau. E só semeia maldade. É por isso que os justos estão morrendo, estão sendo massacrados pelos maus!

_ Cristão? Você está me dizendo que... Matou o velho homem e se fez novo? Seguir a Cristo? Ser um Santo? Aiko? Fiz-te algo? Não te dei atenção merecida? Meu amor?

_ Não me chames amor! Não. Por favor. Não desta forma... Temos que voltar a inocência, ao que éramos antes. Ao amor Ágape.

_ Basta!

_ Apocalipse, ‘’ Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo. ’’ Escolhe viver, por favor!

_ Te quero. Amo-te.

_ Jesus te ama. Ariel, Ele morreu por nós, trocou a sua vida, entregando-se a Satanás, para salvar a todos nós. Não existem bons e maus no mundo. Existem pessoas escravas do pecado. Escrava de seus desejos... Escravas de...

_ Aiko...

_ Ariel... Entenda. Não insista no que mais pode ser. Quem verdadeiramente conhece os desígnios de Deus tem muito mais culpa do que quem pouco sabe. Nós, em nosso próprio egoísmo, consideramos ultrapassado todo o ensinamento passado pelos pais de nossos pais. Vemos, nos dias atuais, a necessidade, mais que urgente, da renovação dos bons conceitos, dos bons legados. Acreditamos, de forma ilusória que, o ensino religioso é como se fosse um sapato velho: troca-se por um novo, “da moda”, aquilo que é “sinistro” e “radical”. Temos a árdua ilusão de que temos que abarcar as novas doutrinas, que surgem por aí, só para provar que somos mais inteligentes, mais “moderninhos”... Provar a nossa independência aos nossos familiares. Enganam-se todos! Quanto mais nos afundamos em nossa própria ignorância, mais necessitados e dependentes nos tornamos! Para quê insistirmos de calçarmos sapatos novos se eles nos dão calos e joanetes? Qual a real necessidade de jogar no lixo fundamentos de amor e respeito ao próximo? Ora! Voltemos a calçar sapatos antigos... Afinal, eles nos aquecem do frio de nossos pés sem provocar calos...

_ Sabes o que sou? Sou uma pessoa que ainda não cresceu, mesmo que o tempo e a vida tenham se encarregado de marcar o rosto e o corpo, sou intérprete de minha solidão, e não abro todas as portas para não me soltar pássaros. Eu sou o que sou, e redescobri-me ao me entregar a ti. Eu, substância molecular da água, criação do carbono, percebi que a morte é como uma velha meretriz. Ela é “muita dada”: sai “pegando” todo mundo por aí.

_ Ariel, o amor ainda é o equilíbrio que sustenta o mundo em fios invisíveis. O amor para mim é Deus. De muita luta e muitos fios invisíveis conduzindo os meus passos. Eu amo. O tempo todo e tudo o que faço. Não posso ser Deus. Não pediria o que já está determinado. Não posso acabar com a fome no mundo. Nem posso endireitar os caminhos tortos dos homens. Mas é só um desejo? E quem o me daria? Se fosse concedido por Deus... Meu desejo se confundiria com os Dele. E, depois, eu te amo. E sempre vou te amar. Mas, no momento, tenho que me renegar para salvar a minha alma e, se tu quiseres, a ti.

_ Te amo. Te quero. Te espero.

***

_ Nossa! Onde estou? Que data é hoje? Que horas são? Caramba! Quer dizer que... Era tudo um sonho? Nada aconteceu? Tudo continua igual? Será? Preciso ligar para Ariel! Preciso saber a verdade!

***

_ Alô? Ariel? Co-como vo-você está?

_ Olá, moço! Estou aqui! Cara, cadê tu? Por que não veio a aula de hoje? Vem cá, Ariel... Eu te falei algo por esses dias? Sobre o... Bem... Quer dizer...

_ Fala logo, rapá! Você está estranho...

_ Te falei sobre o... Amor? O nosso amor?

_ Eu, heim? Que conversa de “boiola”, Aiko! Amor? Nós dois? Você andou bebendo?

_ Ariel... Preciso conversar seriamente com você... Sobre algo que está atormentando-me esses dias... Não irei à aula hoje. Você viria a minha casa após a aula?

***

By Claudia Valéria/ Kakal

(14.04.2009)

Cláudia Valéria Kakal
Enviado por Cláudia Valéria Kakal em 25/05/2020
Código do texto: T6958031
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