Morte em Vida

Quando morreremos? Um questionamento nada fácil de responder. Quem pois teria exatidão dos fatos? Sabia, pois, Clarice a data de sua morte?

Não se trata de Clarice Lispector, nem de suas belas palavras. Se trata de nós: e eu e você caro leitor. Você mesmo que se esconde entre os seus medos e deixa a vida passar os entre os dedos.

Olho no olho. Olhe para mim. Até quando viverá na mesmice?

Hoje o sol me convidou para viver mais um dia. Sabe se lá quantos sóis ainda vou ver nascer ou adormecer. Acontece que hoje amanheci diferente. Amanheci com vontade de viver, vontade de fazer valer a pena. Sinto que mui breve me irei, para onde eu não sei. Não importa, desde que tenha valido a pena esses poucos anos de minha vida. Chego a me questionar. O que eu faria se soubesse que morreria amanhã?

- Credo em cruzes! Penso.

- Mas e se de fato eu morrer amanhã. Me indago.

Nesse momento, escuto o vento bater à porta, para lá e para cá. Seria um sinal de que Ele vem me buscar? Ou seria Ela?

Rapidamente, tomo um café amargo. Tomo banho gelado. Faço chá. Troco de pijama. Deito no sofá. Tomo banho quente. Vou para o quarto. Sento no piso gelado. Coloco meias. Tiro as meias. Nada está bom.

Que agonia. Que desconforto. Seriam esses os momentos em que alma quer deixar o corpo?

E como se eu entrasse em transe, vejo meus dias passarem em minha frente. Como num filme, onde as cenas variam de lentas a rápidas. Vejo as horas brigando com os minutos, pedindo por mais um milésimo de segundo. É então que pergunto:

- Por que você quer mais um milésimo de segundo?

Ele me responde com pressa:

- Preciso resolver as últimas pendências. Não terminei o trabalho da empresa, não cortei a grama, a roupa está suja, as louças pedem por socorro, não fiz a compra da semana, está tudo em atraso.

Me indignei, como pode uma pessoa dedicar tanto tempo a tudo menos a sua própria felicidade?

Ver o conflito entre as horas e os minutos, trouxe-me uma espécie de revelação.

Convencida o suficiente que vou partir em breve. Tomei decisões drásticas.

Liguei para meu chefe e pedi demissão. Fui no banco e tirei minhas economias. Comprei sorvete de banana com baunilha, mais tarde comprei Sushi. Fui na cabeleireira, fiz o corte que sempre tive vontade e platinei as pontas. Passei na igreja e doei minhas roupas, aproveitei para fazer minha oração. Aguei todas as minhas plantas, com calma, conversando com elas como se fossem minhas filhas. Dei um banho no meu pet e comprei o petisco preferido dele. Adotei uma gata – meu sonho de infância – matei uma barata – meu maior medo – comprei uma bicicleta e resolvi andar sozinha. Comi 2 melancias. Passei a tarde toda desenhando e pintando quadros. Publiquei meus poemas. Pintei as unhas. Liguei para a Psicóloga e depois para meus Pais. Dancei descalço, cantei até doer a garganta. Escrevi pequenas declarações de amor manuscrito – para todos as pessoas que fazem parte da minha vida – e pedi para o carteiro entregar. Doei algumas cestas básicas.

Depois, fiz minha mala e fui acampar, sozinha, com muitos marshmallow. Não tive medo. A final, se eu morresse no caminho já tinha feito tudo o que queria.

Espere um pouco.

Silêncio.

Que barulho é esse?

Vejo uma luz acessa no meio da mata. Adentro. Aproximo. É uma moça que chora. E chora até mesmo sem saber o porquê. Eu a consolo, e ela a mim – ela se parece comigo. Resolvemos então acampar juntas, e toda essa história eu conto a ela.

-Tem certeza que não esqueceu de mandar declaração para alguém? Pergunta ela, com o semblante desconfiado.

Refaço minha lista e confiro, não está faltando ninguém. Mas ela insiste em dizer que falta alguém, então lhe questiono:

- Por ventura saberias tu me dizer quem falta? E eu mostro a ela lista com os nomes: Papis, Mamis, Irmã, Irmão, Avós, Avó adotiva, Melhor amiga, Colegas e amigas de classe, amigas da igreja e mãe adotiva, totalizando 20 pessoas.

Olho para ela e vejo um anjo na minha frente, seu olhar me faz entender que está faltando alguém.

- Durante a sua vida, não amou ninguém? Perguntou ela.

Nesse momento meu coração sangra e sinto muita dor. Ah, o amor. O amor é uma fogueira, é impossível não se queimar. O amor sempre deixa marcas, marcas que carregaremos para sempre.

Não soube o que responder a ela. Foi quando ela falou:

- Se pudesse escolher uma pessoa para passar o resto de sua vida, alguém para amar, quem escolheria?

Novamente, sinto meu coração sangrar e lágrimas caem automaticamente.

Respira!

Percebo então que nunca me permiti ser amada. A vida toda amei, mas nunca me abri o suficiente para que alguém me amasse. Lembro então, de minha paixão platônica da faculdade.

- Como eu vou morrer mesmo – eu tinha quase certeza disso – escrevei para a minha paixão uma carta, quem sabe assim minha morte seja menos dolorosa.

Enquanto eu escrevia a carta, Ela me observava com seu olhar curioso e penetrante. Ela parecia ser a personificação da vida.

- Terminou? Quero ler. Ou melhor quero que você leia para mim. Leia como se estivesse lendo para ele. Faça de conta que é ele quem está na sua frente.

"Querida Paixão Platônica

Quando ler essa carta manchada de lagrimas, eu já vou estar bem longe. Espero que não seja tarde.

Por muito tempo eu quis te dizer isso, mas nunca tive coragem, ainda não tenho. A muitos anos, quando fazíamos o vestibular da 1° faculdade, você não sabia que eu estava lá, mas eu ti vi. Sua blusa azul, que parecia seda os meus olhos. Eu mal consegui fazer a prova, só ficava pensando “qual será o nome dele? ”. Infelizmente você saiu antes que eu pudesse te encontrar.

Os meses passaram, as aulas iniciaram. Por dias meus olhos procuram o seu. Até que. Você. Sim, você estava bem na minha frente, no meio da multidão eu só conseguia ver você.

Trocamos algumas palavras e depois daquele dia, minha criança interna mimada – o Id – só queria você. Como eu amava flertar com você. Passamos por um período de pandemia global e quando ela acabou, você não voltou. Sinto a sua falta. Queria ver seus olhos me desejando.

Por favor me perdoa. Eu devia ter vencido a minha insegurança de não me sentir suficiente e ter ido atrás de você, a minha grande e única paixão platônica.

Com amor."

Quando eu terminei de ler, Ela – a própria vida – me disse:

- Amanhã quero que você diga isso pessoalmente para ele. Agora vamos, eu vou te levar para casa, ah, seu chefe vai te oferecer uma promoção amanhã, aceite como um presente meu para você e vai passar uns dias no campo com seus pais.

Suspiro aliviada.

Essa é a vida, as vezes ela nos faz perder o eixo para nos encontramos no nosso próprio caminho. As vezes ela nos pressiona, para assim tomarmos as decisões que sempre adiamos.

Viva a vida. Quanto antes melhor. Ou pode um dia, o sol não acordar para você...

Mirã Silva
Enviado por Mirã Silva em 30/06/2020
Código do texto: T6992118
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