Listrinhas

A menina olhou a mão que tomava o seu brinquedo favorito com pavor. É o pinguim de pelúcia dela, o favorito. Nunca se importou em dividir brinquedos, roupas ou o que quer que fosse, mas aquele pinguim era o amor da vida da garota.

Ela dormia agarrada com ele toda noite, nunca algo lhe passou tanta segurança na vida desde que cresceu o suficiente para não caber mais no meio da cama dos pais. Não era apenas um objeto que lhe pertencia, era um amigo, um companheiro, um confidente.

Justo ele? Dentre todos os brinquedos da caixa, por que pegar justo o Pinguino? Ela sentiu o peito queimar e a testa franziu. Será que adultos compartilham suas coisas assim? A outra garotinha, a de vestido listrado, sorridente e feliz com o achado, agarrou o pinguim e o abraçou apaixonada.

O pinguim já foi de outra pessoa, a dona da pelúcia se lembrou. Era um brinquedo que tinha muita história pra contar. Foi amado por outras garotinhas antes dela, recebeu abraços e beijinhos, foi o amigo, o confidente, a segurança.

Ela não gostava muito de pensar que havia um antes. Pinguino era tão especial para ela e ela gostaria de ser tão especial quanto para ele. Enquanto assistia a garota brincando com o bichinho, porém, lembrou-se de que havia outros antes dele. Dave, o coala, foi um bom companheiro de naninhas e sonecas. Polar, o urso, também a ajudou a se sentir mais segura na caminha nova que mamãe comprara. Pinguino não se importava. Estava lá para confortá-la dia e noite.

Ainda assim, assistí-lo ser tão deliberadamente amado por alguém que não fosse ela mesma lhe causou um estranhamento inquietante.

"Gostou do Pinguino? Pode brincar um pouco com ele, mas não pode levar pra casa, tá?", ela finalmente apontou à garotinha do vestido listado. Ela acenou com a cabeça e continuou a brincar com ele até que avistou um brilhante macaquinho rosa e jogou Pinguino ao chão.

A menina, então, recolheu sua pelúcia rapidamente e ali entendeu o que sentira antes: Ciúmes. Com o amor, vem o sentimento intenso e esquisito que é o ciúmes.

De início quis esconder o pinguim, deixá-lo longe do campo de visão de todas as crianças da festa. Ao olhar bem para Pinguino, no entanto, resolveu deixá-lo na caixa pra que pudessem brincar à vontade.

A hora passou, bolo e parabéns e todas as brincadeiras que papai inventou. No fim da festa, a menina ajudou mamãe a arrumar a bagunça, comeu alguns docinhos e sentou no sofá. Olhou para a caixa de brinquedos e arregalou os olhos imediatamente.

"Mamãe, acho que levaram o Pinguino...", sussurrou já com lágrimas nos olhos e respiração ofegante.

Mamãe estava ocupada demais ajeitando a casa depois da bagunça e apenas murmurou alguma coisa. A menina soluçante foi até o quarto chorar. E então, o avistou. No canto direito da cama, encostado no travesseiro, lá estava ele.

Todas as amiguinhas partiram, todos se foram, mas ele estava lá. No cantinho de sempre. Pronto para confortá-la e amá-la como sempre fez. Ela respirou fundo e sentiu alívio percorrer por seu pequenino corpo.

"Confio em você, meu pinguim. Não me deixe não, ok?"

Confiança pareceu o antídoto certo para aquela coisa esquisita que sentiu antes no estômago. A menininha subiu na cama e olhou o bichinho por alguns segundos.

Abraçou o pinguim com força.

Encostou no travesseiro.

Pegou no sono e dormiu.

Rebecca Fonseca Sales
Enviado por Rebecca Fonseca Sales em 29/09/2020
Código do texto: T7075155
Classificação de conteúdo: seguro