UM AMOR QUASE IMPOSSÍVEL

Diná foi uma linda menina que nunca tomou uma surra do pai e nem da mãe, pois sendo ela filha única sempre tinha razões de sobra amparada com o aconchego, o dengo, o mimo e a bajulação que faziam-na ser a pessoa mais adorada da família de dona Filó e de seu Mourão.

Tudo de bom e de melhor era sempre destinado para aquela criaturinha adornada de olhos azuis e de cabelos dourados. Dessa forma a loirinha se sentia bem protegida e admirada tal qual um precioso bibelô.

O tempo foi passando, passando, e Diná começou a se encorpar e a ganhar uma graciosa feminilidade de forma que os garotos se babavam ao vê-la passar. Ela era a razão de muitos questionamentos e de pretensa sedução que fluíam na cabeça dos garotos dali e, também, sua presença servia de alvo dos olhares maliciosos de homens casados que davam fartos motivos para um ciúme doentio e descontrolado na mente das esposas furiosas.

Em pouco tempo Diná - já aos quinze anos de idade - passou a ser odiada por todas as mulheres casadas daquele lugar moroso e esquecido no meio do sertão. Parecia que, ali, não mais haveria lugar para aquela encantadora jovem.

Tudo era sossêgo até o dia em que o lugar perdeu sua paz com a inesperada chegada de uma equipe de operários da exploração de petróleo. Eles surgiram de repente com seus jeeps e logo passaram a esbanjar muito dinheiro, encantamentos, galanteios, conversa-mole e… muita, muita promessa nos ouvidos das donzelas do lugar que, encantadas com as belezas daqueles forasteiros, cediam facilmente aos atraentes galanteios. Foram muitas delas que de lá partiram grávidas e concubinadas com seus homens do petróleo.

Foi exatamente nessa época que a cabeça da bela Diná foi bombardeada de convites e promessas fantasiosas oriundas de um rapagão sonhador, que por bilhetes perfumados lhe prometia mundos e fundos em troca de um namoro; um abraço apertado, um beijo ou qualquer coisa de si.

Para tudo isso o pretendente mencionava querer pressa absoluta, pois alegava que em breve teria que levantar acampamento e partir mundo afora na aventurosa exploração de petróleo.

Diná passava o tempo beijando e cheirando os bilhetes e assim delirava cheia de alegria e de prazer, e logo respondia ao jovem Elias que mais lhe parecia um belo rapazola. Mas tudo isso não passava de românticos e meros recados de amor que transformava Diná numa sonhadora com a felicidade. Agora, no seu coração ardente, brota-lhe um sentimento até ali desconhecido: o amor.

Os momentos foram se sucedendo cheios de ansiedade e encantamento até à véspera do dia em que Elias teria que ir embora com o acampamento e com seus amigos. E foi na manhã daquele dia que a bela jovem foi convidada a ir ao encontro dele para se conhecerem e assim, se fez: bilhete prá lá, bilhete prá cá; recado urgente prá lá, recado urgente prá cá, e… por fim, antes do pôr do Sol daquela tarde de nervosismo, o encontro se deu.

Um olhar de perto; bem de perto. Um beijo-relâmpago; um suado e trêmulo aperto de mãos; olhares ávidos e minuciosos entre falas que saiam por lábios que deixavam escapar palavras sussurrantes. Nascia ali um grande amor envolto num enlace fulminante da paixão.

Diná voltou pra casa transbordando de alegria, feliz da vida e sonhando acordada.

Após o primeiro encontro - à luz do dia - , o nome de Diná banalizou-se de boca em boca até alcançar os ouvidos de dona Filó. Foram elas, as incansáveis ciumentas que viviam diuturnamente a vigia-la, que decidiram dar-lhe uma extraordinária lição, pois acreditavam ser ela a causadora de seus turbulentos casamentos e, assim, caluniosamente a denunciaram a seus pais por vadiagem. Dona Filó ouviu as queixosas mas nada comentou. Precisava sim, de prova cabal.

Já era noite da véspera da partida de Elias e todos os móveis e utensílios do acampamento estavam empilhados no caminhão e nele iria para muitas léguas dali o jovem que há pouco, cara-a-cara, jurara-lhe um grande amor.

O acampamento estava desfeito, enquanto que o coração de Diná palpitava ardentemente no seu peito.

Todos foram dormir, menos Diná que se achava nervosa e inquieta. Aquela noite de insônia parecia nunca lhe ter fim, e enquanto isso ela, à luz do candeeiro e chorosa, lia e relia os bilhetes do amado perambulando entristecida entre as quatro paredes do seu quarto e se sentia muito ansiosa para o raiar do dia que lhe parecia nunca chegar. O certo é que antes que o Sol nascesse ela precisava estar de pés, pois necessitava ver e chorar a partida de Elias. E foi nesse estado de angústia que seus pais ouviram barulhos no quarto da filha e rapidamente se levantaram, pois já haviam tomado ciência do descaramento dela e precisavam salvar sua honra e acabar com o fala-fala da boca de todos.

Dona Filó apareceu sorrateiramente batendo na porta do quarto, e assim bradou:

– Que está fazendo de pés a essa hora da madrugada? Abra esta porta, agora.

A porta foi aberta.

- Sente-se ai na cama pra me ouvir!

– O quê é, mamãe?

– Quem é este sujeitinho dos bilhetes? Vamos, me diga!

Diná ruborizou-se. Isto lhe caiu como um raio. Ela não esperava por esta cena em plena madrugada, menos agora que a mudança já estava saindo e tudo estava acabado. Nada ela havia feito de errado que merecesse ser gritada e olhada tão ferozmente como agora sua mãe o fazia.

Seu Mourão, teso em sua frente, rangia os dentes e ouvia o sermão aparentemente cauteloso. Permanecia calado e visivelmente nervoso, enquanto aguardava o desfecho da cena para em seguida se pronunciar.

- Pai bom é aquele que castiga, disse seu Mourão em baixa voz.

Ali, naquela casa, não tinha lugar para filha mal-falada. Era esse o sórdido pensamento na cabeça de seu Mourão: um homem metódico e abastado de conceitos familiares e de rígidas regras religiosas que não lhes permitia nenhum tipo de libertinagem no seu lar.

– Que sujeito, mamãe? – e, balbuciando quase que inaudível, ela disse: - malditas fofoqueiras!

– Quem é esse sujeito, Dina? – gritou seu Mourão, tomando a palavra em tom ríspido e autoritário; exigindo uma resposta verdadeira.

– Não tem nenhum sujeito, oras! - respondeu-lhe num tom quase insolente.

Mas, mal acabou a fala e…

– Toma, sua sem-vergonha! Toma e toma! – assim dona Filó agia odiosa e a segurava pelos longos cabelos encaracolados ao tempo em que lhe despachava tapas e mais tapas pela cara, e dizia-lhe carrancuda: – Tu és uma filha perdida.

– Deixa isso comigo, mulher! – disse seu Mourão, armado com uma taca de couro cru para ajuíza-la com mais castigo.

A surra lhe foi animalesca, impiedosa e violenta. Essa, segundo seu Mourão, era a única e verdadeira forma de quitar o pagamento da honra.

Diná trancou-se no quarto e não chorou da surra. Nem uma lágrima sequer molhou sua face.

Seu pensamento vagava pela estrada por onde a mudança ia, e ela desejava estar entre os pertences de Elias, sobre o caminhão.

No silêncio de sua dor e da sua paixão ferida, ela zanzeia desesperada de um lado para outro entre as paredes, porém, tomada por uma extrema decisão abriu um baú que tinha sob a cama e dele retirou algumas roupas, depois amarrou-as numa trouxa e sorrateiramente saiu pela janela dos fundos, tomando a estrada-de-rodagem por onde seguiu a mudança do seu amado Elias.

Incansavelmente ela correu num rítmo maratônico durante toda a manhã e boa parte da tarde. Pisou por doze léguas em terra batida e cascalhada por culpa da paixão. Todo percurso ela fez sobre as marcas deixadas pelos pneus do caminhão, até alcançar um lugarejo chamado de Manga. Ali, ela imaginava encontrar o seu bem-amado, mas tudo não passou de um estúpido engano. Ele estava longe demais e jamais o encontraria.

Seu sonho era o de estar com ele eternamente, mas perderam-se de vista para sempre. Apenas na sua mente ficaria eternizada a lembrança daquele momento do primeiro beijo de amor.

Enquanto isso, em sua casa sua ausência é denunciada e todos se mobilizam para encontrá-la.

Os homens, montados em cavalos, vasculham palmo a palmo daquele chão, mas… nada. Diná não estava por ali. O desespero em seus pais aumentava ao ouvirem que ela tinha se evaporado ou sumido pelo mundo. Os minutos passavam morosos e os ânimos se aqueciam na ânsia de encontra-la viva e sã. As buscas já se prolongavam por mais distâncias e ao anoitecer todos retornavam sem notícias de Diná.

Para onde teria ido? Era o que mais se questionava.

O desassossego começa a se abater sobre seus pais que, chorosos, diziam tê-la perdido para sempre na carne, na honra e na alma. Sua falta abria feridas nos corações de seus pais.

Seis dias se passam quando súbita e misteriosamente Diná aparece maltrapilha, debilitada, fétida, faminta áfona e triste.

A ninguém ela quis dizer por onde andara.

Seu mundo se desmoronou. Dela nem uma palavra saia.

Todos achavam que o seu pecado já estava pago e que seus pais a perdoara com o seu regresso ao lar. Mas dona Filó e seu Mourão eram pessoas cheias de critérios e rancores e se achavam envergonhados por terem uma filha desonrada.

Então, afim de que todos a esquecessem e parassem de falar seu nome, eles resolveram enviá-la ao exílio numa fazenda de uns parentes muito distante dali.

Diná, levou consigo marcas irreparáveis só por ter amado e foi embora com o seu ego amortecido, cheio de dores na carne e na alma e nunca mais pisou no chão do lugar onde nasceu. Ela foi vítima da estupidez, do preconceito, do tabu, da ignorância e da brutalidade familiar.

Ao chegar à casa de destino Diná foi recebida pelos tios que a abraçaram amavelmente e lhes falaram da eterna liberdade oferecida. Ali sua vida voltou a ter paz. Estudou e se formou professora; conheceu gente nova e percebeu que tudo que passou não foi totalmente em vão, pois o destino havia traçado o seu destino até ela estar numa igreja, ajoelhada, rezando frente ao altar, quando, ao olhar para sua direita se deu de frente com Elias. Os dois se estremeceram de emoção e sem trocarem uma só palavra deram-se as mãos. Ali resgataram o amor verdadeiro, ardente, sonhado e sofrido.

José Pedreira da Cruz
Enviado por José Pedreira da Cruz em 23/06/2021
Reeditado em 08/01/2023
Código do texto: T7285483
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