A FELICIDADE É UMA ESCOLHA

Acordou antes que o relógio despertasse. Passou alguns momentos a observando dormir. Estendeu o braço e deixou suas mãos deslizarem suavemente entre as coxas torneadas e os seus seios fartos. Depois deu um beijo gostoso no cantinho de sua boca carnuda e levantou-se. Na cozinha, tratou de preparar um café, com seu sabor preferido e fez questão de usar a sua xícara predileta. Aquela que comprara no dia em que completaram vinte anos de casados. Picou mamão e pôs açúcar, exatamente como ela gostava. Depois levou até a cama na bandeja de madeira natural de pinus e a entregou com um cordial cumprimento de bom dia.

Ela agradeceu acanhada. Sorveu o primeiro gole e deu uma leve mordiscada no pão com manteiga esquentado na chapa. Depois, quase que involuntariamente, tomada por um sentimento de ansiedade e depressão, chorou. Confidenciou não entender o porquê de ainda estarem juntos. A razão para tratá-la tão mal. Justo ela que o amava tanto. Que dedicava todo esforço de sua vida em prol da felicidade dele. Por que ele não era capaz de compreendê-la? ... de amá-la? ... de respeitá-la? Sentia-se a pior pessoa do mundo e insistia na ideia de que já passara em muito o tempo de permanecerem juntos. Não havia mais casamento. Havia sim, uma pessoa egoísta e possessiva que pensava apenas na sua felicidade em detrimento de uma outra que jazia infeliz por fazer tudo por ele. Durante todo o tempo o gosto da refeição preparada carinhosamente se misturava às lágrimas que caíam cortadas por leves soluços. Ele, estarrecido, tentava enxugar o rosto dela e, inutilmente, buscava consolá-la. Depois de ajudá-la a arrumar a cozinha ele se despediu com um doce beijo e se dirigiu para o trabalho. Poderia até almoçar por lá e, quem sabe, dar um descanso para sua mente?... mas... resolveu aproveitar a sua hora de almoço para desfrutar de mais alguns momentos com sua amada esposa. Ela transitava pela cozinha de um para outro canto como se buscasse inspiração para um cardápio agradável, mas a sua inspiração se mostrava frustrada. Ele se dirigiu à cozinha e logo decidiu o que fazer. Enquanto ela preparava o arroz, ele temperava a carne e finalizava a salada, exatamente como ela gostava. Na mesa, compartilhava como foi o dia. Ela, contudo, parecia não estar interessada em ouvir aquele assunto e, redirecionando abruptamente toda a conversa, voltou a lamentar-se. Não conseguia entender por que a vida foi tão hostil consigo. Ela havia depositado em Deus a sua confiança e não era justo passar por tudo aquilo. Uma cara tão boa! Um sujeito tão gentil! Quem dera que fosse verdade! Para os outros era ótimo, mas para ela que o amava tanto, tão ruim! Por que não se separavam de uma vez por todas? Estavam adiando uma situação que não tinha mais volta. Mais uma vez as lágrimas tomaram o seu rosto e o alimento custava a descer por sua garganta. Ele, reflexivo, observava a tudo calado. Depois de ajudá-la com a louça retornou para a sua repartição, confuso e triste. Ele já não tinha condições de separar os problemas de sua vida afetiva da sua vida profissional e o reflexo disso ganhavam contornos indesejáveis. À noite, depois de um dia desgastante, ele chegou à casa. Seu rosto, embora ostentasse a fadiga natural da labuta, trazia um sorriso leve e aprazível. Satisfação por estar mais vez com a sua amada. Na mão trazia um ramalhete de hortênsias que roubara de um jardim de uma casa vizinha à sua. Abriu a porta e ela o recebeu gostoso. Deu-lhe as flores e ela emocionou-se. Permaneceram abraçados por alguns instantes ali na porta e depois adentraram. Fizeram um lanche rápido e saíram para passear. De mãos dadas, pareciam até um jovem casal de namorados a caminhar pelo passeio da via. As pessoas os observavam e demonstravam certa inveja pela felicidade ostentada por eles. Tudo parecia mágico e belo. Ela não tinha a percepção de que sua vida era maravilhosa e não era capaz de enxergar nenhum sinal de felicidade, tampouco, de permitir ao seu coração senti-lo. Durante a caminhada ela seguia confessando os medos e desenterrando todas as suas frustrações. Lamentos de cinco..., dez..., quinze anos. Ele apenas ouvia reservando-se ao desejo de permanecer calado. Haveria de encontrar um ponto de equilíbrio e uma resposta para questão tão difícil. Por horas, consumido por uma avalanche de injúrias e difamações, sem entender como um coração tão pequeno poderia guardar tantos sentimentos ruins. Decididamente, não sabia o que fazer. Nada poderia mudar aquele sentimento de derrota enraizado em seu coração. O passeio que deveria servir para desopilar, acabara transformando-se em combustível para a fabricação de mágoas e ressentimentos. Outra vez chegaram à casa, tomaram um gostoso banho juntos e se deitaram. A penumbra no quarto não conseguia ofuscar a tristeza da amada incorporada no seu choro abafado e nos soluços intermitentes. Ele, porém, seguia feliz e não abria mão de sua felicidade.

Acordou antes que o relógio despertasse...