E O Amanhã Não Chegou...

As pessoas costumam viver como se fossem eternas. Nunca pensam que o amanhã pode não existir. Nunca imaginam que o próximo momento pode ser o último.

Na minha juventude eu vivi um grande amor.

Comecei namorar Ronaldo aos dezessete anos, ele tinha dezenove.

Eu era completamente apaixonada por ele e sabia que ele também me amava.

Eu sentia um ciúme imenso. E eu tinha razão pois ele sempre aprontava.

Depois vinha pedir perdão. E eu sempre perdoava. Ele se acostumou com esta situação e pensou que podia cometer seus deslizes que eu sempre voltaria pra ele.

Ele tocava em uma banda. Naquela época tinham muitos bailes em clubes das cidades do interior e a banda dele sempre tocava nestes bailes.

Ele era muito bonito, simpático e carismático. E muitas garotas ficavam se exibindo pra ele, principalmente nestes bailes. E ele não perdia nenhuma oportunidade. E eu sempre ficava sabendo de suas aventuras.

Eu sofria e chorava sozinha com estas atitudes dele.

Durante três anos eu vivi estas incertezas. Brigávamos e voltávamos a namorar e ele dizia que nunca mais iria aprontar. Mas era só surgir uma oportunidade que ele caia nos braços de alguma mocinha atirada.

Até que um dia eu resolvi tomar uma atitude e terminei definitivamente aquele namoro embora eu sentisse um imenso amor por ele.

Ficamos três meses separados. Ele tentava me cercar de todas as maneiras, mas eu não dei mais nenhuma oportunidade. Um dia eu estava em uma festa de casamento. Ele chegou e veio falar comigo.

-Você sabe que é a mulher da minha vida. Volta pra mim. Não sei viver sem você. Você pode me dar uma última chance. Eu prometo que não vou nem olhar pra nenhuma outra garota mais.

Eu não respondia nada. Fiquei muda.

-Por favor, fala comigo. Não me despreze assim, eu não vou aguentar o seu desprezo.

Eu nem olhava pra ele. Ele ficou falando comigo, tentando me convencer a voltar o namoro. E eu, decidida como estava, não disse uma palavra.

O pessoal veio chamá-lo. A banda dele ia tocar em uma cidade vizinha à nossa.

Ele me disse:

-Eu tenho que ir. Pensa em tudo que eu lhe falei. Não me maltrate tanto assim.Eu amo você.

Foram estas as últimas palavras que ouvi dele.

Ele se foi. Eu fiquei triste mas sabia que não podia mais aguentar aquela situação.

Horas mais tarde, o telefone de minha casa tocou. Já estávamos todos dormindo. Meu pai atendeu. Era uma amiga que queria falar comigo.

Quando eu atendi ela estava nervosa. Despejou tudo no meu ouvido.

-O Ronaldo sofreu um acidente na estrada. Ele e mais alguns colegas da banda faleceram.

Eu senti uma vertigem, não falei nada. Larguei o telefone e sentei no chão chorando desesperada. Meu pai pegou o telefone e se inteirou da situação.

Eu estava anestesiada. Não conseguia acreditar que aquilo era verdade.

No dia seguinte eu cheguei ao velório, estava arrasada. Eu me aproximei do caixão e olhei aquele rosto lindo. Ele tinha machucado muito, mas o seu rosto estava intacto. Olhei e era como se ele sorrisse pra mim. Eu desabei. Chorava sem parar e conversava baixinho com ele dizendo o quanto eu o amava, o quanto eu me arrependia de não ter falado com ele no dia anterior. Eu falava, falava e quem estava mudo agora era ele. Sua voz emudeceu pra sempre e eu não me perdoava por tê-lo desprezado no dia anterior. Estas coisas lindas que eu estava dizendo agora, precisavam ter sido ditas ontem. Eu recusei a ele o perdão, recusei o abraço, recusei o beijo… E agora ele não precisava de mais nada disto.

Ele estava em paz, nos braços do Pai e eu estava vivendo o inferno da culpa.

Aquele dia trágico passou, ele foi enterrado. Eu nunca mais o veria e isto me atormentava. Eu o amava muito mais agora.

Durante alguns anos eu convivi com esta culpa. Sabia que ele era o maior culpado de nossas brigas, sabia que ele sempre aprontava. Mas agora eu só enxergava os meus erros. Agora a culpa era toda minha. Eu me fechei na minha dor e não vivia. Até que esta dor foi somatizada em uma grave doença.

Eu precisei me tratar, precisei de um procedimento cirúrgico, mas eu tive uma nova chance. Eu me submeti então uma psicoterapia e aos poucos fui compreendendo que eu não era culpada de nada. Fui me perdoando e recomeçando a viver. Eu me dei a oportunidade de conhecer outras pessoas.

Eu tirei muitas lições desta tragédia que aconteceu em minha vida.

Muito tempo depois eu voltei a amar, eu me casei e renasci pra vida.

Hoje, passados tantos anos, eu me lembro dele com ternura e saudade. Mas já não sofro, já não me culpo.

Aquele acontecimento foi uma fatalidade.

Hoje eu entendo que a hora dele partir chegou e ninguém poderia fazer nada para evitar…

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 12/12/2021
Código do texto: T7405814
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